terça-feira, 17 de novembro de 2015

The only thing we have to fear is fear itself

Recordo-me daquele dia seguinte ao atentado de Atocha, em que estaquei no topo das escadas do metro, na minha cidade. Lembro-me também daquele momento em que senti o início de um ataque de pânico, no apinhado elevador monta-cargas da estação de metro londrino, na minha primeira ida após os atentados: um metro à minha frente, um sujeito de cabeça coberta por um hoodie, mãos castanhas a segurar as alças de uma mochila que carregava às costas. Sim, estaquei um momento mas entrei no metro. Sim, irracionalmente subiu por mim acima uma inquietude, uma falta de ar, mas chamei-me estúpida muitas vezes, acalmei, e cheguei já calma à plataforma da linha piccadilly. Senti medo, dominei o medo, e segui com a minha vida. Tive muita vergonha de ter quase sucumbido ao medo. Principalmente na segunda ocasião, em que tive medo de uma pessoa em concreto, uma pessoa que não conhecia, mas cuja imagem correspondia a um estereotipo. Estava um dia de chuva molha tolos, que facilmente explicaria o capuz na cabeça; era jovem, se calhar a caminho do trabalho ou da escola, o que explicaria a mochila; tinha pele escura, como milhares de habitantes daquela cidade. Mas a conjugação destes factores desencadeou em mim uma resposta de medo, físico, atroz, puro. Senti-me mil vezes estúpida. Eu própria um estereotipo. A (potencial) vítima, acossada, sequestrada pelo terror. Não pode ser. Não pode. Nunca mais aconteceu. Não deixo que aconteça.

Na sexta feira senti, principalmente, tristeza. Muita tristeza. Por cada vida que se extinguiu prematuramente às mãos de gente cujas motivações não consigo entender e me recuso a entender. Mas é preciso fazer um esforço. Há, pelo menos, que tentar entender o que querem causar com estas acções, e fazer exactamente o contrário. Querem-nos aterrorizados, fechados em quatro paredes, com medo de fazer uma vida normal, apanhar um transporte para o trabalho, ir tomar um café, ouvir uma banda, viver com a despreocupação e leveza das pessoas normais? Respondamos "não". Querem fazer-nos crer que está em curso uma guerra civilizacional, em que somos nós contra eles, que temos de pegar em armas para sobreviver, que há que retaliar, e com as mesmas armas, a mesma violência, antes que eles nos exterminem? Gritemos "não". Querem despertar-nos o ódio pelo outro, pelo diferente, pelo estrangeiro? Mais um "não". Querem que tranquemos as portas a todos os que, também em desespero, nos procuram como abrigo? Simplesmente: não. Querem-nos despir da alegria, ver-nos sucumbir ao medo irracional, recusar o abraço, a empatia, a humanidade? Definitivamente, "não". Não ao ódio, à vingança, à desconfiança. Não, não serei refém voluntária desta gente. Não, mil vezes não. E não me tornarei o reflexo deles, mil vezes não.

E, no meio dos relatos de horror, há algo que sobressai e sobreviverá: a solidariedade de gente anónima, o apoio de pessoas que abraçaram, consolaram, salvaram até outras pessoas. Aí sim, está a resposta. Tantos exemplos.
Quanto aos outros, repito e subscrevo John Oliver: fuck these assholes. Aqui.


17 comentários:

  1. Também senti algo parecido uma vez quando fiquei sozinha com um homem "estereótipo" numa carruagem a altas horas da noite. É uma sensação horrível de puro medo em que o nosso lado mais primitivo vem ao de cima. Concordo plenamente com o que dizes, excepto que quero perceber para se saber o que fazer, como fazer, se é possível fazer.
    Adorei o vídeo. Um pouco de humor nisto tudo.

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    1. É uma espécie de resposta animal. E quando tomamos consciência é horrível. Comigo foi, senti que tinha caído na armadilha e me tinha dado como refém ao terror.
      Com terroristas deste calibre não sei se há algo a fazer, excepto a recusa, pura e simples. Há algo a fazer é no sentido de evitar que se espalhem e angariem mais gente para a sua causa - e fechar a porta aos refugiados, ceder ao ódio cego e instinto de vingança é fornecer-lhes razões e mais voluntários.

      Humor e um croissant!

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  2. sobre solidariedade, ou melhor, na verdade, muito mais do que solidariedade, um herói no atentado de Beirute, 1 dia antes do de Paris:
    O pai libanês que morreu quando se atirou para cima de um bombista suicida, fazendo com que a bomba explodisse antes do momento intentado pelo bombista, que seria junto à multidão perto de mesquita, assim salvando centenas de vidas.
    http://www.independent.co.uk/news/world/middle-east/adel-termos-hero-father-saved-hundreds-of-lives-by-tackling-second-suicide-bomber-in-beirut-a6735776.html

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    1. Li essa história. São essas que vale a pena contar :)

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  3. Ainda não tive ataques de pânico, só momentos que tento logo afastar. Coisas parvas, acho eu. Ocorre-me sempre que deixo os miúdos na escola, quando o meu marido embarca, quando vamos ao cinema, a um concerto, enfim, sempre que saímos do nosso perímetro de segurança, se é que isso existe. Uma chatice que me ficou e às vezes até me acho doida, depois afasto estes pensamentos até ao próximo, mas há muito tempo que deixei de ser uma pessoa descansada. Demasiado.

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    1. O que é engraçado é que ando de avião na boa. Nunca tive um frio na barriga, sequer. Mas naquela situação deu-me a parvoeira. Bom, a verdade é que aqueles elevadores são um bocado claustrofóbicos, e por acaso é logo a estação do local onde houve um atentado (num autocarro, mas pronto, o poder da sugestão é lixado). De resto acho que ainda não contraí arabofobia, como os meus passeios pelo Martim Moniz atestam ;)

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  4. Obrigada por teres posto em palavras o que tenho pensado e sentido, mas não ainda digerido. Estive em Londres em Outubro, um bocadinho contrariada ( sou parva, eu sei ). A viagem não era "minha", fui como acompanhante, mas claro, depois de lá estar, que paixão, que maravilha de cidade. Confesso que só levava um medo, o de voar. Voltei com o mesmo medo, mas com uma angustia nova. É que por todo o lado, quer no aeroporto, quer no metro, se pede a máxima atenção a bagagens abandonadas. É repetido vezes sem conta, há avisos por toda a parte. E entendi que era consequência do atentado. Bateu uma tristeza inacreditável. Considero-me uma pessoa incrivelmente afortunada e o mais perto que estive de uma tragédia desta escala foi tão somente isto, ouvir e ler os avisos. Deus meu, o quanto me afectou. Aparentemente, apenas a mim, porque os londrinos continuam na deles, e os parisienses assim o farão também.

    E sim, dar àqueles FDP uma chapadinha de luva branca é o caminho. Paris será o próximo destino.

    #lovealwayswins

    Croissants e não nos esqueçamos do queijo.

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    1. Rafinha, espero sinceramente que percas o medo de voar, porque já percebi que gostas de viajar. eu consolo-me com a ínfima probabilidade de me calhar um azar. Enfim.
      Londres é a "minha" cidade. Mas o medo do terror não é novo, por lá. Depois de serem severamente castigados na Segunda Guerra, tiveram décadas de IRA. A primeira vez que fui a Londres (em 1994!) também me espantei com os constantes avisos sobre bagagem ou qualquer volume suspeito abandonado. Na minha primeira ida estive perto de um alerta de bomba (encerraram a Regent Street, um saco suspeito e um telefonema do IRA, na altura já estava em vigor um cessar fogo mas o IRA fazia umas coisas, volta e meia, mas sempre sem detonar e com aviso prévio, era "só" para assustar). Na minha terceira ida vi o Canary Warf com uma fachada quase toda estilhaçada (já não me lembro quem colocou a bomba, mas felizmente foi a um fim de semana). Vi também desacatos entre árabes pró-iranianos e contra, no Speaker's Corner (foi na altura da segunda invasão). Mas tem vindo a intensificar-se, o alerta e estado securitário, desde que começou o terrorismo islâmico.
      Nunca estamos a salvo, é verdade. Mas sucumbir ao medo, deixar de ir, de apreciar as coisas boas da vida e o que cidades maravilhosas como Londres e Paris têm para nos dar? Epá, nunca! Nunquinha! :)

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  5. eu tenho medo da guerra e aparentemente está tudo a fazer a sopa para nos irmos meter noutra. e nem é preciso virem os islâmicos, a Europa por si já esgotou a tolerância há muito.

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    1. Admito que também tenho medo da guerra, e da miséria que se lhe segue. Espero não chegarmos a tanto, honestamente.

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  6. Izzie, partilhei o seu texto no meu perfil privado de facebook. Naturalmente que está identificado com link aqui para o blog. Espero que não se importe, mas caso prefira, posso retirá-lo. Achei importante partilhá-lo com um amigo.

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  7. You've said it all.
    Pânico-pânico ainda não tive, mas cada vez é mais frequente dar comigo a pensar, estando em sítios com muita gente, quão indefesos estamos todos perante a loucura do ódio e do fanatismo que não consigo compreender. E sou percorrida por um calafrio.
    Um mês depois do 11 de Setembro eu estava em Nova Iorque. A seguir ao teatro e ao jantar estava combinado irmos tomar um copo com um amigo que estava a estudar na Parsons, mas eu estava tão exausta que optei por voltar ao hotel. O motorista do táxi, provavelmente paquistanês como são tantos na cidade, lançou-se num discurso furibundo e incendiário contra os judeus, que aquilo era tudo uma conspiração de judeus, que andava toda a gente cega, e que haviam de ter o que mereciam e nem sei mais o quê. Os poucos quarteirões que me separavam do hotel pareceram-me um percurso interminável, e lembro-me de ir encolhida de medo no banco de trás e de ter suspirado de alívio quando me vi no passeio, como se tivesse escapado a um enorme perigo. Irracional, eu sei.

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  8. P.S. Só hoje vi este teu post, e o vídeo do YouTube já não funciona. O que era? Provavelmente haverá outro igual noutra conta qualquer.

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  9. Teresa, eu também me encolheria de medo. O discurso do ódio faz-me medo, muito medo.

    Já vi que removeram o vídeo, mas encontrei outra fonte, que não permite incorporação; pus o link no final do post.

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  10. O Croque en bouche como uma French freedom tower é sublime. If you're starting a wae against the frogs... good luck! It's a pastry war. São tantas e tão boas que nem sei qual escolher. Mesmo muito bom! Thank god for HBO and cable TV's profanities! :)

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  11. Vi a noticia no sabado a seguir, ao sair de um voo e esperar uns colegas no voo seguinte. Admito que primeiro me veio 'a cabeca todo o trauma que passei no US com o 11 de Setembro; depois o choque pelo que de facto aconteceu; a seguir a terrivel simpatia por todas aquelas pessoas que acabaram de perder familiares e amigos de repente, de um dia para o outro, sem contar com a morte, sem preparar nada, como eu; e depois me assaltou o facto de me estar a dirigir para uma conferencia no UK com mais de 2 mil pessoas. Respirei de alivio por me ter esquecido de comentar com a minha mae o que andaria a fazer essa semana.

    Recuso-me a deixar de viver pelo medo. Sou cada vez mais contra o Patriot act; Guantanamo; escutas e ciber tracking permitidas ao abrigo da seguranca; fiscalizacao de contas por parte das financas; CCTV; restricao de liquidos que se impoe a milhoes de viajantes de aviao no mundo por ano. O medo e' uma excelente desculpa para o poder nos poder vigiar de perto, e ainda nos sentirmos gratos por isso. A desutilidade colectiva de todos nos, em prol da ilusao de seguranca e justica, por medo incutido.

    Quem acha que as medidas de restricao de liquidos nos aeroportos salvaram alguem?
    Quem acha que as consecutivas guerras desde 2001 salvaram alguem?
    Quem acha que flagrar/restringir movimentos de contas acima dos 10,000 euros reduz a fraude?

    Ve-se. Os atentados mudam de lugar, as guerras multiplicam-se e multiplicam as vitimas, e continua a haver casos BES...

    Quem quer matar, mata. Se nao vai de aviao, vai de metro, de comboio, de maratona, de entrar num restaurante, concerto, etc, e la vai disso. Ninguem fala nas contantes mortes e massacres noticiados dia sim dia nao em Africa. Ninguem fala de acalmar o medio oriente. Ninguem fala na NRA e os massacres nos US. Ninguem fala de nada que nao seja o seu umbigo.

    Somos todos cumplices activos cada vez que calamos. Chega.

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