sexta-feira, 17 de julho de 2020

O ar é de todos

Via tuíter (again) tomei conhecimento de uma polémica relativa à ciclovia da Almirante Reis, ainda a estavam a construir: parece que muita gente - alegadamente residente na zona - se opunha, e até foi constituído um grupo no feicebuque, denominado "vizinhos de Arroios", onde se reclamava a reposição da via no seu esplendor anterior.

Cusca como sou, e porque também tinha em vista ir espreitar umas utilidades domésticas à Vicrilana, fui ver. E pá, çinçeramente, há gente que deve ter uma vida muito fixe, porque só reclama e se chateia com merdelhunças que haja noção. Lá a ver.

A ciclovia suprimiu uma das quatro faixas disponíveis, e apenas no sentido ascendente, que nem por acaso é aquele que costuma ter menos tráfego (disclaimer: não é ciência, é a impressão de quem vive na zona há 17 anos). Está delimitada por pilaretes porque isto aqui é um país de sociopatas que só não comete a bela infracção se tiver um polícia mesmo à sua beira. Fica livre para Sua Excelência, Alteza Sereníssima, o Automóvel, uma faixa nesse sentido, que é também a que tem carris e onde passa o eléctrico; portanto, a faixa mais à direita. 

Sobre se a dita ciclovia está bem planeada e implementada, se constitui um risco - ou não - para ciclistas, não me pronuncio; não sou ciclista, ergo não tenho conhecimentos para dar bitaites (não que isso impeça seja quem for, mas eu tenho um nico de noção). Este é o argumento a que, em última ratio, se agarram os puristas do asfalto: depois de desfiarem o triste rosário de como a cilcovia vai piorar a) o trânsito de superfície, porque acumula carros numa só faixa; b) o calvário dos comerciantes, agora onde é que vão deixar o carro - em segunda fila - para fazer cargas e descargas ); c) e o estacionamento, jasuscredo, que não há, vai diminuir ainda mais (?) e óspois quem sofre é o comércio local.

Ahééém. Izzie ispilica. 

Ponto a): A faixa que agora é ciclovia estava quase permanentemente bloqueada. Facto: regular ou mesmopermanentemente, aquilo era o parque de estacionamento não pago de comerciantes, habitantes e outros meliantes, pelo que argumento a), já foste. Ali não se circulava, estacionava-se. Ou parava-se, como preferem dizer. Sim, sim. Parava-se umas horitas, enquanto se ia tratar de vidinha.
Ponto b): Ao longo da faixa mais à direita há lugares de estacionamento e mesmo lugares dedicados a cargas e descargas, donde, os comerciantes que acordem cedinho, que a quem madruga diz que deuz ajuda. Se por um estranho acaso, nunca antes ocorrido (ironia), pretenderem deixar a viatura comercial todóóóó dia ali perto, mais à mão, nunca se sabe, a vida desta gente é tão complicada, de repente é preciso não sei quê, fazem como o resto dos cidadãos, entre os quais os moradores de Lisboa que têm a ideia de levar um automóvel para ali: parque pago. Há um no Martim Moniz, mesmo a jeito para os comerciantes, olha que conveniente.
Ponto c) Estacionamento há, mas a pagar, vide ponto anterior. É pouco? Pois é, aquela parte da cidade foi construída quando quase ninguém tinha automóvel. Aquela e outras. Mas quem se queixa até parece que não tem a opção de deixar a carripana num local onde até nem se pague estacionamento, e apanhar o metro. É só uma ideia, fica a sugestão. Quarenta e nove anos, e nunca na rameira da minha vida levei o carro para a Baixa ou arredores. Achava eu que por ser uma pessoa prática e fuínha (olha pagar parque, só quando tem mesmo de ser), afinal é porque não gosto de andar às voltinhas, a gastar combustível e paciência, e a malhar em quem gere a edilidade. Donde, a falta de estacionamento não é obstáculo para o freguês do comércio local. Na loucura, apanhem um táxi, um uber, um ataque de caspa, mas não se queixem (mais) da falta de estacionamento no centro. Tema além de estafado, muito chaaaato.

Resumidamente: há espaço para todos, é preciso é saber partilhar, distribuí-lo por todos, de acordo com as suas necessidades. Sim, é marxismo rodoviário. Ou, como eu prefiro, puro bom senso. Corolários?
- A cidade pertence a todos, residentes ou visitantes.
- As estruturas da cidade têm de servir todos: peões, ciclistas, motociclistas, automobilistas; e garantir que todos podem circular em segurança.
- Nenhum dos apontados tem mais direitos ou prevalência sobre outro (engraçado, muitos até se inserem em mais que um grupo);
- Donde, automobilista só muda de faixa depois de olhar para os retrovisores e accionar pisca (pode lá vir um motociclista), todos páram nos vermelhos, páram nas passadeiras, circulam abaixo de 30km/hora nas imediações de escolas ou zonas residenciais, não estacionam em cima do passeio ou passadeiras; todos respeitam limites de velocidade; ciclistas também não passam vermelhos de peões; motociclistas não fazem razias, que há pessoas de coração fraco. Ah, e se os automobilistas tiverem a consideração de não se posicionarem em cima da linha separadora de vias, é um favor que fazem à circulação de motas. Eles agradecem. A sério, agradecem mesmo, eu sei.   
- E perante as necessidades de muitos, os poucos cedem, isto é, quem pára em cima de carris de eléctrico, faixas de trasnporte público, ou bloqueia paragens dos ditos, é uma vergonha de pessoa. Aliás, é meramente uma peçoa, que está ali rés-vés peçonha.
 
Pronto, ide lá à vossa vida, que hoje não vos maço mais.

(disclaimer: não sou ciclista, já andei mais de transporte público, actualmente sou 80% automobilista e 20% peão. mas a minha avó era uma senhora que insistia muito que é preciso é respeito e educação, ficou-me.)

Para os saudosistas, ficam umas imagens da almirante Reis, do tempo em que havia espaço à larga para automóveis (e estacionar, the good old days, snif):







2 comentários:

  1. Quando trabalhava na baixa do Porto, até o antipático vírus decidir aparecer e me ter feito perder o emprego, ia de carro até uma estação de metro onde não falta lugar para estacionar de graça, e apanhava o metro para a baixa. Rápido, simples e barato.

    Mas há gente que gosta de complicar.

    Helena

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    1. Lamento muito a perda de emprego,espero que não seja longa!
      A rede de transportes aqui em Lisboa não é muito amiga de quem vive no subúrbio, há que reconhecer. A rede de metro do Porto é bem mais extensa. Mas há muita gente que chega de comboio ou autocarro e apanha uma bicicleta da Câmara para o resto do trajecto, já há bastante gente a optar pelo pedal.

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