sábado, 11 de junho de 2016

Uma leidi na mesa, uma louca na cama

Queria deixar só duas (ou três. ou quatro. ou mais.) palavrinhas sobre o evento de ontem, no Terreiro do Paço.
Primeiros, palminhas para a saudável e genial loucura de quem, na edilidade lisboeta, achou boa ideia oferecer aos munícipes, no dia da naçon, um espectáculo que dá pela graça de "Deixem o Pimba em Paz". Se não percebem a ironia, passem à frente. Não posso assegurar que tenha sido propositada, mas achei humoristicamente adequadíssimo.
Segundos, kudos por escolherem comemorar o dia de Portugal só com prata da casa. Acho lindamente. Tudo português, ali no palco. Artistas, letras, música. Eu, que nem sou nada dessas coisas, comovo.
Ópois, e entrando na apreciação concreta, enapá, enapá, enapá. Que maravilha. Ainda não tinha visto o espectáculo porque quando foi à cena e soube dele, puf, os bilhetes já tinham desaparecido. Não faz mal: acabei por ver de borla, num cenário maravilhoso, e com o Terreiro do Paço cheio-cheio (Fenprof, rói-te). É tudo bom, excelente de bom. A concepção, a concretização, tudo resulta. Estava à espera de uma coisa boa, mas nem tanto. Temos artistas mêmo, mêmo bons. Não digo só músicos - e se o são, os arranjos e orquestração são para lá do que se podia esperar - porque há ali muita mais gente a trabalhar. Desde logo na ideia, mas caneco, se não se tivesse juntado um montinho de gente com muito talento (vénia profunda aos músicos, quer os que fizeram os arranjos - sois grandes, na imaginação, na criatividade, na técnica, no talento - mas também os que aderiram e se juntaram à gandaia - orquestra metropolitana, o meu mais profundo respeito e amor eterno), e muita capacidade de fazer acontecer, aquilo não tinha acontecido.

E aqui entro num tema que me é muito caro: o elogio da cigarra. Como eu odeio essa fábula, credo. Aquela versão original, em que a formiga bate com a porta na cara da bicha e a deixa fenecer ao frio e à fome. Os outros não sei, mas o meu mundo - a minha vida - é muito melhor graças às cigarras. E não me importo nada, não, até agradeço que me façam companhia enquanto partilhamos a minha despensa. Benditas cigarras. Agora, vamos mais longe: as cigarras também precisam das formigas, tanto como nós, as formiguinhas, precisamos das cigarras. Não basta alguém ter a ideia maluques de e se agora a gente fizesse um espectáculo só com música pimba,com arranjos novos?, ou outra coisa qualquer, é preciso meios e gente para a por em prática. E é aqui que entram as formiguinhas que, não fazendo parte do processo criativo, se encarregam de ajudar as cigarras a montar a coisa. No fu«im, curtimos todos, verdade? É que nos escuros. longos, tristes dias de inverno é tão importante ter a pancinha cheia como coisinhas divertidas que nos façam esquecer que o verão ainda tarda. Benditas cigarras.

[sim, isto também é um elogio àquela forma muito esquerda de conceber a sociedade, em que ideias como financiamento cultural não são vistas como despesismo absurdo, desbaratamento de recursos, whatever.  no dia em que privatizarmos o divertimento, sujeitarmos a criação artística somente a regras de mercado, fizermos depender os artistas das esmolas de mecenas, vamos perder tanto. depois até pode acontecer que o espectáculo se pague, ainda bem, mas enquanto se cria e se concretiza as cigarras precisam de comer, e é para isso que também serve a despensa colectiva. quando se fala em alimentar burros a pão-de-ló, prefiro que o burro não seja um banqueiro, coisas minhas.]

4 comentários:

  1. Cultura? Música, teatro ou cinema? pffff, isso é só para a nata da sociedade, tudo cenas acima das possibilidades do zé povinho e desculpas para não trabalharem.

    era porreiro escolhermos o burro a alimentar, sim senhora...

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  2. A cóltura não se come! Não produz! Não aumenta o pib!

    Agora uma gira: contou-me um pardalito que viu, na fnac do aeroporto, uma oriental com o dvd das 1001 Noites na mão, para levar (parece que a trilogia teve um sucesso do caraças lá fora). Perguntava ao empregado se estava legendado, e este lia lá as especificações técnicas, chegando à conclusão que népia, nem sequer legendas em inglês. E esta, hein? Nem somos bons a vender cóltura.

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    1. For real. Ou é burrice (pá, o filme - trilogia - ganhou prémios lá fora!) ou é hipsterismo na última casa.

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