quinta-feira, 9 de junho de 2016

O triunfo dos porcos

Em lar-doce-lar uso muito a expressão esta casa está um bordel. Também uso versões mais específicas, como por exemplo este escritório está um bordel, esta cozinha idem aspas, ou, em dias bons, consegue-se restringir a coisa a uma determinada peça de mobiliário, como esta estante está um bordel (esta é recorrente). Não que aconteça entrar em casa e dar com a prática de actos de prostituição aqui ou ali, não; é uma figura de estilo, e não me perguntem qual que nem a saberia identificar nem esta tem nada de literário. É a minha forma colorida (e parva) de definir uma confusão dos diabos, local desorganizado, desarrumado. Ontem, surgindo uma determinada cena na tv, diz ele, metendo-se comigo, que aquela casa é que estava um bordel. E eu atalhei logo, ei, aquilo não está um bordel, está uma pocilga, e esta (nossa) casa pode até estar um bordel, mas chiqueiro não. E é verdade. Podemos não ter as melhores qualidades de donos-de-casa, não temos (de certezinha) a mania das arrumações e limpezas, podemos ser (ambos, os dois) umas pessoas um bocado caóticas no que diz respeito à disposição de cenas, mas calminha: porcaria é que não. Um bocado de pó a mais, concedo; um ocasional cotão que leva logo guia de marcha, acontece; um lava-loiça transitoriamente não vazio (que a máquina está cheia de loiça lavada e nós cheios de preguiça), quem nunca. Mas cocó, sujeira, nojice, parou.

E é por isso que tenho cá as minhas reservas sobre certas e determinadas situações. O que se passa portas dentro (dos outros) não me diz respeito, certíssimo, mas ele há coisas que, ahém. O ar é de todos, e os cheiros circulam. Ele há chiqueiros que é impossível restringir só ao alheio lar-doce-lar. Atacando e pondo o dedo na ferida, houve uma proposta do anterior governo que me fez dar palminhas, mas depois não foi avante, a saber, a restrição ao número de animais que se pode ter num apartamento. Ai, pá, ó Izzie, mas há pessoas que vivem num zoo mas são muito limpinhas. 'Tá bem, abelha. Até haverá, mas também acontece amiúde que quem vive numa ETAR não nota nada de estranho no ar. E também sucede que quem vive perto de uma suinicultura raramente se congratula com o aroma a campo. Nunca ouvi dizer que um gajo asseado se habituasse ao cheirinho da lixeira do vizinho.

Agora imaginemos, por pura hipótese, que dois gajos asseados partilham o seu castelo com um felino, mas até usam areia aglomerante que é diariamente inspeccionada, têm a casinha aspirada duas vezes por semana (mínimos, pá, mínimos), escovam a bicha, e tudo e tudo. Mas ópois coabitam no mesmo caixote urbano com doze almas em três assoalhadas, sendo que apenas três dessas almas são humanas, e as restantes nove não usam nem sabem usar uma retrete e respectivo autoclismo. E nota-se. Quer dizer, os tais e hipotéticos dois gajos notam, que cada (tanta, tanta!) vez que passam em frente a determinada porta, ou abrem as janelas que deitam para o espaço exterior das outras doze almas, não se conseguem abstrair do cheirinho a estrebaria. Que não incomoda, notoriamente, quem lá vive. Como também não incomoda que cinco das doze almas trepe paredes e salte muros, e, ele há dias, escolha outras retretes muito mais limpinhas que aquelas a que os humanos lá deles os sujeitam. E eu sei que são mais limpinhas, porque calham situar-se num local exterior que tais dois gajos possuem, e por acaso se vêm na contingência de limpar mais vezes que o que seria normal*. E há quem achasse uma canseira varrer folhas quinzenalmente. Saudades das folhinhas. Muita saudadinha.

Maneiras que é isto. Sim senhora, será um exagero aprovar uma lei que imponha restrições à liberdade individual, cada um manda na sua casa, é preciso é bom senso, os condomínios podem aprovar regras, mas a verdade é que não funciona. Do ai que giro, tanto bichinho, ao ai que canseira, não vou limpar isto todos os dias / todos os pares de dias / todos os fins-de-semana, é um pulinho. E viver ao pé de um pulinho destes, pessoas, pá. Às tantas um gajo já sonha com uma lei musculada, uma polícia da higiene, um tarrafal dos porcalhões onde os ponham todos.
Era só isto, por hoje.


*nunca os apanhei em flagrante, que são bichos mas não são parvos. mas há ali uma coincidência temporal do tipo "antigamente isto não acontecia". tenho a certeza, mas népia de provas a apresentar para condenar o ilícito. suspiros.


9 comentários:

  1. As vezes não é preciso muito, basta um cão. Mas como policiavas isso? Polícia do mau cheiro?

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    1. Sim, é verdade, às vezes basta um cão. Como também pode bastar um gato. Mas a "acumulação" de animais raramente tem bons resultados.
      A minha teoria é que se houvesse limitações legais ao número de animais por área, a) isso funcionaria como dissuasor; b) as pessoas teriam a quem se queixar, sabendo que as autoridades iriam intervir, como já sucede com a lei do ruído.

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    2. Fui um bocado telegrama. Às vezes basta um cão para deixar cheiro a cão num prédio, que não é uma coisa muito agradável. Um gato dificilmente deixa esse cheiro, a não ser que claro, não limpem a caixa.

      Mas eu tenho ideia que já havia uma limitação de quatro animais por apartamento, ou é mito?

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    3. Acho que essa limitação não chegou a ir avante, ou então até eu a desconheço (vou investigar).
      Neste caso são 5 gatos, que muitas vezes ficam no quintal / pátio. Julgava eu que com uma caixa de areia (que já seria pouco, adiante, a minha tem uma bexiga e intestino muito regulares e activos), mas no sábado andei em varridelas e jardinagens (do meu pátio vejo o deles, integralmente), e topei que nem uma. Pah. Soma a isto uma coelheira, e temos o inferno olfactivo instalado.

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    4. E quando há muito cheiro e gatos, os gatos ainda marcam o território com mais "cheiro" por isso não deve ser fácil.

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  2. Proponho uma regressao logistica com a probabilidade de estar la esterco , ou nao, e como variavel de exposicao uma dummy para a entrada de certas e determinadas almas para o condominio. Se bem que estar estatisticamente provado que os votos na florida em 2000 cairam sobre o candidato errado nao ajudou em nada o Al Gore 'a presidencia.

    Tentamos.

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    1. Oh, pá, num percebi nada :D A gente não pode impedir que se venda/arrende a casa a determinadas pessoas. Aliás, no primeiro ano a coisa até correu bem, pareciam pessoas normais - com muito bicho, mas normais... Agora, jasus.

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  3. Somos almas "génias", é o que é! Uso tanto essa expressão para a barafunda que reina (quase sempre) na minha casa.

    A convivência com animais começa e acaba onde e quando é saudável para todos: animais, donos dos animais e vizinhos. Não é saudável para ninguém viver num chiqueiro, se há quem não consegue compreender isto, tem de se tratar e rever, ou aprender, o que são hábitos de higiene. E como não compreendem, não vejo qual o problema de se limitar o número de animais de estimação. Lembrei-me daquele homem que já tinha recolhido 18 cães (acho que era este o número), santa paciência, então os vizinhos têm de aturar o cheiro e o barulho? É que nem para os animais é bom.

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    1. Ai Mac, almas génias é lindo, vou roubar e passar a usar ;) A minha casa tem sempre um foco de bordelização. O truque para viver mentalmente saudável é reduzir as expectativas e festejar quando há pelo menos duas divisões em bom estado (e nestas fases de mudança de estação, credo, o armário dos sapatos anda uma pouca vergonha, um bacanal entre botas, sabrinas e sandálias).

      As pessoas não compreendem, não. Eu ando a barricar-me, sucessivamente. Primeiro foi a varanda, onde uma gata de vizinhos, não esterilizada, ia confratenizar com um vadio aqui da zona. Há dois anos tive de rodear os vasos do pátio com cacos, que houve um vadio que achou giro usá-los como retrete. E agora isto. O vadio ainda ia aos vasos e enterrava (esgravatou-me as plantas todas, foi assim que descobri), mas estes não enterram. Ia tendo um treco quando dei conta. Depois percebi: há dias em que os vizinhos deixam cinco gatos no pátio só com um caixote. Pois. Claro que procuram um wc mais... virgem.
      Esse caso do homem com os cães era de gritos, coitados dos vizinhos. Mas havia ali um quadro de doença mental (quadro que não afasto neste caso, que o quintal deles começa a apresentar sinais de hoarding - carradas de tralha velha. para o que havia de estar guardada. e é tão fácil lavar um pátio: mangueirada, vassourada, zing!)

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