segunda-feira, 13 de abril de 2020

Irritações covidianas (parte 2, e desconfio que não última)

Não sei se mais alguém deu conta do fenómeno, mas a mim aparecem anúncios de jogo online, com imensa frequência, nas nets desta vida. Entretanto reparei que também na tv há anúncios a esta praga.

Ora. Portanto. O jogo, sim senhor, só joga quem quer, só que não é bem assim. Também só bebe quem quer, só fuma quem quer, só consome drogas quem quer, desde que tenha a sorte de não ter uma adição / personalidade aditiva. Isto não é ficção, é realidade. Se, para mim, ir ao casino é uma actividade inofensiva e até muito entediante, para algumas pessoas significa um turbilhão do qual podem sair com conta limpa, cartões de crédito no máximo e, no pior do cenários, uma bela dívida a agiotas. Se calhar essas pessoas não fumam, e ó eu, não consigo largar o tabaquinho. É o que é, e não, não se trata de uma questão de força de vontade. Há quem consiga fazer e gerir um consumo razoável de bebidas alcoolicas ou drogas leves, e há quem não pare enquanto não veja o fundo à garrafa - ou garrafeira.

Junte-se a isto a situação actual: pessoas isoladas em casa, muito provavelmente sem acesso aos normais recursos que, em caso de adição em tratamento, as podem aguentar, e a coisa torna-se apenas obscena. Aproveitar o actual estado de lockdown para tentar quem luta contra esta adição e ainda captar mais alguns clientes, parte deles provavelmente com um problema de adição latente e que desconhecem, mas ei, que bela oportunidade para acordar o monstro, hein, e fazer uns cobres à custa da desgraça alheia. Isto também é repugnante, e se há coisas repugnantes que este tempo de excepção tem revelado.

Se há proibição de publicidade a tabaco, restrções imensas à publicidade a álcool, e (óbvia) inexistência de publicidade a drogas, não entendo porque o jogo goza este livre trânsito. Não tenho agora vagar para isso, mas basta uma pesquisa e encontram-se números que demonstram que se trata da adição comportamental mais vulgar, ou seja, não é uma actividade inócua, neutra, e sem qualquer impacto social. Se toda a gente sabe que, no jogo, a casa ganha sempre, é porque o cliente perde. Isto pode ser um entretém passageiro que alguém decide experimentar, ou o princípio do fim da vida de alguém. Já merecia que se pensasse sobre isso com pés e cabeça, e acabasse com esta pornografia publicitária.

6 comentários:

  1. Tal e qual! Aqui há dias comentei precisamente o mesmo com o meu marido, é escandaloso. E naqueles canais como a Sic Caras e a Globo, a publicidade a produtos que são mesmo uma banha da cobra? A maior parte só se vende por encomenda para um número de telefone. Prometem o impossível, são notoriamente falsos, nunca cumprirão o que publicitam e ninguém corta com aquilo. Não consigo perceber como é que não há ninguém que acabe com isto.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Mac, a publicidade a produtos de venda livre m farmácias ou parafarmácias, e que têm a ver com saúde, é um escândalo. Devia estar regulada, mas não. E já nem falo daquela obscenidade dos números de valor acrescentado para ganhar dinheiro em cartão.

      Eliminar
  2. Noto o mm aqui. Para mim o conceito desse negócio é repugnante, como o tráfico de droga e produção de tabaco, corridas de cavalos e cães e outras explorações animais de afins para alimentar o vício do jogo. Não me admira que queiram explorar a fraqueza actual pq o negócio só prospera da desgraça alheia mesmo! Quem tem estômago para financiar/investir num negócio desses, tem capacidade para tudo, inclusive vender a mãe.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. AEnima, ganham dinheiro à custa da fragilidade alheia, e no caso das corridas de caes, credo, aquilo é uma barbárie - a criação de galgos, que normalmente é um negócio sem escrúpulos, os bichos são mal tratados e descartados quando não dão rendimento. E ainda por cima é uma raça de cão tão meiga...

      Eliminar
  3. O código da Publicidade tem limites à publicidade ao jogo - não sei todas agora de cor, mas sei que não pode sugerir sucesso no jogo e que não pode ser perto de escolas, por exemplo. Podem não ser suficientes ou não estar a ser cumpridos (ou as duas coisas), mas existem alguns.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Rita, o código da publicidade tem restrições, sim. Além de uma norma genérica de "responsabilidade social" limita a publicidade a jogo em situações que possa ter como alvo menores. Mas. Os anúncios que me aparecem são, curiosamente e na sua maioria, no youtube. A lei exceciona situações relacionadas com jogo da santa casa. Ora a raspadinha é das coisinhas mais perversas que já apareceu. Nem faço ideia de quantos vciados em jogo não sabem que o são porque... só jogam na raspadinha.

      Eliminar