segunda-feira, 6 de julho de 2015

You're just an empty cage girl If you kill the bird

Contava ela como foi alvo do comentário e interpelação de estranhos, num local público. Não estendendo uma mãozinha na aflição em curso, não dando uma palavrinha de ânimo ou consolo, mas sussurrando desaprovação, apontando o que (supostamente) estava fazendo de errado. Alguém ultrapassou a barreira do pudor e decoro e abordou-a, agressivamente: não via o que estava a fazer de errado?, não percebia que devia fazer y ou mesmo x?, porque estava ali tão caaalma, em vez de fazer assim e assado?, e mais, e pior, e mais intenso. Contava ela que, já aflita, paralisou; em vez de mandar aquela gente toda enfiar as opiniões de onde nunca deveriam ter saído, acabou justificando-se; que, debaixo das rajadas da outra, o fez já balbuciando, com emoção, embora sabendo que mais valia ficar calada; que se sentiu acossada, isolada, encurralada, e finalmente cedeu às lágrimas.

Eu ouvia aquilo de boca aberta, e tristeza profunda. A primeira reacção, porque não entendo o que leva alguém a, vendo outra pessoa em situação que só a si cabe gerir, meter o bedelho, de modo brutamente intrusivo, e ainda por cima de forma gratuitamente agressiva. A segunda, porque a pessoa e situação em causa não mereciam semelhantes investidas e invectivas. Bastava conhecê-la, a pessoa, para o saber. Obviamente, quem se deu licença para assim agir não sabia, nem cuidou de saber: viu, julgou e achou por bem actuar, e com essa actuação não só não contribuiu para resolver o problema, como feriu outrem. Mais: viu com os olhos inclementes com que olha os outros; julgou com os padrões cegos com que avalia todos os outros. Duvido que, apontando esses olhos e padrões a si própria, aquela pessoa pudesse ser absolvida, mas que interessa isso, quando se é alguém que se autoriza a ser agente autuante, juiz e carrasco? Nada, nadinha.

Juro que ainda me surpreendo com coisas destas. Quatro décadas e picos de provas em contrário, e ainda tenho a ousadia de achar que as pessoas são melhores que isto, mais elevadas que a sua mesquinhez, com mais horizontes que os que a sua tacanhez impõe. E imagino que, confrontando-se tais pessoas, perguntando-lhes se achavam bem o que faziam, não reflectiriam nem um segundo, antes me responderiam que tinham direito à sua opinião, e a verbalizá-la. Claro que sim, toda a gente tem direito à sua opinião. E a dá-la. O que não significa que devam fazê-lo, ou que seja decente decidir dar essa opinião, a quem não tem o dever de a ouvir ou a considerar. Mas não importa: têm o direito. E se têm o direito, embora exercê-lo, embora! É só agarrar na forquilha e archote, olha ali alguém a fazer algo que, em princípio, acho errado, marchar, marchar.

Sem ilusões: devemos agir e opinar, sim. Agir contra a injustiça e ilegalidade, denunciando-a; o sistema, bom ou mau, existe. E só não funciona se não o usarmos e lhe dermos a manutenção devida. Idem aspas para o opinar, se bem que as palavras são ocas e inócuas se não houver uma acção eficaz que as secunde. Apontar não chega. Apontar cegamente, a qualquer coisa, por qualquer capricho de opinião, é estúpido. É matar moscas com uma G3.

Por mim continuo a regar esta utopia, de que mais cedo ou mais tarde as pessoas entenderão que ser uma cabra tresloucada sem filtro, um cabrãozeco ululante e enfurecido, é uma opção. Optar não o ser é que é de valor.

18 comentários:

  1. E depois são muito capazes de dizer, com orgulho mal mascarado, que é porque são muito frontais. Como se a frontalidade em si mesma fosse uma qualidade.

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    1. A frontalidade é uma coisa muito boa, quando bem utilizada. Desculpar-se com a frontalidade se na rua se aborda alguém para lhe dar a notícia que é feio ou está mal vestido, é falta de noção e de educação.

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    2. Pois. Tacto também é muito bonito.

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    3. Essa mais do que tudo o resto, provavelmente.

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  2. talvez pressintam a vulnerabilidade que lhes dá força, poder, ou lá o que pensam que é e que lhes dá o direito de verbalizar as cenas.
    (pegando no que diz a D.S., a "frontalidade" como qualidade comummente apregoada faz-me rir, tanto como a teimosia como maior defeito)

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    1. É por isso que passo muito tempo a treinar a minha cara de má :D
      Agora a sério, teimosia, frontalidade, tudo coisas que podem ser muito boas na medida verta, e se tornam um pesadelo nas mãos erradas. E isso da vulnerabilidade: eu acho uma coisa boa, uma pessoa abraçar e assumir a sua vulnerabilidade. Sem ela, não somos permeáveis a coisas boas, também. O que é triste é haver quem se aproveite de.
      (para apanhar bad guys estuda-se a vitimologia, não para culpar a vítima do crime, mas para perceber porque foi alvo de alguém e que tipo de pessoa teria interesse em atingir aquele tipo de pessoa. nas relações interpessoais faço o mesmo. para perceber porque sujeito A designa B como alvo, e não C, que por acaso tem as mesmas características que justificou o ataque a B. gosto de pensar nestas coisas. ainda não cheguei a nenhuma conclusão, mas pronto)

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    2. sim, sim, também acho que podem ser coisas boas, triste é haver quem use para o mal.
      ah isso da vitimologia eu sei, sabes porquê? porque sou fã de Mentes Criminosas :p
      ok, isto é um apontamento brincalhão e leviano num tema muito sério, mas eu também acho isso tudo muito interessante. e assustador, ao mesmo tempo.

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    3. Ah, o Mentes Criminosas. Ando a ressacar bués, e a ver repetições (preciso de ajuda). É muito assustador, é. Acho que há pessoas que são como os cães, cheiram a vulnerabilidade / medo.

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    4. (e quando não há mentes criminosas, há a blogosfera. sim, é uma redundância ;P mas apanha-se muito sociopata, cabra tresloucada e cabrão ululante aqui)

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  3. Mas também só funcionou porque tocou numa vulnerabilidade da tua amiga. Se não ela tinha mandado a madame à merda e tinha-lhe dito para ir espalhar a religião dela para outro lado. O problema é que quando as coisas nos moem mesmo sabendo que nos estamos lá está, a crucificar e a outra pessoa só veio pôr mais um pregozito.

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    1. O problema, neste caso, é que a vulnerabilidade dela tem meses de idade, e estava a chorar. As crianças choram, claro, às vezes só porque têm um pum entalado, agora alguém comentar / cair em cima de uma 'ssoa que já está preocupada a amenizar a situação, como se fosse a madrasta da Branca de Neve, é muito mau carácter.

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    2. eu imaginei que fosse isso. mais uma razão para mandar a outra ir à merda, a mãe é ela. um amigo meu, o filho fez uma birra fenomenal no shopping. entre arrastá-lo para o carro para tirá-lo dali e o fim do mundo que o miúdo estava a fazer, veio uma senhora dizer que ia chamar a polícia porque ele estava a tratar mal o filho. e ele ficou Hein?! na pior das hipóteses o puto é que estava a tratar mal o pai! :P

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    3. Culpada me declaro de revirar olhos quando crianças guincham mui estridentemente, no meu raio de audição. Mas sou discreta :P e não é um juízo de valor.
      Essa é bonita. A senhora sugeriria o quê, subornar a criança? Enchê-la de chocolates e quando entrasse em estupor açucarado levá-la? Ritalina? Eu cá até aplaudo pais assertivos, pá. às vezes não há outro remédio que não seja enfiar o crianço debaixo do braço e levá-lo como um pacote.

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    4. não sei, não faço ideia. as pessoas projectam muitas coisas nos outros. fosse bonito ou não o puto tinha que sair dali, ninguém tinha que levar com aquilo. e eu sei que não são pais agressivos, mas já lá está, quando julgam não perguntam por factos.

      uma vez vi no leroy um puto de uns 5 anos a fazer uma birra. os pais olharam um para o outro, viraram-lhe costas e foram corredor fora a conversar um com o outro. o puto ficou estupefacto. caiu-lhe tudo. olhou em volta, foi dar pontapés a um saco de cimento e depois foi a correr atrás dos pais :P eu só me ria. também é preciso confiar que cada um conhece os filhos que tem em casa.

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    5. Precisamente: nós não estamos lá todos os dias, não sabemos. E sim, as pessoas projectam muito. É claro que se vir alguém a espancar uma criança não só intervenho como chamo as autoridades, não fico de longe a mandar bocas (nunca aconteceu, felizmente, mas já liguei para a polícia por ouvir uma mulher aos gritos histéricos e um homem a berrar com ela, ouvi a palavra "faca" e 112 comigo). Mas o ficar de longe a mandar bocas, e ignorar coisas de verdadeira importância, é apanágio de muita gente.

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  4. Sou babysitter e nao queiras saber as situacoes em q ja me meteram ou desrespeitaram e eu sigo a regra de "se eu q sou paga para isto me incomodo com comportamento x q fará qem nao tem nada a ver"

    Ja me aconteceu um crianço de 5 anos estar a fazer estridente birra porque queria qualqee coisa, vai de atirarse ao chao e berrar. Copiei-o e atirei-me pro chao a berrar e a dizerlhe o q ele me disse antes a mim. Ele fez a cara mais seria do mundo levantouse e disseme "estas maluca". Foi remedio santo

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