segunda-feira, 11 de junho de 2018

Como perder duas horas e dezassete minutos

Pontos prévios:
a) Me mate grava tudo o que é filme. Bom, tudo-tudo não, que eu não deixo, dado que a box a partir de 250 horas gravadas (por acaso é só metade da quota) começa a ficar lelé, e depois eu aborreço-me, e pronto, é uma discussão que se poupa. Mas grava tanta merdinha, benzó. Diz o ser original que se aprende muito a ver mau cinema, e por mim tudo bem, ele que aprenda lá o que quiser, desde que não me encrave o bezidróglio.
b) Tirando os filmes de terror (90% deles muito merdosos, vide considerando que antecede), que já sabe que bate à porta errada, o home pergunta sempre se aquilo que ele achou por bem gravar, me interessa partilhar de sua visualização. Ele há dias em que acordei mais magnânima, benemérita, praticamente zen, e digo que sim. Mesmo com todos os sistemas de alarme a tilintar cá dentro. Foram esses sistemas de alarme que me pouparam às sequelas de Matrix, por exemplo. É um excelente sistema de alarme.
c) Sou fã(zorra) da colecção Valérian e Laureline ali desde os meus 13 anos de idade. Li todos, tinha metade (eram outros tempos, as BD eram caras) e reli estes vezes sem conta. Laureline era a minha heroína, e queria ser como ela.

Dito isto, maldita a hora em que me mate gravou Valerian e Cidade dos Mil Planetas, remaldita a hora em que me perguntou se avançava sozinho ou eu o acompanhava, e re - mil vezes! - maldita a hora em que eu respondi "bora lá ver isso".

[pequena pausa para engolir o choro]

[ok, já estou melhor, mais recomposta]

[não estou nada, mas coragem, coragem, Izzie, conta ao mundo a tua história, ajuda alguém a salvar-se]

O filme é uma bosta tão grande, credo. Uma enorme, fumegante, bosta.
Por onde começar?
Olha, nem vás mais longe o título. Vamos lá por pontos.

i) Porquê "Valerian e(...)", porquê só "Valerian"? A Laureline também vai, a Laureline é membro da equipa, a Laureline tem o seu nome nos álbuns da série. Então porque eliminam o seu nome do título do filme? Piretes.

ii) Já agora, o resto do título é publicidade enganosa. Um dos álbuns (bem bom, por sinal) tem como nome O Império dos Mil Planetas, mas não, nãããão é essa a história que aqui se vai contar. Porque deram este nome a um (fideputa de ruim de) filme que é baseado (muito livremente, já lá vamos) n' O Embaixador das Sombras? Sei lá. Mais um raminho de piretes.

iii) Começam logo o estraganço de celulóide a apresentar-nos o local onde se desenvolverá a maior e mais central parte da trama. E eu a enervar-me porque aquilo não é Alpha nem o falo que os fornique, é Ponto Central, estúpidos de fezes. Cestinho de piretes, com um lacinho à roda.

iv) O actor que faz de Valérian. Pausa. Suspiro. Soluço. Qu'esta merda, pá? Eu nem precisava de o ver a actuar, o gajo não tem focinheira para Valérian. Valérian é um homem feito, nos seus vinte e muitos trinta e poucos, e não um fulanito que nem tem vestígio de barba. Olha, nem merece um pirete.

v) E depois começa a narrativa, com uma cena de assédio macho-mucho-stupido de Valérian sobre a sua parceira Laureline. Uma cena inenarrável, para quem conheça os livros. Havia tensão sexual? Havia sim senhora. Que, a dado momento, mas muuuuito lá para a frente, chegou a vias de facto? Confirmo. Mas a cena deles tinha classe, c-l-a-s-s-e. O bate boca, ai o bate boca. Se Valérian fizesse a Laureline metade do que aparece ali no filme, levava um banano que lhe virava a cara do avesso. Detestável. E mau texto. E química zero. Um bidon de piretes.

vi) E pronto, nem cinco minutos decorridos e começa a ficar bem patente que vão jogar na mesa toda a téquenologia possível, (d)efeitos especiais com fartura, tudo para encher o olho e a gente não perceber que o conteúdo está muito mauzinho. Entretanto confirma-se que a história base é a d'O Embaixador das Sombras, mas fortemente adaptado: afinal o original conta com a Laureline a dominar e protagonizar a narrativa do princípio ao fim, e aqui têm de justificar o nome do "herói" no título. Uma pick-up de piretes.

vii) Adormecemos ali entre o meio e o fim. Não perdemos nada. Acordámos antes do fim, e isso é que foi uma pena, um soninho tão bom, tão perfeitinho, tão bem feito, a estragar-se assim. O fim é [inserir ruído de vómito]. O amorrrr, o amorrrr, olha, aqui é mesmo um camião TIR de piretes, haja decência, haja pudor em fazer isto a uma fã(zorra), e transformar a Laureline numa partenaire, numa sidekick que finalmente não resiste ao "herói", rameira que deu à luz.

Em conclusão, não há direito. Também é para estas situações que serve o Tribunal Penal Internacional, digo eu. Genocídio de obra, insisto. Apanhem-nos, que ainda andam aí.
Não faço ideia se os criadores tiveram alguma coisa a ver com isto, se apenas cederam direitos e/ou colheram dinheiros, mas pronto, espero que não tenham tido qualquer participação artística.
[vai ver ficha técnica]
Não tiveram, o único responsável pelo argumento, com dolo intenso e directo, foi o Besson, que arda num autocarro de piretes.

Descubro entretanto que Mézières foi designer/consultor n'O 5º Elemento (este é bem bom, por acaso, e envelheceu bem - estão a passar tudo do Besson nos telecine).

E fazer isto a Pierre Christin, que escreveu os (para mim) melhores três álbuns de Bilal (A Cidade Que Não Existia, A Falange da Ordem Negra, e A Caçada).

Miserável. Deplorável. Angustiante. Dói-me aqui. Na alma.

7 comentários:

  1. Subscrevo tudinho! Vi-me exactamente na mesma situação. O Valérian, que desgosto! Acho que só não dormimos porque ficámos muito enervados, juro :D

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    1. Mac, mataram a minha adolescência. Parte, vá. Um fedelhito a fazer de Valérian, tinha lá cara, corpinho ou credibilidade para o papel. fora o resto, que miséria.

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  2. Eu gostei dos visuais, mas embora não tenha lido a BD, faltava ali uma certa sensação de perigo. A Laureline era uma personagem um bocado parva, como se tivesse sido escrita por um adolescente.

    Não desgostei do actor (ele não tem culpa de ser obrigado a dizer que ia apagar a sua lista de conquistas), mas não havia química com a Delavigne.

    E os vilões eram tão patetas!

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    1. Ah, Filipa, não te dói porque não conheces a BD :'(
      A Laureline é uma agente que, embora júnior em relação ao Valérian, se revela extremamente competente, perspicaz, pespineta e sarcástica. E safa muitas situações em que o Valérian se porta como um garoto. A relação entre ambos é de constante picardia, com muito humor, mas também respeito um pelo outro. Por vezes o Valérian porta-se como um puto adolescente ou é totalmente tapadinho, em situações que exigem inteligência emocional, mas é um homem feito e mostra-o quando é preciso.
      Enfim, a BD é giríssima, e considerando que é na década de 70 que se inicia, uma lufadinha de ar fresco :)

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    2. Quando quis comprar a BD, estava esgotada :(. Vou ver se encontro o volume de que falas.

      Não me doeu, mas tb não compreendi as opções. Aquela sequência dos seres que queriam comer a Laureline foi algo...enfim, nunca se duvidou que sobreviveria.

      E o Clive Owen??? :/

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    3. O Clive é um canastrão!
      A leya tem os álbuns todos, reeditaram,aleluia. Estão publicados a pares, mas não por ordem cronológica, o que é estupido, mas pronto. Este ano só compramos BD na feira, praticamente

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    4. Que pena não saber disso quando fui à Feira, mas vou seca Bertrand tem!

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