segunda-feira, 16 de outubro de 2017

[eu não tenho palavras]

Não sou ministra de porra nenhuma - nem quero ser - mas fosse, e tinha-me demitido no rescaldo de Pedrógão. Durante, não; vagar a cadeira a meio de uma catástrofe criaria um vazio de poder executivo na área em que era essencial que não o houvesse. Mas depois, e ainda antes do primeiro funeral, tau, não falhava. Fiquei genuinamente surpreendida quando a demissão não aconteceu, e não gostei. Não que ache que a ministra tenha alguma responsabilidade directa ou indirecta nos fogos, ou tragédia que sobreveio, mas canudo, é ministra, tem responsabilidade política sobre como se reagiu e geriu a situação. Mesmo que não haja culpa em sentido estrito ou formal, há culpa em sentido político, que é como quem diz, face a um resultado catastrófico, alguém tem de assumir responsabilidade. E quem assume a responsabilidade é, deve ser, sempre, o chefe máximo da tasca.
E depois acontece outra vez. Que sim senhora, pode não ter domínio sobre a ocorrência dos fogos, o clima tem estado impossível, a maioria dos bombeiros - voluntários - já está a trabalhar, este problema não é de hoje ou de há dois, cinco, dez anos, mas domina e/ou tem obrigação de dominar a gestão dos meios, a reacção. Morreu gente, porra. Outra vez. Uma vida perdida já era demais, e aquelas pessoas, as que morreram, ficaram feridas, perderam bens, se viram em situações impossíveis, sós, somos nós. O Estado falhou-lhes. Falhou-nos. O Estado deve-lhes, deve-nos, ainda que tarde, uma reacção, uma assunção de responsabilidade, ainda que esta tenha um efeito meramente paliativo ou simbólico.
Estou à espera. O meu futuro voto vai depender disso, e eu tenho uma memória que, ó.

18 comentários:

  1. Os nossos fogos Sã o muito semelhantes aos que estão a assolar a Califórnia: incontroláveis, alimentando-se da secura, dos ventos e da seca. Não se apagam nem se extinguem, apenas se tentam controlar.

    Se havia forma de evitar as mortes, a demissão faz-me todo o sentido. Em não havendo, não sei. Sinceramente, não sei.

    É preciso uma política ambiental integral, isto mansão só os eucaliptos.

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    1. Filipa, não sei nem ninguém pode afirmar, com um mínimo de certeza, que as mortes eram evitáveis. Mas considerando que muitas se deram porque as pessoas foram combater o fogo, sozinhas, foram encurraladas ou estavam em fuga por estradas não encerradas, acho que o Estado tem uma responsabilidade.

      Fosse eu a ministra e não sei se conseguia ter cara para, em consciência, ficar no cargo. Alguém tem de dar o pescoço ao baraço. Política é isto.

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  2. se a nossa memória pudesse desinfestar o país desta praga que lhe sobreveio, talvez há muito que a sua higienização pudesse ter acontecido, que é como quem diz, governado por pessoas que percebessem que ética e governação andam juntas. infelizmente, é o que temos.

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    1. Mia, eu ainda sou crente, e tenho para mim que há muita gente que faz prática da ética republicana. Infelizmente nem sempre vão longe, que isto do escrúpulo é um grande embaraço na política prática.

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  3. Somos duas. E eu (também) não sou nada de pedir demissões por dá cá aquela palha.
    Mas se em Pedrógão se podia dizer "caraças, isto nunca tinha acontecido, o downburst e o catano" agora qdo me falam de imprevisibilidade tenho vontade de perguntar se estão bem da cabeça, que um dia a mais sem chuva e com temperaturas acima dos 30 graus agrava a situação, aumenta a probabilidade disto acontecer tudo de novo. Era previsível, esse é que é o problema.
    Saber, se os jornais nos estão a dar os dados certos, que 60% dos meios já não estavam disponíveis porque os contratos chegaram ao fim.
    Ouvir dizer que as populações se têm que tornar resilientes ou pró-activas é ter vontade de bater. Como pode um governante ter tão pouca falta de sensibilidade para dizer uma coisa destas?
    O discurso do Costa tb não ajudou em nada.
    Acho que estão todos à defesa e que só querem que isto passe depressa para ver se a malta se esquece e se podem voltar às boas notícias.
    Estou como tu. O meu voto futuro depende disto e tb tenho uma memória daquelas...

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    1. Patrícia, isto nem é pedir a demissão, é esperá-la como necessária e lógica. Se não houver, cá tirarei as minhas consequências.
      A história da imprevisibilidade é parcialmente verdade, mas se emitem avisos laranja para aumentos de temperatura e mandam os velhos beber água, pô. A protecção civil serve só para mandar vestir e despir o casaquinho?
      Os meios, pá, os meios. Se há calor, tem de haver meios. E não houve, e pior, falharam as comunicações entre entidades, outra vez!
      As comunicações da ministra e do sec. estado foram ofensivas, principalmente se tivermos em conta que quem morreu foi por estar encurralado sem socorro, ou a combater fogos sozinho. Ou a fugir, sem saber por onde. Resilientes são, isso tenho a certeza. Pena é serem abandonados assim. Estou muito triste. Achei a resposta à situação deplorável, a raiar o victim blaming.
      Anyhoo, e para além do que compete ao Estado, é preciso dizer que, com justiça, muito há a fazer em termos de sensibilização popular. Ainda no sábado vi um nehandertal a fazer uma queimada: dentro do seu jardim, certo, mas e fagulhas? E 500 e tal ignições, bom, haverá muita negligência individual na equação. Mas caneco, há que estar preparado.
      Estou a odiar a polarização política à volta disto, de um lado a pedir sangue e cabeças, do outro a contemporizar. É tudo muito triste.

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    2. True. Há tantos fogos causados por queimadas. Boa parte dos que acontecem no Algarve são por causa disso. É negligência e devia ser criminalizado. Mas olhei para o mapa dos fogos todas as manhãs deste verão e todos os dias suspirei de alívio porque não havia fogos lá na "minha" serra. E não é por não haver mato, que aquilo está coberto de esteva que arde que é uma maravilha. Também não é por falta de queimadas, que a percentagem de estúpidos deve ser igual ao do resto do país. Tal como não deve ser por falta de incendiários, que também temos os nosso loucos.
      A grande diferença que vejo é no tipo de floresta, no facto de cada um ter muito (ou pouco, não interessa na verdade) a perder com um incêndio, na tropa e canarinhos que lá estiveram este verão.
      Olhar para as razões, ter vontade politica (e esta é uma questão política).

      Também não sei se as mortes eram evitáveis. As das estradas tinham que ser, caramba. As das pessoas que lá andam a enfrentar o fogo não sei. É difícil abandonar tudo, casas, animais, terrenos. Para nós é fácil dizer "venham, a vossa vida é mais importante" esquecendo-nos que a vida deles começa e acaba naquelas árvores que plantaram, nas ovelhas que criaram.
      É tudo muito triste mesmo. Metade do nosso país está destruído e na primavera o verde claro dos eucaliptos pequeninos vai voltar a marcar presença.

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    3. Ah, os 'calitros, essa iárbore tão nossa. Já agora, eu que gostava muito dos programas da BBC, e mamei com grande alegria uma série do Attenborough sobre plantas: a floresta australiana, em que abunda o eucalipto, renova-se naturalmente por queimadas. Ou seja, é uma floresta que renasce facilmente após fogo, que aliás são comuns na zona. Tcharan.

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    4. Só para dizer que os eucaliptos não vão voltar a marcar presença. Vivo numa ponta do IC8 e a minha mãe vive na outra ponta, pelo que conheço a estrada bem melhor do que gostaria. Passei lá recentemente e os eucapliptos bebés já lá estão! Aquela merda nasce , ou renasce, melhor que cogumelos. Bastou não fazer nada, deixar o tempo passar sem limpar a área queimada e pimbas, já estão eles à espera do próximo Verão. A sério que não tenho palavras para isto.

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    5. Lá está, sobrevivem ao fogo. É uma árvore adaptada por séculos de evolução ao clima australiano.

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  4. Também estou como tu, sem palavras, apenas furiosa... O que temos que pensar é: se fosse a nossa família, a nossa casa, o nosso bairro, a nossa empresa em chamas, aquelas palavras, aquelas explicações iriam-nos bastar? E pode ser só impressão minha, ou o meu mau feitio, mas se tivessem sido 100 lisboetas queimados vivos na zona do Terreiro do Paço, quer-me parecer que iam rolar cabeças em 5 minutos e iam aparecer milhões em meios em 10 minutos.

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    1. Bels, isso do se fossem 100 lisboetas, para mim é igual. Acho um horror morrer-se assim, tão abandonado e desamparado, por falta de auxílio.
      A ministra já se foi, mas o sucessor, olha que francamente, até dá ideia que não se preocuparam em pensar muito no assunto. E continuo francamente triste e desapontada com a reacção do Costa a esta situação.

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    2. Pensei o mesmo, Bels. Izzie, para ti é igual se fossem 100 lisboetas, ou 100 albicastrenses, e ainda bem que assim pensas porque sabes que somos todos iguais, todos portugueses e antes disso, todos seres humanos a merecer o mesmíssimo trato. Eu penso assim, tu pensas assim, mas sinceramente duvido que pense assim que nos (des) governa.

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    3. Não sei se concorde. Há um bias, e as pessoas sentem mais o que é próximo, e isso (por exemplo) é que leva a que se omita muito noticiar mortes de atentados terroristas do daesh em países muçulmanos e com vítimas muçulmanas. Ainda há pouco foram 500 (!!!!) e não vi a notícia na tv. Aí sim, há um passar por cima porque não são "nossos".
      Mas admito que possa estar errada, afinal sou lisboeta, beneficio desse privilégio (no sentido de ser beneficiada pelo centralismo que ainda impera), e isso pode influenciar o meu julgamento.
      Mas, mesmo que vocÊs não tenham razão (espero!), acho muito triste que as pessoas fora de Lisboa ou centros urbanos sintam esse abandono, ou esse desprezo. Significa que estamos a fazer muita coisa mal.

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    4. Izzie, infelizmente é mesmo assim. Não por serem lisboetas mas pela quantidade de votos que representam.
      Porque é que há um aterro sanitário em plena serra do caldeirão? Porque o sítio onde estava previsto ter sido construído tem mais votantes que gritaram mais alto. A voz de meia dúzia de velhos da província não conta, ou conta menos. É assim para o poder local, é assim para o poder central.
      É a parte negra da democracia.

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    5. Mas não pode ser. É triste que seja.

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  5. as demissões parecem me mais simbólicas que práticas e honestamente acho que a demissão não vai ajudar em nada. As pessoas pegaram muito nas palavras da ministra (o ir de férias, etc) mas para mim as palavras do António costa são bastante mais graves. Dizer que vai voltar a acontecer? Por favor, as pessoas lá por não viverem com o rabinho em Lisboa como os ministros, não são estupidas! Há incêndios todos os anos e muitas das pessoas no interior já viveram de perto incêndios, ao contrário desta gente importante que nos governa. Portanto, o que é que vai voltar a acontecer? O SIRESP falhar? As pessoas ficarem sem comunicações? Sem água e isoladas? Não haver GNR suficiente para cortar uma estrada? Morrerem 100 todos os anos a partir de agora? Eh pa, eh pa. Não sabe fazer melhor vá embora. Palavras imperdoáveis para um primeiro ministro. Para mim ele é que pode ir de férias!

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    1. O PM teve uma falha de comunicação e empatia tão básica, tão imperdoável, que também me deixou muito aziada.
      Sim, vai voltar a acontecer, e a tendência é para que piore: os fogos. Mas tinha de ser muito claro e estruturar muito bem esta ideia, e fundamentar porque a tendência é para cada vez mais os fogos terem dimensões catastróficas.
      Diferente é o "resto" voltar a acontecer, como bem frisas. Se sabemos que é inevitável haver fogos (que é), e que há tendência para estes serem cada vez mais intensos, então há que reforçar as garantias de resposta, não é encolher os ombros e entregar a deuz, ou a quem seja! Canudo, a responsabilidade por termos chegado a este estado é de todos os partidos que já estiveram no arco da governação, curiosamente o tal bloco central; agora são eles que estão à frente da tasca, a eles cabe elaborar uma estratégia, fazer QUALQUER COISA, porque morreu gente e isso não pode voltar a acontecer, pelo menos por incúria e de ter deixado tudo na mesma.
      Sim, foi imperdoável, e meu coração sangra, que este não é o António Costa que eu conheci como presidente da câmara e em quem votei.

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