sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Enquanto as armas descansam

Uma das melhores coisas e mais giras que (me) aconteceu em 2015 foi ter dado conta que um p'sarito qualquer tentou fazer ninho na minha varanda, num sítio que, à primeira vista, até poderia parecer muito adequado e inteligente mas, pensando melhor, e o p'sarito pensou, não era muito boa ideia. Achei um piadão e deixei lá ficar a (quase) obra, porque se me alegra o espírito a olhar para aquela (meia) empresa; e também porque o raio do pé direito é alto, canudo, e não é esta quem subirá a um escadote para desmanchar a empreitada, por via das vertigens e tal.

Ora outro dia, enquanto tomava o meu shot de café na varanda, aproveitava o fresquinho da manhã e, mais prosaicamente, via que tal estava o dia, passou-me a um palmo do cocuruto um p'saricho, que terminou o voo no alto do chapéu de sol. Ali ficou uns momentos, olhando em redor, segurando no biquito um rolito de matéria prima que adivinhei destinar à sua moradia em construção. Era pequenit'cho, o ser; da mesma cor que os pardais, mas mais mimoso e concentrado, rabit'cho em leque, levantado. Não será um pardal, desconheço a que espécie pertence mas, depois de observar alguns despojos no chão da varanda, percebi que andava a desmanchar a meia obra e a levar os materiais em seu proveito, o malandreco. Já o vi mais uma vez, e o projecto de ninho lá vai sendo desmanchado. Achei fofo, zen, querido, e apeteceu-me relatar.

Pode ser palerma, mas aquele (meio) ninho e este p'saricho são uma espécie de happy place, onde me refugio mentalmente quando algo me chateia. E se há coisas que me chateiam. Poderia, portanto, escrever sobre o afoito p'saricho, ou sobre coisas que me encanitam, e fazer uma espécie de catarse. Escolhi a primeira porque, com franqueza, não sei se adianta muito ao mundo, ou ao meu bem-estar pessoal, manifestar aqui a minha franca estupefacção por haver quem ache normal a lei excluir, clara e taxativamente,candidatos a adoptantes em função do sexo da pessoa com quem casaram, quando não faz o mesmo relativamente a pessoas, por exemplo, apreciadoras de alimentos saturados de gorduras trans, ou portadoras de deficiência física profunda, ou doença ou deficiência mental, ou mau humor e/ou mau hálito matinal, ou fumadoras, ou com registo de condenações criminais, incluindo crimes contra pessoas ou de abuso sexual, isso mesmo, uma pessoa condenada por crimes sexuais, inclusivamente contra crianças, pode ser, em teoria, candidato a adoptante (claro que seria chumbado liminarmente, mal lhe lessem o CRC), mas um casal de dois homens ou duas mulheres, deuznoslivre, jessussenhor, credo.

Mas se calhar não vale a pena ralar-me, não vale a pena explicar, que o tal do interesse superior da criança é um princípio orientador, e que é criteriosamente seguido durante todo o processo, mormente na avaliação, em concreto, dos candidatos a adoptante e que, não havendo provas cabais que um determinado grupo oferece, à partida, inequívoco risco e perigo para o são desenvolvimento de uma criança, então não pode ser liminarmente excluído e que, sendo, estamos (acho eu) perante uma violação do princípio da igualdade, consagrado no elusivo artigo 13º da Constituição. Mas que sei eu, hein, afinal isto é só uma opinião, ninguém quer saber, não vale a pena andar a bater no ceguinho, e há mais de dois/três dias que não vejo o sacana do p'sarito, tenho-lhe algumas saudades.

12 comentários:

  1. Eu faço voluntariado numa casa de acolhimento. Qualquer uma daquelas crianças sabe e sente que o seu superior interesse é ter uma família só para ela. Quer lá bem saber a orientação sexual de quem a adota. Quer é que a levem, que a abracem, que tenham um amor exclusivo por ela, especial e que lhe chamem "meu filho/minha filha".
    Felizmente tive a alegria de conhecer algumas crianças que foram adotadas: assim que a criança sabe que vai ser adotada, nasce-lhe um brilho nos olhos que desce pelo corpo todo. Quando chego normalmente correm para mim e dizem que vão ter uma família.
    Há cerca de um mês uma menina de 9 anos foi adotada por uma senhora (não foi um casal, foi uma senhora que vivia com uma filha e neta). Na prática, foi viver com três mulheres. Vai ser criada e educada sem a referência masculina de que tanto se fala. So what? So what? Era melhor ela continuar institucionalizada?
    Quem vive estas realidades percebe que a partir dos 3 anos uma criança raramente é querida por alguém. E fica anos ali numa casa que não é dela. Então se for rapariga (e negra? se ainda por cima for negra?) ninguém a quer. Os rapazes "lá vão saindo", mas as meninas ficam... nunca percebi porquê.

    Isto para dizer que não entendo, não consigo perceber, não aceito, não me parece humano sequer, não dar oportunidade a estas crianças de viverem pais e/ou mães que as amem e cuidem delas.
    Por muito boa que seja uma instituição, por muito amor que lhes seja dado por funcionários, psicólogos, educadores, voluntarios, etc, etc., há sempre um colo que falta: o da família.
    Isto enerva-me, pá.
    Dulce/Porto



















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    1. Também me enerva, e muito. Porque é uma injustiça que se faz às crianças, e a pessoas que podem dar excelentes pais.
      Se, no meio dos candidatos a adopção, haverá gente sem capacidade ou condições? Sim, mas serão eliminados. E a orientação sexual não terá nada a ver. Durante o processo de adopção há imensas fases que visam, precisamente, escolher a melhor família (casal ou singular) para determinada criança. Nada é automático, o processo é muito minucioso exactamente para prevenir que a criança não saia beneficiada. Aí sim, pode-se falar do superior interesse.

      Obrigada pelo teu testemunho :) é importante, porque estás na linha da frente.

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  2. A Dulce resume, de uma forma tão límpida, em meia dúzia de frases, tudo o que de importante há a dizer sobre o assunto.
    Uma coisa que me incomoda muito é a questão dos estudos comparativos em que se enumeram as vantagens e desvantagens da família homo versus família hetero, como se a maior parte das crianças tivesse estas duas opções, quando muitas delas jamais sairão da instituição.

    Ps: gosto muito de p'ssarinhos.

    Ps2: qu'é lá isso do descanso das armas?

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    1. Acho que os estudos foram feitos para determinar se haveria alguma desvantagem, para a criança, em ser criada por uma família homo. A conclusão foi que não... os restantes termos de comparação, pois, se calhar ainda se descobriram algumas coisas divertidas. Aqui há tempos li uma notícia que descrevia os resultados comparativos entre educação em família religiosa praticante e não religiosa. As crianças da primeira eram mais intolerantes à diferença (ahahahah, eu já sabia, fonix, esta ateiazinha sofreu muito ao crescer).

      Eu adoro p'sarinhos, e já instalei comedouros que eles, os bandidos, ignoram ostensivamente. Já as armas, foi uma canção dos Heróis do Mar que ouvi hoje de manhã, e achei adequada neste clima de blogo-cereal-guerra :P

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  3. Não me choca que as pessoas sintam necessidade de discutir o assunto, colocar questões, acho legítimo tentarem perceber qual será o impacto de uma criança ser criada por pais homosexuais. O que me choca é que maioria das pessoas que marra de frente com esta questão, não a quer discutir, quer é que nada mude, prejudicando o real interesse das mesmas crianças que diz defender. E muitos argumentos nem têm lógica. Tanta criança que foi criada pela mãe e pela avó por esse País fora, não me parece que tenha gerado uma epidemia de lésbicas.

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    1. Que se discuta o assunto: lindamente. Mas o que tenho visto é pessoas a exprimir dúvidas, e impermeáveis a qualquer argumento. E normalmente os "contra" acabam sempre no mesmo: se calhar é melhor não arriscar, o interesse da criança, etc, etc. Como se excluir à partida não pudesse ser pernicioso, e estar a privar crianças de uma integração familiar.

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  4. Acho que há muita gente que forma as suas opiniões de acordo com aquilo que observa ao seu redor e, convenhamos, quanto mais 'pequena' for a pessoa, menor é o alcance da sua visão. Já ouvi de tudo para justificarem a sua posição contrária à adopção por casais homossexuais. Desde a tradicional "porque não é natural/normal" (eu natural só gosto da temepratura da água para beber e dos iogurtes. O resto? Todos diferentes, todos iguais, sff) até às mais absurdas: 1. conhecem um casal gay instável, 2. conhecem um casal gay que, na opinião deles, só quer ter o direito a doptar porque sim, porque se os heterossexuais podem, eles também têm de poder (sim, chamam-se direitos, ó totó) e 3. conhecem um casal gay que só quer adoptar porque está na moda (*caí da cadeira*).
    O trabalho de psicólogos e das entidades competentes no decorrer do processo de adopção parece ser secundário quando *eles conhecem uma pessoa/um casal* assim ou assado. *suspiro*

    p.s. - na lista de exclusões à lei que mencionas acima, gostaria apenas de acrescentar o meu desagrado em ver pessoas que usam botas brancas poderem, à partida, adoptar crianças. Acho um crime! :)

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    1. Isso, as pessoas gostam muito de atirar exemplos concretos, quando estes não são minimamente representativos. Há gente que nunca deveria adoptar? Sem dúvida. Aliás, os requisitos e processo de adopção, se fossem aplicados a quem tem filhos biológicos, jasus, muitos não conseguiam autorização. Há de tudo, e um casal não é, necessariamente, uma solução melhor que uma adopção individual, nem um casal hetero é, à partida, melhor que um casal homo, nem a contrária. Depende, depende, depende. O que importa é que sejam seleccionados candidatos que sejam pessoas decentes e investidas.
      (mas, claro, que não usem botas brancas, alguém proteja as crianças!)

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  5. Vocês já disseram tudo. Num mundo perfeito todas as crianças eram felizes e tinham pai e mãe que os amavam e não morriam.O mundo não é perfeito.
    O grande problema é que se esta lei fosse a referendo chumbava. (Quase) Não tenho dúvidas em relação a essa votação. No que refere à adopção e à co-adopção somos um país ainda muito preconceituoso. "Casem lá mas filhos? Não concordo" é a posição da maioria das pessoas.

    Da última vez que se falou disto tive a oportunidade de, lá na aldeia, falar do assunto com amigo pouco mais velho que eu e fiquei em estado de choque quando me apercebi da posição dele. E disse-lhe:
    "olha lá. Eu fui criada por uma mulher apenas. Fez-me mal, foi? e se depois da morte do meu pai a minha mão tivesse decidido embarcar numa relação com outra mulher, ela me tivesse educado e amado e subitamente a minha mãe morresse? Ficava melhor num orfanato ou com quem gostava de mim?" O tipo aí vacilou um bocado, acho que perante casos específicos é mais fácil aceitar (não somos um povo violento, valha-nos isso) mas no geral? Fazer disso lei? Não, ainda não, ainda é cedo.
    Esta lei vai passar na secretaria e vai ser uma vitória. Mas só vai passar para a prática se quem estiver à frente dos processos não for preconceituoso. E acho que isso vai levar ainda muito tempo. Infelizmente. Espero enganar-me.

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  6. Nao e' Cavaco Silva, e' Cavaco Selva. A historia se encarregara de termos tanta vergonha dele como os Americanos tem de ter eleito o GW Bush - e por duas vezes (ta tudo no nome)!! E ainda nao aprenderam a licao, parece que andam a levar a Tromba a serio.

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  7. Olha a mim já nada me espanta. Se ainda há quem n "aceite"que duas pessoas do mm sexo andem livremente nas ruas e tenham os mm dtos q os outros (deus nos livre!!) Como vão aceitar isto.
    Cambada de atrasados da idade da pedra, é o q me ocorre pensar dessa gente toda.

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  8. Eu não percebo a dificuldade que as pessoas têm em dar direitos iguais a todos os cidadãos. Um argumento que a-d-o-r-o é que "depois a criança na escola é gozada pelos outros". Sim, porque crianças gozadas na escola deusmelivre é coisa que nunca aconteceu antes e por toda e qualquer razão. Falta de pachorra
    mafalda

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