quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Not woke, insomniac

 Hoje em dia não se pode simplesmente 'tar, que és logo acusado de não ser envolvido, ou esquecer o sofrimento de não sei que franja da sociedade. Novidades: o tempo não é elástico, um gajo não consegue ir a todas. Digo mais: desconfio imenso de quem quer ir ou vai a todas. De duas, uma: ou não tem nada com que se ocupar e tornou-se activista profissional (revirar de olhos), ou é um ser acrítico que simplesmente adere a tudo o que está a dar para o seu lado ideológico (duplo revirar de olhos) - porque, a sério, não é fisica, psicológica ou intelectualmente possível - ou honesto - ter uma opinião fundada e informada sobre tudo, mas tudo o que se passa.

É triste, mas dominante: não ter opinião sobre determinado assunto é coisa para pena capital. Não tens opinião, não sabes que determinada questão é problemática, não estás acordado, não estás consciente, e isso, por sua vez é problemático. Estares fora é uma opção, donde, estás a escolher não te interessar, donde, estás a contribuir para a perpetuação do problema, donde, permites a opressão / agressão / exclusão de x/y/z, donde, fazes parte do problema, do sistema, és o sistema. 

O que é problemático, nisto tudo, é a seca que esta forma de estar me dá. Não me acorda mas, admito, contrariada, tem dias que me piora as insónias. O movimento woke está a tornar-me insomne. E cansada. Tão cansada.

As pessoas têm o direito a não ter ou querer não ter opinião sobre determinado assunto. Por diversas razões: ou não sabem; ou não sabem e não querem saber; ou sabem mas não querem saber. Todas são legítimas. Confesso que não tenho opinião formada e informada sobre imensas coisas. Sobre muitas tenho um princípio de opinião, ou seja, tenho certos factos e conclusões como certos, mas não me levam a uma conclusão única, final, e inabalável. Sobre algumas coisas tenho opinião formada, e sobre outras já não quero saber. Mas não partilho estas não, meias e opiniões com toda a gente. Porque não quero, porque não sou parva, e porque sou menina para responder "não tenho conhecimentos que me permitam formar uma opinião" a qualquer pergunta. Sem vergonha. 

Mas se tenho uma opinião, ó meninos, não me venham dizer que é problemática. Sabem o que era problemático, aqui há 50 anos? Ter uma opinião. Defender algo que é contra-corrente (depende sempre do público, mas hoje em dia ninguém diria) não faz de ti um facho, um não-sei-que-fóbico, um opressor, um traumatizador dos oprimidos. [Essa é outra, a obsessão com o trauma, mas fica para outra diatribe.] Dá lugar a discussão. Isso! Opiniões diferentes -> discussão, debate! Mas não, parece que não se pode. No meu caso, porque sou boomer (não sou, em Portugal ninguém é, no rigor dos conceitos, mas para a chavalada parece que isso não interessa nada), e ao querer contrapor, desafiar, rebater, estou a ferir os sentimentos da parte contrária, que se sente atacada, não se sente segura e, portanto, não me deixa completar uma frase sem me interromper com um destes neo-chavões, e acaba definitivamente com a conversa com uma retirada emocional.

E pior que opiniões ou não opiniões, é gostar de alguma coisa que caiu no desagrado dos iluminados acordados. Ó céus, é o degredo. Não se pode. Não pode. E, mesmo não gostando, lá vão eles, todos!, por dever de ofício, ler / assistir / ouvir, para melhor se indignar. Tenho uma teoria: tempo a mais. É um privilégio que não possuo: se um livro, filme, música não me agrada, até posso dar cinco, dez minutos de benefício da dúvida, mas continuando a má opinião, passa a outro. Há melhor em lista de espera, e não tenho tempo para queimar.

Minto, às vezes lá calha ter um tempinho em que a cabeça não dá para mais, e aproveito para acabar o último do Trevor Noah que deixámos a menos de meio, por puro tédio. Me mate desistiu, eu um dia voltei a pegar, e confirmei, triste. Porque já lhe li um livro fantástico, e ri muito com outro stand-up, mas este é tão insípido, tão blah, tão sensaborão. Não ri, zero, nada. Mas atenção: não ofende ninguém, o que lhe mereceu muitos e bons encómios. É, portanto, um espectáculo insípido. Bom para certos palatos, mas eu gosto da minha comédia como não gosto da minha comida: cheia de sabor, extra-temperada. Como a da Taylor Tomlinson, ou da Iliza Shlesinger. Que não ofendem nenhuma espécie protegida, mas têm muita piada.

É claro que há comediantes que considero ofensivos, ainda outro dia aguentámos uns dez minutos de um que não conhecíamos, Matt Rife. Odiámos. Fomos para as redes vociferar, exigir um auto de fé? Não. Parámos e fomos ver outra coisa. Não é o primeiro.

Depois há aqueles de quem gostamos, mas nunca sabemos se vamos continuar a gostar. Acontece, uma pessoa desgosta-se constantemente. E às vezes até vê e consegue dar valor a coisas que desgostam. Um exemplo, eu odiei, com todas as letras, em caps e bold, Succession; aquela gente e estilo de vida dava-me vómitos, queria que morressem todos, mas mortes lentas, dolorosas e sofridas, e vi tudinho. Porque é uma excelente série, muito bem escrita e interpretada. 

E é isso que me custa, que as pessoas não consigam dizer "é bom, reconheço valor, mas não é para mim". Dizem horrores da Gadsby, quando, na verdade, acho que queriam antes dizer aquilo ali. Ou "não consigo entender comé c'uma gaija feia / gôda / lésbica tem mais sucesso que eu, buhuuu". Eu gosto E dou valor. 

E falemos do Gervais: o gajo não está (podre de!) rico por ter roubado ou enganado meio mundo. O produto dele vende, e vende muitíssimo bem, de forma constante, consistente, e há mais de uma década, porque é BOM. Fim de conversa. Não gostam, não comem. Eu odeio sushi, e consigo sempre comer qualquer coisa nos restaurantes japoneses; não faço é uma fita a exigir p'exinho grelhado com arroz de grelos. Idem para Chappelle. Ui, a urticária. Com este fiz um percurso engraçado e muito anti-woke: gostei, deixei de gostar quando estava no auge, continuei a não gostar quando voltou, e voltei a gostar. Pior: adorei o último, The Dreamer. O que é suficiente para me condenar às chamas do inferno woke, o cancelamento total e irrevogável, mas ainda acrescento um agravamento de pena: o Armageddon é melhor, tanto ao vivo (iep, estava lá :P) como na tv (claro que voltámos a ver), embora não seja tão selvagem, digo, bom como anterior Supernature. É ofensivo? Será, sensibilidades há muitas. Ninguém é obrigado a ver. 

Pronto, já forneci todos os argumentos para a acusação. Quem quiser debater, venha, estamos na boa. Se não souber responder digo "não sei"; se não tiver opinião, admito que não a tenho. Essa honestidade ninguém pode negar que tenho. Tomara muitos. Mas sim, os gostos discutem-se. Já não se educam, a menos que se esteja a falar de vossos filhinhos: a esses eduquem como quiserem, [a minha geração tem feito um trabalho do caralho, estão todos de parabéns, sim, é ironia]. Já eu, sou adulta, e não aceito doutrinamentos, ou tentativas de. Fartinha, a ponto de desmaiar de sofrência, de homilias. Ide pregar para uma azinheira, pode ser que vos apareça a Vossa Senhora e faça a caridade de vos levar consigo.  

9 comentários:

  1. A "Vossa Senhora" 😅 . E a ti ninguém te paga por estas tiradas de ir às lágrimas. Isso é que eu chamo de injustiça ☺️

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    1. a.i., pagar não digo, mas não me chatearem a molécula já era uma caridade...

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  2. Eheeh... queria ser mosquinha para ter estado lá quem te fez desencadear tal homilia! Ahahaha quem está no auge és tu.

    Gosto muito do Gervais. Estou cheia de ciúmes, não consegui bilhetes. Tb achei este bem mais mansinho. E gostamos de outros, mas nunca são tão "edgy" como o Gervais e o Chapelle. Gosto muito do Chapelle mas há coisas que me enervam. Sei que são para espectáculo, que ele não é tão misógino assim, muito menos transfobico, mas tem coisas que me irritam. Compreendo os problemas raciais, vivi muitos anos no sul dos EUA. Eu esqueço-me dos nomes da malta mas vou perguntar ao meu monsieur e depois digo-te.

    Quanto a livros, nunca li o Trevor mas agora ando cheia de curiosidade de ler um do Richard Aryode (não se escreve assim, tenho que ir ver como se escreve) a comentar um filme muito mau que viu há uns anos. Vi a entrevista sobre o livro no Graham Norton e fiquei cheia de curiosidade.
    X

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    1. No Chapelle chateia-me que se refira às mulheres como "bitch" mas, para ele, é o nosso "gaja".
      Adoro o Ayode, há uma série em que entra, inglesa, que é de ir às lágrimas: The IT Crowd.
      Outro dia vimos o do Pete Davidson, que é impróprio para quem não aprecie bardajeira e sofra com o palavrão. É um tipo muito novo, muito doente (ele assume, tem problemas graves de saúde mental, o pai era bombeiro e morreu no 9/11, ele era pequenito e nunca recuperou do trauma), mas com uma piada do caraças. Namorou com a Kim Kardashian, o que não abona o seu gosto em mulheres, mas enfim.

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    2. Ja ouvi falar desse Pete Davidson exactamente qdo andou a namorar uma kardashian. Tu gostas de vestidos de casamento, eu gosto de red carpets, e era ele que estava com a K que destruiu o vestido da Marilyn Monroe (ai que pecado!) E' do cast do SNL mas nunca vi nada dele. Ja me apareceu no Netflix (o algoritmo apanha os shows the stand up comedy). Um que vi ha uns tempos e gostei - gosto muito mais dele em stand up do que a estopada da serie dele - foi o Ray Romano. Mas e' tipico box-standard "americano". O Chapelle, acho mm que e' para show, nao e' tao misogino assim, tem uma mulher filipina e parece ser ela que usa as calcas em casa, mas enerva. Nao gostei de duas ou tres dele num dos shows, e nem foi num transfobico, que era claramente a gozar.

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  3. Richard Ayoade e o livro chama-se Ayoade on top, mas ainda não li!

    E geração boomer portuguesa sou eu, nós que nascemos naqueles anos pós 25 de Abril. O meu ano na escola foi o que teve maior número de alunos a concorrer ao ensino superior. Mais de metade não ficou na pública. Hoje em dia até há lugares vagos e cursos a fechar. A concorrência faz de nós mais desenrascados, acho. Vejo os meu colegas muito bem mas já não vejo tanto sucesso 10 anos acima ou abaixo de nós. A ver.

    Depois mando os nomes de uns comicos. Gostamos de 2 australianos, uma gaja muito engraçada, Celine tv e um Jeffrey qq coisa que vive nos USA e é autista. Já não acho piada às Sarahs Silverman e Amys Schumers. Mas gosto da Tina Fey. Já deves conhecer a Phoebe Waller-Bridge. O fleabag é brilhante. Nunca vi o Succesion mas vou ver. E comecei por gostar do the Crown mas ultimamente não gosto. E me faz cada vez mais republicana!

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    1. A última temporada do The Crown está uma estopada! Credo, coisa mais chatinha. Muito fofinha com a imagem da rainha, a branquear o Carlitos mas pronto, percebe-se. Revirar de olhos.
      O Succession é uma coisa que dá vómitos ao mesmo tempo que apetece gritar Bravo!, a toda a equipa de argumentistas e actores. Gente muito rica e poderosa, ganância a rodos, ninguém tem um pingo de moral ou noção, e nem precisam, porque podres de rycos.

      O Fleabag é um portento.

      (quanto a boomers, a palavra vem da geração de baby boomers. eu já faço parte da gen X, aqueles de quem ninguém fala, porque ninguém se lembra. uma geração que cresceu no pós 25A, e viu a entrada na CEE ainda em putos. muito foco no desenrasque, o sonho de que se estudássemos íamos ser alguém, e depois a desilusão, porque tudo na mesma. da minha turma de secundário mais de metade foram para o ensino superior, mas muitos não deviam ter ido - a pressão paterna é compreensível, pronto, em muitos casos passou-se de pais com a 4ª classe para filhos licenciados, havia o sonho de que os filhos doutores quebrassem o ciclo. Quase todos ficaram num patamar de "desenrasca": ganha-se o suficiente para pagar casa, carro, sustentar filhos, mas sem luxos. Houve os bons tempos do dinheiro da europa, agora está tudo na merda outra vez. às vezes penso que voltámos aos anos 80 :D)

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  4. Experimenta dizer que não conheces, nunca viste, não tens netflix nem nenhuma outra, nem cabo - garanto, por experiência própria, acaba com qualquer discussão!
    P. S. - que tal calçar as meias de descanso? Juntar tudinho num molho até só sobrar o pé e ir puxando, devagar mas firmemente, funcionou ou não?

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    1. Goldfish, no caso, deu-se que uma pessoa resolveu meter-se na conversa de duas que estavam a falar sobre o último do Gervais... e tratando-se de família não dá muito para fugir. Com gente de fora já não me meto em polémicas, cruzes.

      P.S. - o truque é fantástico e resulta, obrigadíssima! Mas, entretanto, desinchei, quando comecei a medicação para o problema que me estava a fazer inchar, e que se detectou quando fiz análises: tiróide. Não é grave, mas é chato, enfim.

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