sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Are you ready to be heartbroken? (2)

Detesto ser a portadora de más notícias, que detesto, mas preciso de espalhar a palavra, divulgar a boa nova: a esquerda - pelo menos a "minha" esquerda - não quer acabar com os ricos (ou com o capital, ou com a propriedade privada), não. A esquerda - e nisto incluo toda, e acho que não incluo mal - quer é acabar com a pobreza.

Agora a má notícia, em si mesma. Como o pessoal de direita é o primeiro a dizer, e a esquerda já reconhece, o problema é que os recursos são escassos.
Ora se temos dez pães, e tanto o Joãozinho como o Pedrinho têm fome, há quem ache mal, se revolte até, quando o Joãozinho tem nove (que nem precisa disso tudo para matar a fome, até se estraga) e o Pedrinho tem um. E, em olhando bem, se calhar até encontramos um Luisinho sem nenhum.
Impõe-se redistribuir, diz a mais elementar justiça. E, para tanto, não é preciso tirar os nove ao Joãozinho, digo eu e a "minha" esquerda; basta que o Joãozinho ceda uma parte do que tem para um fundo comunitário, que se encarregará de fazer chegar o arrecadado a quem precisa e não tem.

Simples. É assim que funcionam os impostos. Eu sei que há quem prefira aquele modelo da caridade, quem tem muito pãozinho lá decide dar meia carcaça a quem não tem; mas aí caímos na perversidade do "não gastes tudo em vinho", i.e., quem tem o pão é que decide qual o esfomeado que lhe merece protecção, em que medida, e como, e tudo em função da maior ou menor simpatia (e conformação do peticionante aos padrões do ofertante) que este lhe suscite. E isto é muito alarmante, acho eu - e penso que para toda a esquerda, que ainda se preocupa com a dignidade da pessoa.

Redistribuir é reconhecer que, por circunstâncias várias da vida (entre as quais o facto de a igualdade de oportunidades ser uma utopia, e muitos partem de uma posição de privilégio, a tal sorte na vida), nem todos temos a mesma capacidade de obter rendimentos que permitem a satisfação das nossas necessidades. E portanto quem mais gera mais cede. Dá para a caixa da comunidade de forma "cega", e esta redistribui também de forma "cega": sem preferências, sem exigências, sem condicionar a liberdade e dignidade de quem recebe.

Acho isto muito simples, claro, intuitivo, até. Por isso não me queixo se dou muito, quer dizer que tenho muito para dar. E, acreditem, no nosso sistema, quem dá muito ainda fica com muito, bastante, para si. Posso até não concordar com a forma como a redistribuição é feita, ou como é calculado o que se contribui - e ó se há tanto com que não concordo - mas barafustar pelo sistema em si, nem pensar. Afinal hoje saio daqui e vou num automóvel pago para uma casa confortável, onde posso escolher o que vou comer. E se cheguei a este ponto de abastança em parte por mérito, também o devo - e tanto! - ao facto de ter tido uma vida em que nada do essencial me faltou, porque tinha pais com um emprego estável, instrução e educação q.b., que me proporcionaram acesso a alimentação que me permitia funcionar; cuidados de saúde que me permitiram crescer sem sobressaltos e incapacidades; abrigo onde podia descansar, divertir, enfim, desenvolver em segurança; instrução e educação que me permitiram evoluir e alcançar. Nem todos o têm. E é para limar essas arestas de degraus injustos, que não foram criados por quem tem de os galgar, que existe a redistribuição.

Por isso, e finalmente: quem  tem de contribuir muito é porque pode. Ou preferiam contribuir pouco porque pouco tinham? Calem-se um bocadinho, sim? Agradecida.

[e se têm guita para adquirir ou manter um imóvel com VP igual ou superior a quinhentas mil bombocas, pá, aproveitem-no bem, e calem-se outra vez]

16 comentários:

  1. Aplaudo isto de pé. Por muito que se pense que o sistema de redistribuição de riqueza é uma falácia, que é ineficiente e mais não sei quê, funciona melhor que todas as alternativas. Este semestre vou dar Direito Fiscal, já estou a prever umas aulas animadas, que aquela malta traz sempre umas ideias preconcebidas sobre ricos, pobres e impostos.

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    1. Tchi, direito fiscal! Sabes quem regia a cadeira, quando fiz o curso? Soares Martinez, o tristemente famoso. O homem era uma nódoa, credo, e um extremista das direitas. Estudei tudo pelo manual do Saldanha Sanches, foi a única maneira de perceber a matéria.
      Boas aulas! É uma área que tem muito suminho e, bem dada, é um desafio bem janota :)

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    2. O meu professor foi precisamente o Saldanha Sanches - nas teóricas e nas práticas :)

      Eu gosto muito de dar Fiscal - tenho alunos de cursos diurnos e outros de cursos pós-laborais e aquilo mistura inocência da juventude, funcionários públicos e empresários, dá uma mistura bastante interessante.

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    3. O Saldanha Sanches era uma figura. Muito inteligente, óptimo professor e uma excelente pessoa. Foi corrido da FDL por aqueles barões da antiga senhora. que sorte tiveste, inveja...

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    4. E olha que nunca se esquecia de uma cara...chegou a cumprimentar-me por Lisboa, anos depois de me ter dado aulas. O que lhe fizeram foi de uma sacanice sem tamanho.

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  2. Completamente de acordo, ou quase ;)

    O problema começa exactamente no que referes, os recursos são fracos e estamos a entrar no ponto em que quem não se pode espremer mais a galinha.

    O que me parece absurdo é considerarem 500 mil como um valor de gente rica, que tem como pagar tantos impostos, quando não é difícil ter um património daquele valor, basta para isso ter uma casa e herdar uma quinta aí com 15 hectares, ou uma casa na cidade e outra de praia, e continuar a ser um agregado de classe média, com rendimentos mensais nada chocantes.

    Não me parece que alguém ache absurdo pagar impostos, exactamente pelos motivos que referes, mas uma coisa é pagar um imposto sobre um determinado bem, outra coisa é pagar dois e três impostos sobre o mesmo bem, ora porque tem x horas de luz por dia, ora porque tem janelas, ora porque vale y.

    Qualquer dia não ganhamos para pagar aquilo que o Estado considera justo. Olha, eu achava bem mais justo acabar com as reformas dos deputados ao fim de 8 anos de trabalho, por exemplo.

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    1. Mac, isso de estarmos a entrar na fase de não se poder espremer mais, é verdade. Aliás, já entrámos nessa fase há uns bons anos. A classe média-média está assoberbada de impostos, juro que não sei como algumas pessoas conseguem chegar ao fim do mês. Basta ter filhos e... bom.

      E aí é que bate o ponto: vamos taxar mais quem tem rendimentos até 15.000 / 20.000 por ano, ou vamos por aí acima? A opção parece-me óbvia. Estes é que já não podem mais. Eu até vou mais longe: o último escalão de IRS é muito baixo, e acaba por englobar a classe média-alta e a alta, e muito alta. É desproporcional.

      Quanto a património, bom, depois de ter lido umas coisas o que percebi é que o imposto de selo que incidia sobre imóveis acima de um milhão vai agora incidir sobre imóveis acima de 500.000. Mas atenção, é o valor patrimonial, e não de mercado.

      Agora partamos para exemplos concretos. Eu tenho uma casa na cidade e uma na praia, que queridos paizinhos me doaram. As duas juntas têm um VP ali à roda dos 150.000, se não me engano. Já pago uma coisita jeitosa de IMI, e nem faço ideia quanto custará um IMI e taxas de esgotos em imóveis de 500.000 para cima. Ora quem pode suportar estes encargos, não é por ter de pagar o imposto de selo que fica mais pobre, sinceramente. Se uma pessoa pode adquirir e/ou manter imóveis deste valor, presume-se, e acho que bem, que tem meios para suportar este encargo.

      Essa coisa das vistas e etc já existe há anos, são aqueles factores que influem na avaliação da casa. Acho que é um não assunto.

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    2. De resto, até concordo que o imposto mais justo é aquele que incide sobre o rendimento, de forma proporcional ao mesmo e progressivo. Sem dúvida. Mas há muitos tipos de rendimento, e o IRS apenas taxa rendimentos do trabalho ou pensões; os rendimentos de capitais saem fora. O que, na prática, significa que quem tenha milhões a render em aplicações paga uma taxa de imposto inferior ao meu escalão de IRS, por exemplo, e não tenho (mas gostava de ter) milhões a render. Aí, e de forma a nivelar, opta-se por tributar património, que se presume que só pessoas com fartos rendimentos pode adquirir.
      Outra: há rendimentos que, sendo colateralmente de trabalho, não são tributados como tal: os prémios, por exemplo. Eu até fiquei azul quando me mate me contou que lá na chafarica onde ele trabalha há pessoal que leva para casa, limpo, tanto de prémios quanto de ordenado. Há razões para estes rendimentos não serem considerados como remuneração ou tributados como de trabalho (logo à partida, fazia aumentar eventuais indemnizações em caso de despedimento, bem como o valor de contribuições para a SS a cargo da entidade patronal). Quanto mais se sobe na escala das empresas que funcionam nestas modalidades maiores são os prémios, ou seja, há pessoas que têm cargos com rendimentos de trabalho líquidos que até podem ser na ordem dos 4.000/5.000, mas depois vivem como se ganhassem, porque ganham, uns 10.000 ou mais. E claro, podem ter património que nunca poderiam ter com 5.000 por mês.

      Concluindo, os impostos sobre património podem funcionar como uma forma de suportar o custo social da propriedade, como é o caso do IMI e saneamento (quem tem um imóvel contribui para o seu município de acordo com o "peso" que o seu imóvel tem na sua circunscrição territorial); ou como um nivelador. Este, agora, terá esta última função.

      De resto, é claro que, como contribuintes temos o direito e dever de mandar bocas. Há muita coisa errada na questão dos rendimentos e tributação, claro. Essa das reformas dos deputados e titulares de cargos públicos é só uma (acabaram para o futuro, a partir de 2009 ou 2011, se não me engano). Mas é uma vergonha, que é. Aquilo nem é uma reforma, chamaram-lhe subvenção para que possa ser atribuído antes da idade de reforma, mas a verdade é que é pago pelo organismo que um dia vai pagar a minha reforma (oh, doce ilusão) e para o qual desconto todos os meses, a caixa geral de aposentações. E não devia. Há também uma proibição de acumulação, só podem receber a subvenção se não tiverem outros rendimentos, mas nem imaginas as maroscas que se inventaram para contornar isto (passam a ser consultores de uma empresa, que até pode ser sua, e já 'tá!). Devia acabar-se e pronto. Isso e outras coisas, mas ficávamos aqui o dia todo...

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  3. Calados que quem se mete com o PS, leva!

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    1. Ah, anónimo/a, eu cá não sei, eu meto-me com quem acho que devo meter-me e nunca apanhei.

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  4. Uma blogger algo conhecida, a qual é possuidora de um imóvel que tenciona tornar lucrativo, já está a barafustar. É cada desilusão.

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    1. Ah, isso de quem é proprietário de imóveis para rendimento, seja por via de arrendamento ou revenda, é outro campeonato. É perfeitamente legítimo, normal e aceitável alguém investir em imobiliário e esperar o devido retorno (para mim e para a "minha" esquerda, pelo menos). Mas pelo que li ontem os imóveis de rendimento, para arrendamento, terão um regime diferente. Este imposto tem como fim tributar património próprio para uso próprio, penso eu.
      De resto, e agora vou ser mazinha, quem adquire imóveis para rendimento com revenda devia era estudar os regimes tributários antes de se meter nisso. E antes de adquirir como pessoa singular. Qualquer bom advogado da área saberá explicar, eu não o vou fazer porque não sou paga para isso :P

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    2. A falta de opções também me assusta. Precisávamos de mais empregos na área da ciência e da tecnologia. Precisávamos de mais visão.

      É por isso que sinto tanta raiva das bloggers como a Pipoca, SMS, etc. Não produzem nada, enganam as pessoas e ainda ganham dinheiro.

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    3. Portugal tem excelentes perspectivas de se tornar um pólo tecnológico, mas pronto. E produtor de energias renováveis, mas há ainda quem ache que no sector imobiliário - que finalmente está a revitalizar, mas para oferta a estrangeiros que vêm em busca do visto gold (e já vimos a trapalhada que isso é... actualmente somos procurados por toda a "nata" angolana e chinesa, que ganhou o que tem sabe-se lá como, para arranjarem um passaporte europeu) e turistas. Ou seja, investe-se em "indústrias" dque fazem entrar dinheiro imediato, mas não aumentam o nosso nível de vida. O povo continua lacaio, em empregos mal remunerados no turismo e construção, e os investidores é que ganham.

      Isso das bloggers, bom, raiva é um sentimento muito forte. Elas vieram ocupar um lugar que estava vago, o de promoção do supérfluo e efémero. E há quem goste, como público. Por tantas razões, a primeira porque todos somos voyeurs, e gostamos de sonhar que um dia teremos capacidade para ter aquelas vidas de sonho consumista. Somos um povo muito novo-rico, o que até acho normal, depois de décadas (séculos?) de pobreza parecerem ter-se desvanecido com as vacas gordas do dinheiro europeu.

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  5. Ter que andar a explicar o BÊÁBÁ a toda a hora é chato né? Mas espero que não te canses :)

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    1. Não me parece que ande a explicar o bêabá a toda a hora, mas pronto. Só a expor o meu ponto de vista, que obviamente é e será sempre sujeito a discussão. Felizmente não tenho a pretensão de ser dona de qualquer verdade absoluta.

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