sexta-feira, 29 de abril de 2016

How to get away with murder

Ainda tenho aqui muitas ponta para atar, e se calhar até já venho tarde, que a coisa finou-se esta semana, mas não podia deixar de recomendar (vivamente!, entusiasticamente!) esta American Crime Story - The People vs. O.J. Simpson.

Pá, ca ganda série. E se eu a comecei de pé atrás. É que ainda me lembro bem dos crimes, dos julgamentos (sim, a seguir houve a acção cível), da comoção, do escândalo, da exposição mediática. Tinha imenso receio que a série fosse ou a) uma coisa muito estilo documentário, seca e puramente expositiva; b) ou uma coisa muito sensacionalista, tomando partidos, fazendo eco e ressuscitando a loucura de então. Mas não. É claro que reflecte o que se passou com muitíssimo rigor, mas também há liberdade, vá, criativa. Não podemos senão imaginar os momentos em privado da equipa de defesa ou acusação, mas convenhamos: nada do que se "imagina" na série é muito difícil de crer e, por enquanto, ainda não surgiram desmentidos exaltados.

Mas o principal, que para mim é mesmo o principal, é que não se faz apologia choramingas de ninguém, nem se pretende vingança ou desforço, ou sequer apontar uma verdade absoluta. Há uma narração rigorosa dos factos, designadamente do decurso do julgamento e prova apresentada. Há espaço para as personagens (que crescem, respiram, se desenvolvem), e muito respeito por elas: afinal retrata-se pessoas reais. E muito, muito respeito pelas vítimas e sensibilidade das respectivas famílias. Isto é mesmo o que me comoveu: afinal duas pessoas tiveram uma morte prematura e horrível, e não tiveram direito à justiça que mereciam. Duas. Não é apenas a história de uma, mas de duas vítimas - e as cenas que envolvem o pai e irmã de Ron Goldman, a vítima relegada sempre para segundo plano, são de cortar o coração.

Muitas notas positivas, mas realço meia dúzia. São focados todos, mas todinhos os intervenientes nesta trama da vida real. Todos têm palavra, espaço, o seu pedaço de história. Sarah Paulson como Marcia Clark é para lá de brilhante, e Sterling K. Brown como o procurador Darden fica ali a par. Grandes escolhas de elenco para a equipa de defesa (a tal "dream team"), sim, incluindo o Travolta. Um grande "meh" para o Cuba Gooding Jr. como O.J., mas cumpre. Realização e argumento ali em cima.
[Apenas uma nota negativa para nerds maluques da continuidade: há um erro de racord no último episódio que me deixou à beira da apoplexia - quando se sabe que o júri já deliberou, OJ barbeia-se na prisão; cena seguinte, no tribunal, OJ prepara-se para ouvir o veredicto com uma magnífica barba de três dias. Cenas. Minhas. Pronto. Fico doida.]

E pronto. Nos entretantos parece que estreiam hoje duas cenas que quero mesmo muito. Rir. Preciso de rir.


23 comentários:

  1. Ai, só me falta ver o último episódio, mas também tenho estado a gostar muito, as interpretações estão fabulosas - tirando, lá está, o OJ - e com a sobriedade que se pedia.

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    1. Já conhecia a Paulson do American Horror Story, agora estou mega-fã. Amo-a muito.

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    2. O Terrence Howard como OJ era capaz de ter sido melhor escolha.

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    3. É mais competente, sim. Mas tinha de usar lentes castanhas.

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    4. Eu vejo o Lawrence Fishbourne como oj mas já está velhote. Não consegui ver a série seguida na TV, não apanhei muitos episódios, mas o pouco que vi amei. Até o David schimmer como kardashian está brilhante.

      Com o cohchrane e outros (k inclusive) já pushing up the daisies e o oj preso, é natural que não haja grande contestação.

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  2. Também gostei muito e agora percebo perfeitamente porque é que ele foi dado como "não-culpado". É tudo tão bem feito e os diferentes pontos de vista são tão bem explorados, caraças, aquilo é mesmo fixe.

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    1. Ó São João, estás melhor que eu, que ainda não percebo. Quer dizer, percebo, mas não quero perceber. Ainda dizem que o nosso sistema não sei quê.
      (foi a conjugação de muitos factores adversos, mas como fã do 12 angry men, não perdoo a preguiça ou conformismo dos jurados. e o juiz, ganda moron, caiu em todas. mas o que o Darden diz no final é spot on)

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    2. Eu percebo os jurados acharem que havia "reasonable doubt" naquele contexto e numa época em que o dna não era percebido como hoje, e acho impressionantemente eficaz e ao mesmo tempo perversa a manipulação dos media e do juiz feita pelo Cochran. É claro que continuo a achar que foi o OJ, mas acho que consigo perceber o que passou pela cabeça daqueles jurados. Aquilo é como um acidente de avião, não é uma coisa que falha, é um conjunto de micro-falhas que acumulados provocam um desastre gigantesco.

      Já viste o "Studio 60 on the sunset strip" com a Paulson? Gold.

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    3. Em 4 horas de deliberação, decidiram de acordo com uma convicção que formaram. Não se deram ao trabalho de rever a prova, analisá-la de forma crítica, nada. E quem não tinha a pré-convicção, que aliás assentava naquela teoria de conspiração maluca (o polícia é racista, quis tramar o coisinho), fez um wtf e vergou. Tudo bem. 4 horas de deliberação? Pá.
      E o juiz permitiu uma deriva inaceitável. Por exemplo, a encenação na casa do OJ? É tampering with evidence, e ele indeferiu o protesto da acusação! E permitiu as perguntas sobre a n word, bof. Até percebia que se fosse rigoroso (mais) com a cadeia de custódia do sangue - houve muito desleixo - mas o polícia ser racista não devia ter sido levado à barra.

      (estas merdas dão-me cabo dos nerfes. e depois há condenações por lá que valhamedeuz, aqui há tempos vi um filme sobre uns garotos condenados por matar um menino, eram góticos e portanto satanistas, uma coisa mesmo do demo, é um caso famosíssimo)

      Studio 60, ok, anotado.

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    4. Os tribunais de juri fazem-me muita confusão porque aquilo pode ser um juri composto só por comentadores de jornais online, é o "for the people, by the people". Epá eu tenho o dvd do studio 60 eu empresto-te. No studio 60 também há outra gaja muito boa, a Merritt Wever.

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    5. Os EUA são muito avançados em muita coisa, mas o populismo imanente ao sistema judicial é uma treta. Tribunais de júri, procuradores e juízes eleitos, enfim.
      (obrigada, ainda vou mandar procurar na net, mas temos outras em linha de espera. so much to do.)

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  3. Outra: finalmente alguém falou do sexismo inacreditável que rodeou a prestação da procuradora. Na altura fez-me imensa confusão que se falasse tanto no penteado e vida privada dela, achei um despropósito.

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    1. Sim, mas já viste que essa merda continua hoje em dia?

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    2. Pois continua. E ainda há quem ache que o feminismo é uma inutilidade, vê lá.

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    3. Opá, nem de propósito, até o meu mate comentou isso, indignado, e lá pude eu dar uma de "eu não te digo?" e dar mais alguns exemplos recentes. Mas está muitíssimo bem focado na série, sim senhora.

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    4. p.s. se bem que ainda hoje estou para perceber a cena das permanentes nos 90s.

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    5. Como pessoa que fez uma permanente em '86, sou muito solidária e tenho também muita vergonha. A cena é que era muito prático: wash and go. Só para o fim ela começou a fazer brushing, e muito provavelmente por causa das críticas de ter um aspecto desleixado. Pah, andava sempre de salto e saia casaco, caneco, muito apresentadinha, até.
      O que não se diz é isto: era mulher, e foi tratada com enorme condescendência pelo juiz, logo a abrir.

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  4. Estou em pulgas para começar a ver essa série, ainda mais agora que li a tua recomendação e da Luna e da São João. Quero mesmo perceber como raio foi possível aquele homem ter sido dado como inocente (e o absurdo do livro If I Did It, que novela).

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    1. D.S. vê que não te desiludes. Tinha medo que fosse sensacionalista, mas não. Escalpeliza muito bem todos os intervenientes, e não tem medo de também apontar os erros da acusação - que os houve.
      A questão racial está muito bem focada, e a constante intromissão na esfera privada da Marcia clark idem.
      E a equipa de defesa, ai, irritava-me tanto. Mas foram muito competentes, há que admiti-lo. Porque o juiz foi um bocado bananoide, e teve medinho que o acusassem de racismo, ó ó.

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  5. Grandes palmas para os vossos comentários. Uma série de estrondo.

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    1. Sãozinha, fiquei consoladinha, como diz a minha vó :D

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  6. http://nymag.com/daily/intelligencer/2016/05/espns-oj-documentary-is-a-masterpiece.html

    Agora quero ver isto pá

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