Enquanto estou aqui a lidar com a velha conhecida ansiedade paralisante, que volta e meia faz o favor de bater à porta, entrar sem cerimónia e instalar-se de perna traçada, impondo a sua presença, desconcentrando, impossibilitando um mínimo de produtividade que, sendo conseguido, desencorajaria outra velha visita, a prostituta da culpa, dou comigo a pensar que bom que é hoje em dia uma pessoa já poder falar nestas coisas da saúde mental sem problemas, porque há uma consciencialização transversal para a questão, e tal, uma maior aceitação, a 'ssoa já não é vista como disfuncional, a maluca, o problema, não, a pessoa tem um problema, ajudemos a 'ssoa a lidar e ultrapassar, a ter o espaço pessoal e o tempo que necessita, e coiso, todos muito uahhhh, só que não. Nope, não, népia, não é nada assim. Ou antes, é assim para umas coisas, para outras não. Case in point, como diria o Rodenberry, há aceitação e muito boa vontade para com alguns problemas, mas não com outros, depende se está na moda, se é fixe. Melhor dizendo: se padeces de distúrbio / problema / glitch que se enquadre no conceito (atualmente aceitável) de neurodivergência, tudo ok, o resto, iuc. E o que é isso da "neurodivergência", não sei bem. A sério, não sei. Acho que tem que ver com o funcionamento do cérebro, isto é, se é defeito de fabrico, ai, isto não soa nada woke, melhor dizendo, se vens assim de origem, se é um problema de hardware, tudo ok. Se o problema é do software, que passa a funcionar mal, ninguém quer saber. Ora, sendo encaradas como integrando este conceito, e portanto neurodivergentes, sem polémica: espectro do autismo, supé in, ADHD idem, disforias também (porque se convencionou que se trata de algo que nasce contigo, não vou discutir). Este catálogo é tão apetecível como explicação de uma depressão, ansiedade, ou simples quirkiness, que há quem se autodiagnostique. O "eu acho que estou no espectro" é algo que se banalizou. É normal ler / ouvir apreciações como "a ansiedade é da minha TOC / ADHD". Pelo contrário, não se ouve ninguém a desabafar que está a chocar uma psicose, desconfia que a sua depressão está ali a raiar a bipolaridade, ou sente-se um niquinho esquizofrénico. Embora se trate de diagnósticos que podem ser enquadrados na definição de neurodivergência. Mas não são cool. Fixe é ser neurodivergente as in diferentão, muito fora. Agora diferente do tipo ouvir vozes, achar que se aproxima o fim dos tempos, ver auras... neurotípico não é, de certeza, mas é o tipo de excentricidade "errada". "Ah, e como é que sabes que é assim?" Eu cá num xei nada. É o que anda na net. É o que se diz na net. É o que é acreditado na net. Não vamos estragar a vibe dos diferentões modernões. Mas eu, que sou antiga, garanto: esta ansiedade não interessa se é de origem. A depressão (que se vai seguir, pela culpa de não ter estado capaz de trabalhar em condições) também não sei se é defeito de fabrico. Não é relevante, socialmente, se é hardware ou software. Esta estranha maneira de viver não é uma excentricidade que use como uma medalha, de que me gabe, ou que careça de validação. Incomoda muito. Dá uma trabalheira a desmontar e a lidar. Não faz de mim melhor ou pior pessoa. Mas não justifica nem desculpa quando, por causa dela, ajo pior. E, muito menos, faz de mim uma coitada muito desgraçada, marcada por uma inevitabilidade comportamental indelevelmente gravada nos meus genes (?), tecidos (?), células (?), que os outros têm a obrigação de acomodar. Own it, deal with it. Sem desculpas. E, se preciso, tomem qualquer coisinha (prescrita por um profissional competente, claro). Ajuda e, às vezes, até resolve.
Eu também não estou in. Taparam-me a janela do escritório e passo-me dos carretos, não consigo me concentrar ou lá estar mais de meia-hora. Mas não me mudam para outro escritório, porque há um marmanjo arrogante que tem precedência porque tem a mania que é importante. Eu que trabalhe em casa, isto da ansiedade não está nada in.
ResponderEliminar(Não tenho muita experiência aqui, mas daí até já vi arranjar diagnósticos neurodivergentes fajutos para ter benefícios nas aulas)
Eh pah, trabalhar numa divisão sem luz natural, não. Péssimo, em casa ou no trabalho tenho janelas, livra.
EliminarTenho trabalhado muito em casa, porque no trabalho está um calor abrasador, e não aguento. Casinha é mais fresca, mas não tenho as mesmas condições, prejudica muito a concentração :/
As tretas mentais, perdão, são uma merde, e ninguém gosta de nada disso, não, e mesmo essa cena de certas neurodivergências estarem na moda é mesmo só à superfície, tipo écharpe que usas ali para dar um ar, mas na realidade tu é que és cool, não és cá nada maluca, não, vá lá, no máximo, és excêntrica. Quem é neurodivergente a sério não lhe acha gracinha nenhuma! E já é uma sorte hoje haver tanta droga para contrariar os desequilíbrios cerebrais, e, ainda assim, alguma normalização do problema, que tive uma tia-avó que não era nada maluca, não, era só mau feitio, e a vida difícil, claro, só que com o passar das décadas, sem tratamento, nem psicológico nem psiquiátrico, acabou a vida a afirmar que era de plástico e não precisava de tomar banho.
ResponderEliminarÉ isso, Goldfish, usam o termo neurodivergente como o novo excêntrico, uma fonte de atenção, e tantos sabem lá o que é ter uma patologia (doença ou perturbação da personalidade) mental. Não tem graça nenhuma, de facto.
Eliminar(a minha avó paterna também tinha muito mau feitio, mas hoje em dia, e em retrospetiva, sou capaz de jurar que tinha uma depressão gigante que nunca foi sequer diagnosticada. pior: parece que ela se queixava muito que tinha bócio e problemas de tiróide, e nunca a levaram a sério, nunca foram com ela ao médico para tirar a limpo com o doutor se era mesmo assim. ou seja, muito provavelmente está encontrado o meu antecedente familiar de hipertiroidismo. sabendo disto, agora, i can relate)