quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Entretenho-me muito a magicar

E a cisma actual consiste em imaginar se o actual governo (de centro-esquerda) utilizasse, face à inevitável crise económica que a também crise pandémica criou, a mesma retórica que um antigo (e de má memória) governo de direita liberal usou e abusou. 

Imagine-se, por puro deleite hipotético, que todo o sector privado que reclama ajudas, fosse corrido a sermões de que é o mercado a funcionar, têm de se adaptar, sair da sua zona de conforto, e mais!, deixassem de ser piegas. Afinal o dinheiro não nasce nas árvores (ouvi esta tantas vezes), pois não? Não. O dinheiro vem dos impostozinhos, pagos por pessoas singulares e também entidades privadas - se bem que, bom, ao que ouço, enfim, o que eu gostava de ver as declarações de IRC de alguns negócios (as de IVA, deixem lá: o IVA não é um encargo vosso, por muito e estupidamente convencidos que estejam).  

Claro que, como esquerdalha convicta que sou (na verdade considero-me uma social democrata pura, mas para quem esteja à direita isso já equivale a esquerdalhada porque, blhéc, temos preocupações sociais, arrgh), não podia ser mais a favor que o dinheiro dos impostos sirva para acudir a quem precisa. Pessoas singulares ou sociedades comerciais, não excluo uma ou outra. Financeiras já tenho um pé atrás, lamento, até porque no actual contexto não me parece que precisem de uma mãozinha. Mas sim, para além de tantas pessoas que perderam toda a sua fonte de rendimento, ou grande parte dela, muitos negócios estão em maus lençóis e em situações mesmo rés-vés. O lay off ajuda, tanto empregados como empregadores, é um peso que se levanta, mas não chega, é um facto. Continua a haver outros encargos fixos, ele é rendas, leasings, fornecedores, sei lá, não percebo nada de negócio. Por isso, claro que sou a favor de uma intervenção do Estado.

O Estado, aquele Estado, que tanto liberal sempre defendeu magrinho, anoréxico, mesmo. Agora que lhes aperta nas canelas, arrumaram essa bandeira do "menos Estado" na mesma gaveta onde o Soares deixou o socialismo. Com a diferença de que os liberais se vão lembrar onde é a gaveta, não perderão a chave, e lá irão buscar a bandeirinha outra vez, apostava. O Estado, aquele Estado explorador a quem não queriam pagar impostos, porque esse Estado, malvado Estado, gastava tudo em porcarias e com quem não merecia. Ah, a ironia. Aposto que não a apanham. Adiante.

Bom, sucede que, até ao presente, não ouvi ou li uma palavra do governo de esquerda (não é bem, mas acompanhem-me) a negar qualquer ajuda. Pelo contrário. Verdadinha que elas não chegam tão depressa como seria desejável, que o digam os profissionais de audiovisual, queridas cigarrinhas que nos ajudam a manter a sanidade mental com o que produzem, mas vão sendo planeadas (não é fácil) e vão sendo postas em prática. E, em estando em causa negócios, tem de haver uma base de cálculo das ajudas, e esta só poderá ter por base a - tcharammm - facturação declarada. Uma chatice, pá. Depois há aquela coisa que, derivado do dinheiro não nascer nas árvores, se tem de fazer quando o assunto é gastar recursos escassos que a todos pertencem: priorizar, e atribuir de forma equitativa, proporcional. Não chega para tudo, não. 

Some-se ainda os bambúrrios que neste momento - e muito justificadamente - são absorvidos pelo SNS. Lá está, prioridades, é preciso cuidar dos doentes - custa pilim -, pagar aos profissionais - custa bagalhoça, e mal pagos são eles - comprar materiais - muita notinha. Já agora, era simpático que não houvesse gente a passar literal e involuntariamente fome, há muito subsídio de desemprego para pagar, e RSI a atribuir, e até devia haver mais, neste momento: há muita gente que perdeu fontes de rendimento que não tem direito a subsídio. 

Donde, empresas, vai chegar a vossa hora. Está prometido, é aguentar. Ah, mas eu não sei se aguento muito mais tempo. Como não? Então vós, porta estandartes habituais do liberalismo, que defendem ('xa cá ver as minhas notas) que o lucro é a justa retribuição do capital, porque risco, empreendedorismo, job providers e o caneco, gastaram tudo em porcarias e em quem não deviam? Que maçada.

12 comentários:

  1. Quero dar-te um beijo agora <3
    (logo eu, que já era fiel praticante do distanciamento social antes de ele ser necessário ;) )

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    1. Oh, mas venha lá esse beijinho virtual, que respeita o distanciamento social :D
      (ah, não ter pessoas coladas a mim em filas. tão bom. poder fugir de pessoas e aglomerados sem parecer maluca. priceless.)

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  2. É isso tudo. E o pior ainda está para vir, por isso é preciso acudir a quem precisa mesmo muito. Já para não falar da forma ignóbil como muito dos restaurateurs e empresários ali representados tratam as leis do trabalho e outras que tais.

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    1. Sãozinha, vão ser anos para recuperar disto, as empresas estão a despedir em barda e a nossa SS não sei se aguenta. Ando muito ralada, até porque mesmo em recuperação as perspectivas de emprego são uma joça.
      Quanto aos acampados na AR, pah, nem tenho palavras, e até dão mau nome ao sector. No twitter partilham-se fotos da vida de luxo que alguns dos organizadores mostravam no insta (há ferrari? há! há iate? há!), e contam-se histórias de quem já teve a suprema (in)felicidade de trabalhar em restaurantes daquele segmento. Uma maravilha.
      Que haja ajudas, mas a lista de reivindicações daquele grupo é anedótica, se não insultuosa.

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    2. Sendo que o Ljubomir não queria que os restaurantes servissem ao domicílio, durante o primeiro confinamento. Têm todo o direito de se manifestarem, mas parade q fizeram muito pouco. E, claro, não esqueçamos q o Ljubomir terá um programa no Opto.

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    3. Filipa, o pessoal do audiovisual, por exemplo fez uma mobilização notável,criaram plataformas de entreajuda que estão a funcionar muito eficazmente, e tenho de lhes tirar o chapéu com admiração profunda.
      Claro que ninguém lhes tira o direito a se manifestarem; mas porem as acções ao mesmo nível das palavras era de valor.

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  3. Temos de perguntar ao novo guru liberal q escreve para o Público (a sério, ainda ñ acredito nisso). É q eles tanto são contra os apoios do Estado como a favor, conforme lhes convém.

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    1. Filipa, por acso não se percebe, umas vezes é nem pensar, noutras sim, sim, sim, caramba, uma pessoa nem sabe a quantas anda :D É que um Estado magrinho não consegue amamentar, acho eu.
      (não leio o Público. para além do Tavagues arranjaram outro, é?)

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    2. É o filho de uma blogger. Um puto de 19/20 anos, q nem média teve para entrar na faculdade da primeira vez q se tentou. Por,vezes, penso q alucinei, mas é mesmo verdade.

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    3. Epá, olha que, pois 'tá bem...

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    4. Já percebi, já... e viva a meritocracia (ironia...)

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