terça-feira, 2 de junho de 2020

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Tempos houve em que eu estaria comidinha para botar faladura e com um formigueiro nos dedos que nem um tubo de fenistil me impediria de aqui vir debulhar tudo, tudinho, tudooo o que me vai na alma neste momento do tempo e da história, mas olha, não sei se cresci, me tornei mais indiferente (aos outros, que aos assuntos continuo na mesma inquietação dolorosa de sempre), que nope. Não tenho idade nem vocação para educar ou esclarecer ninguém, e muito menos quem resiste estóica e heroicamente a deixar-se convencer do contrário que defende, apesar de o facto de se envolver em toda a polémica ou discussão pública assim faça crer aos mais ingénuos.
Eu também já fui isto e aquilo, já acreditei e defendi coisas que hoje me fazem corar de vergonha; mas entretanto calhou cair-me uma ficha que me cai amiúde, que se resume num "e se eu não tiver razão e estiver a fazer uma valente figura de parva" (bendito síndrome de impostor, alguma valia havia de ter). Acto contínuo, vou ler / ouvir / aprender mais sobre o assunto, de preferência bebendo as palavras, ideias, sentimentos de quem directamente é afectado pelo assunto em causa. E não é que já mudei de ideias muitas vezes? Isto r'almente. Sair da caixa, do nosso lugar de conforto, para mim é isto: assumir a desconfortável possibilidade de estarmos enganados, em erro, a não ver bem a coisa; ir procurar mais respostas, pensar aturadamente, reflectir com seriedade, e não ter medo de assumir que estávamos a ser um pedaço besta.
Muitas vezes tenho sorte, e a nova perspectiva apresenta-se sem que eu tenha de fazer este esforço todo. Dou com ela de frente, olha-me nos olhos, abana a cabeça em reprovação, e eu não a corro à vassourada, é este o meu "trabalho". E pensar, claro. Nem que seja para rejeitar  - acontece - mas ao menos fez-me pensar. E reflectir para rejeitar também nos faz encontrar novos argumentos que fortalecem a nossa visão.
Enfim, como em tudo na vida, não ter sinapses de betão pode conduzir-nos a processos altamente desconfortáveis, mas caneco, a sensação de se avançar um pedacito que seja em direcção a uma maior empatia, compreensão do outro, aceitação de realidades diferentes, e até que não sabemos nada e estar calado, sem abdicar de ser aliado, pode ser a melhor conduta, é uma recompensa bestial.
E pronto, não era para dizer nada e disse mais do que queria (devia?). Parto do princípio que as outras pessoas têm os mesmos meios que eu para se educar e informar, vieram equipadas de origem com um cérebro que funciona, pelo que usem-no, se quiserem, se não quiserem também (já) não contem comigo para discussões patetas.


4 comentários:

  1. É por aí, é. Não sei se estás à procura de recomendações ou não, mas deixo aqui uma: "So you want to talk about race" da Ijeoma Oluo. Não sei se há tradução em português e, pelo menos nos EUA está esgotado em todo o lado. Mas deu-me muito em que pensar quando o li da primeira vez. Avô que vou reler para relembrar...

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    1. Inês, eu agradeço sempre recomendações! Já vi esse livro mencionado não me lembro onde, e vou ver no book depository se o têm.
      Também dou uma recomendação, em troca - se calhar já conheces, mas marcou-me muito o documentário "I Am Not Your Negro", baseado em escritos de James Baldwin. Não fazia ideia que esta pessoa existia, e fiquei maravilhada: é (era, já morreu) um homem tão inteligente, brilhante, que uma pessoa fica com raiva de não ser mais divulgado. Comprei a obra dele, ainda não peguei, mas vi tudo o que estava disponível no youtube com ele (discursos, entrevistas) e caramba.

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  2. Estou bastante de acordo com tudo o que disseste, ha discussoes que vale a pena ter e outras que simplesme divulgar maneiras de que as pessoas se podem educar ja pode chegar a algo. Se nao ha abertura para ser empatico e sair da nossa zona de conforto nao estou tao segura que valha a pena.
    Uma serie que é mais light mas poe o dedo na feria é Dear White People da netflix, mesmo quando ja estas numa Ivy league a cor da tua pele continua a ditar muita coisa.

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    1. Não conheço essa série, vou espreitar, obrigada :)

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