quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Crime e Castigo

Ena, já cá não vinha, ó.

(perdi a noção do tempo e, a bem dizer, não há nada de relevante a assinalar. a vida aqui nas trincheiras continua a mesma de sempre: lama e trampa até aos joelhos, muita coceira, muito palavrão; de quando em vez até me vem à ideia um assunto sobre o qual me apetecia dissertar, mas depois dá-me o "nah" ou o "isto não interessa nada / a ninguém" principalmente, não tem interesse - ou perde-o - para mim. ando assim, e ao que julgo saber não há medicação eficaz contra a apatia, atonia, ou simples indiferença. feito este parentesis - que na verdade não interessa nada - adiante)

E o que me faz vir é mais um sentido de dever aliado à função de almanaque, agenda, repositório de efemérides ou memórias que também é um blog.

Passou-se então que fui autuada.

(pausa para choque, desmaio, tempo para a criada - fardada, que isto aqui é um sítio chique - ir buscar os sais ou o copo de brandy, conforme o gosto)

Verdade. Bloquearam-me o carro, espetaram-lhe um autocolante no vidro do condutor, e enrolaram-no numa fitinha festiva.
A culpa foi 100% minha, que não vi / optei por não ver / ignorei a presença de um sinal que dveria ter lido devidamente. Estava onde não devia estar, exercendo o estacionamento em vez do carregamento / descarregamento.
Podia enumerar atenuantes como i) tentem lá encontrar um buraquinho onde por o carro no Saldanha às cinco da tarde; ii) sim, mesmo a pagar; iii) tinha onde estar dali a pouco; iv) apanhei o lugar quando um anterior ocupante acabava de sair, e foi maior a exultação que a cautela. Mas isso não limpa a culpa, mea culpa, minha máxima culpa. Ganda totó.

Algumas notas, que me parecem relevantes, no estilo Reader's Digest que este post assumidamente assume:

- Até ontem às 17.06 horas tinha o cadastro limpo. Carta com quase a mesma idade que a minha licenciatura (mais uns meses), uma multa de estacionamento em 1998 ou 1999 que foi amnistiada por via de uma visita papal, e em 2019, pumbas, para o lixo uma reputação e historial imaculados.

- Derivado do supra revelado, não fazia ideia a quanto ficava uma multa, mas doze contos não achei muito. Ainda sou do tempo de multas (coimas, em rigor) de estacionamento de cinco contos, e na altura doía mais, ainda dizem que o país não evoluiu. Já os tre(U)ze contos para me tirarem o coisicho com que adornaram a roda dianteira direita, achei carote. Enfim, é pagar e não bufar. Feitas as contas, é preciso amortizar o investimento no material, a mão de obra dos funcionários, o gasóil da viatura, pronto, já não digo nada. É o mesmo que paguei para me aranjarem um autoclismo, e o dito estava colocado em propriedade privada, no espaço a tanto destinado, sem embaraçar qualquer profissional de entrega de cenas que precisasse do espaço.

- Tirei o tiquê de estacionamento às 17.00 horas, às 17.06 toparam-me o veículo em infracção e bloquearam. Ainda dizem que a justiça não funciona, ou é lenta, ou o caraças.

- Entre ligar para o número de telefone que estava no autocolante, ser atendida por um sistema automatizado, inserir o número de série do autocolante e chegar a simpática viatura com os afáveis funcionários da EMEL decorreu o tempo exacto de ir comprar um cornetto de chocolate (e um magnum amêndoas para me mate), ingerir o dito, e acender um cigarro. Ainda dizem que as instituições não funcionam, são lentas, ou o caraças.

- Pus o funcionário da EMEL a rir quando, enquanto tirava a fita, reclamei "ao menos deixe-me ficar com a fitinha, caramba, pelo preço TEM de estar incluída." Deu-me a fitinha. Não me deu o prémio da freguesa do dia (quiçá semana, quiçá mês, arrisco mesmo ano), que aposto que não têm recepções destas com frequência. Devem ouvir boas, devem. Têm (quase todos) um ar de stress pós-traumático que não se aguenta.

- De resto, tudo com a maior normalidade: mostrar cartão de cidadão, carta de condução, documento único não foi preciso (mas tinha-o comigo) porque bastou inserir a morada que facultei no computas, e tau, multibanco, introduz cartão, verde-código-verde, sai o papelucho da mini-impressora, assine aqui, este é para nós, esta é a sua cópia. Muito eficiente.

E pronto, fiquei mais pobre em cento e trinta euros (cento e trinta e dois e cinquenta cêntimos, se somarmos o pagamento do estacionamento), muito aborrecida com a minha falta de cuidado, e estou inibida pelo meu conselho de administração de qualquer gasto supérfluo, fútil ou recreativo até ali ao Natal.
Merecido.


[disclaimer final: não odeio a EMEL e muito menos os Emelitos, que se limitam a fazer o seu trabalho. pelo contrário, sou total e empenhadamente a favor da gestão do espaço público de estacionamento, e do respetivo pagamento.]

14 comentários:

  1. O parque do momumental costumava ser mais generoso do que os outros :).

    Assim, de repente, és o contrário de uma blogger q considera q haver regras para estacionar é uma espécie de abominação.

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    1. Como ia demorar umas duas horas, e possivelmente mais, achei que parquímetro ficava mais em conta, mas mais valia ter enfiado numa garagem paga, de facto :D

      Isto do estacionamento em Lisboa é uma situação de procura superior à oferta, logo, tem de ser regulado, sob pena de ser uma selva, como já foi. O espaço público é de todos, e quem tem carro não tem direito a ter lugar para o depositar, ora. Eu também não posso montar uma tenda no jardim do Campo Grande, ou levar uma secretária e cadeira para o meio da Avenida da República e montar lá escritório ;)

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  2. Não os odeio, mas detesto um bocadinho por outros motivos. Morei durante muitos anos perto do escritório/central/coelheira deles e assisti a milhares (estou a exagerar só um bocadinho) de abusos, desde nos ocuparem os lugares todos com os carros particulares deles, sem pagarem para isso e ninguém os multar, porque eram dos próprios fiscais, até multarem uma vizinha minha deficiente com o título colado no vidro do carro, mas ainda só com o pedido para lugar de deficiente (que a polícia compreendeu que não era de multar), também os vi a guardar lugares uns para os outros e a não nos deixar estacionar, lugares esses que não pagavam, assisti a um pouco de tudo. Não tenho boa impressão, lamentavelmente. Se depois são justos nas multas que aplicam já são outros tantos, mas falta-lhe um bocadinho de bom-senso e humanidade acima de tudo.

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    1. Caramba, MAC, se eu tivesse assistido / aturado isso também ficava arreliada, para não dizer possessa. Acho que ia lá reclamar, no mínimo, ou ficaria com vontade de lhes entrar portas adentro de catana em punho :D

      Os valores das multas não são definidas por eles, mas pelo Código da Estrada. Por curiosidade fui ver, e apanhei a coima mínima para o caso (art.º50º nº1 al. f), se alguém tiver curiosidade). Não acho que os valores das coimas, em geral, sejam exagerados. Lembro-me de estar na secundária e mamãe ter de pagar uma multa de 5 contos, e nesse tempo era mesmo muito.

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  3. Ahahaha. Ai vocêses nem sabem as saudades que eu tenho de tertuliar convosco.
    Muda-te para a minha freguesia e assim o dístico de residente também apanha a adjacente e dá até ao Saldanha :)

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    1. O voss dístico dá até ao Saldanha???? Injustiça social! Discriminação! Freguesismo! Pá, ainda não tirei o dístico porque tenho avença numa garagem e padeço de imensa preguiça, mas andei a ver e a minha zona é muito mais pequena, ora bolas.
      Mas como nós não aparecemos na taime aute estrangeira já somos ralé, não é, não temos direitos, pois. Xenofobia de bairros, é o que é.

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    2. Não me expliquei bem. Quando te vais inscrever para o dístico, tens direito a escolher uma segunda área de estacionamento, desde que faça fronteira com a tua, ou seja adjacente. A minha freguesia faz fronteira com a das ruas perto do Saldanha, junto ao mercado de picoas, av.cadal Ribeiro, etc. Do outro lado, av. 5 Outubro, já não dá.

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    3. Pronto, não é tão terrível como pensava, mas ainda assim é um bocado fáxista e bairro-xenófobo :D Tss, estes privilegiados de Arroios :P (por uma rua não estou em Arroios, não ligues que é só inveja)
      Fui ao site da emel ver a minha zona, até não parece pequena, mas óspois as ruas que lá existem são mesmo poucas. E como estou numa ponta, o resto da zona é-me um bocado fora de mão. E as adjacentes não me interessam, ó, nadinha. Sou uma estacionamentoexcluída. Justiça social já!

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    4. Eu cá para mim Arroios só é fino depois daquela brincadeira de juntarem várias freguesias. Eu quando fui para ali ainda não era Arroios.

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    5. Idem, apesar de não ter mudado de freguesia, quando fui para ali não era phyno, não era centro histórico, não era cá essas frescuras. Era Anjos (para mim ainda é), um bairro familiar simpático, e para algumas pessoas "ah, perto do intendente".
      Para ser phyno têm de voltar (asap!) os varredores de ruas (cada vez vejo menos) e a Câmara tem de esvaziar as ecoilhas com mais regularidade.

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    6. Pois.. Ainda há bocado passei no ecoponto e estava lá um rato nojento. Ia tirar foto para o portal a minha rua mas o gajo escapuliu-se para o buraco do escoamento de água. Juro, qualquer dia vou ao site do airbnb e espero lá com o link das ocorrências de lixo na rua da nossa zona, a ver se afugento os turistas.

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    7. O pessoal do alojamento local no meu prédio não separa lixo. Ou seja, quando vão limpar o apartamento, são sacos e sacos de plástico, vidro, TUDO misturado, à porta do prédio. Porcos. Já lhes mandei um link para o regulamento de resíduos, mas pronto.

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  4. "- Pus o funcionário da EMEL a rir quando, enquanto tirava a fita, reclamei "ao menos deixe-me ficar com a fitinha, caramba, pelo preço TEM de estar incluída." Deu-me a fitinha."

    Delicioso!

    Faz-me lembrar a frase cujo autor desconheço "quando a vida te dá limões, pede-lhe tequilla e sal"

    Helena

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    1. Helena, eu cá gosto mais daquele dito "se a vida te dá limões, atira-os à cabeça de alguém", mas naquele momento a única pessoa a merecer levar com um limão na cabeça era eu, portanto vamos pela opção menos dolorosa e homorística :P

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