sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

E isto ainda antes das oito da manhã

"São muito liberais, mas quando se vêem à rasca são todos keynesianos", disse ele, e eu ri-me alto e forte, nem eram oito da manhã. Discutia-se uma merda qualquer, provavelmente eu fazia um furioso rant sobre os fabulosos empreendedores portugueses - é possível, ali nas vésperas tinham-me calhado no prato umas giras. Ou então foi sobre a TSU, não posso assegurar, mas também daria mote para isto, que os pobres não podem mesmo pagar os quinhentos e picos por mês aos empregados, agora multiplique-se isso por X, às tantas já nem dá para a direcção andar toda de cuzinho tremido em carros de gama alta. Quinhentos e picos são eles capazes de gastar num par de sapatos, numa carteira, numa cravate, e agora com merdas, a chorar, de mão estendida, a gente paga MAS o Estado - todos nós, entenda-se - tem de contribuir. Já sei, já sei, o velhinho argumento que o dinheiro não cresce nas árvores, e é preciso recompensar o privilégio, ahém, a iniciativa, mas e a vergonha, onde está?, não têm mesmo vergonha de ganhar dez a vinte (ou upa) vezes mais que o trabalhador com salário mais baixo, não se sentem mal de ter gente a trabalhar para eles, a tempo inteiro, que ainda não ganha o suficiente para sair da escala de pobreza? Se conseguissem viver um ano com esse rendimento, calava-me já, mas não conseguiriam nunca, e sabem-no, e ainda assim insistem, e ai de que interfiram, quem fixa os ordenados é o mercado - por acaso mandado por uma meia dúzia - e a economia talital equilibra, sai fora, não regula, não mexe, não chateia. Até ao dia, claro, em que corre mal, e então papá Estado já pode dar uma mesadinha, um incentivozinho para impulsionar a economia.
E nestes dias é muito difícil manter um semblante sério, que ainda há atrasado li que oito pessoas no mundo acumulam riqueza igual à da metade mais pobre, e entre esses só reconheci dois filantropos. Três, para as féchionistas, que afinal o sô don Amâncio democratizou e tornou acessível a moda dando emprego a tanta criança gente no terceiro mundo, verdade, uma verdadeira boa alma. Dói-me, isto. Dói-me muito.

6 comentários:

  1. Achas que alguém se importa com isso? Guerra partidária e é só. Toda a discussão à volta do ridículo salário mínimo e da TSU enoja-me.
    E essa notícia deprimiu-me.

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    1. P., adorei o resumo da matéria dada, feito pela Catarina Martins: o BE vota contra porque tem princípios, o PSD porque não os tem.

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  2. Izzie, não generalizemos. Eu tenho um pequeno negócio com margens de lucro pequenas (o pessoal quer sempre preços baixos não e?) e vejo-me aflita para pagar 650 brutos as duas funcionárias. Eu, a patroa, ganho o salário mínimo e já faço contas a vida com o aumento que vou ter. Posto isto, sou completa e frontalmente contra a medida na TSU mas compreendo que a maioria das empresas portuguesas são pequenas e pobres e pagam não o que querem mas o que podem.

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    1. Manuela, não generalizo até porque tenho perfeita noção que o universo das PME é diferente. Não consigo é entender como um caixa do continente ganha ordenado mínimo, por exemplo, ou nem isso (contratam muito em "part time", i.e., põem pessoas a trabalhar 6 horas por dia para pagar menos - um dos problemas de o nosso ordenado mínimo não ser calculado à hora).
      E foram estes quem mais barulho fez, os grandes que têm mais representação na CIP.

      Se, por um lado, sou toda a favor de medidas que incentivem a contratação e o emprego, por outro sou realista e tenho noção que é muito enraizada a cultura de sub emprego. E nem é pela desculpa habitual de ser difícil despedir, é porque dá jeito, pronto, e com recibo verde o trabalhador pode ser pago muito abaixo, e suporta os encargos todos.

      Uma coisa que também era giro discutir é os mecanismos que levam as grandes empresas a tramar as margens de lucro das pequenas. Não sei qual a tua área de negócio, mas ainda que os fornecedores sejam os mesmos, um pequeno comerciante não tem meios financeiros nem logísticos para gerir um stock que lhe permita praticar os preços das grandes superfícies (i.e., adquirem mediante rapel, pagam a 60 ou 90 dias, contas caucionadas de milhões, enfim, muito complicado. e com as margens de lucro que têm nem por isso investem no pessoal, antes fundam uma sgps para gerir a massa, de preferência com sede lá fora...)

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    2. Só para terem ideia, um exemplo que eu conheço e sei que é real, numa certa cadeia de hipers conseguiram em concurso pasteis de nata a 9 cêntimos a unidade. A proposta da mega-empresa multinacional que conheço, mesmo já quase sem lucro, era de 14 cents. Agora imaginem como é que uma pequena empresa pode competir com isto.

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    3. É impossível competir com esses preços, de facto. Ou antes, é possível se o elemento de distinção for a qualidade. Uma pastelaria não conseguirá produzir um pastel por 9 cêntimos, mas de certeza consegue produzir um produto de maior qualidade, ainda que mais caro para o consumidor final. Isto digo eu, que no sábado fiz cento e tal quilómetros por uma pizza. Tinha saído mais barato ligar para a domino's, mas caneco, consolei-me com uma coisa a sério. Outra: não compro de certeza esses pastéis de nata pré-fabricados, mas vou de propósito ao Camões para comer um na Manteigaria.
      Resumindo, acho que o comércio tradicional, de retalho, pode competir apostando em produtos ou serviços de qualidade, sendo esse o elemento de distinção. Há quem esteja a disposto a pagar mais por melhor. Agora se é para vender igual, sabendo-se que não conseguem competir em preço, bom. Faz-me lembrar as lojas de roupa tradicionais, que andam a abandonar o textil de qualidade e cada vez mais a vender chinesices. Ora assim as pessoas vão directamente à fonte...

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