quinta-feira, 7 de maio de 2015

Enjoy the silence

A primeira vez que ouvi aquele enigma oriental, o tal em que se questiona se uma árvore cair na floresta e não estiver lá ninguém para ouvir, faz algum barulho, devo ter ficado uns bons minutos com cara de parva. Que estupidez, a ausência de humanos - ou seres- com faculdades auditivas não suspende as leis da física. Só se fosse uma floresta num planeta sem atmosfera, mas como isso é uma impossibilidade, problema resolvido, faz barulho sim senhora, qual é a dúvida. Mas depois começaram com pseudo-tretas hiper-meta, ah, que o que se pretende questionar é algo mais, tipo, cena, quando o ser humano não vê, ouve, sente, aconteceu mesmo, e eu na mesma, que estupidez, que antropocentrismo insuportável, narcisismo de espécie, c'um caneco, se é uma floresta é um ecossistema, há mais seres, fonix, que ouvem, vêem, sentem. Fuck off com as tretas esotéricas e dêem-me um chocolate.
Posso garantir que não é idade, maturidade, experiência de vida. Mas hoje entendo. O sacana que se lembrou daquilo já tinha adivinhado o advento do facemundo, do bloguniverso, do instacontinente, certo? Não mostras, não viveste. Não assistem, não aconteceu. É uma voragem sensorial. A perda do eu numa multitude de outros. É uma barulheira do caraças. De início é divertida, a eterna festa. Os nossos risos terem eco, o tanta gente nos oferecer uma bebida e nos cumprimentar com alegria. Mas depois, depois há aquelas alturas da vida. Acontece uma chatice, e partilhamos no reality show da nossa vida. Aconchegamo-nos nas reacções de genuína, ou, ao menos, sincronizada empatia. Mas a chatice continua lá, ao canto do salão, nem a  luz difusa a disfarça, antes não conseguimos ignorar aquele olhar fixo de quem não vai embora. De repente uma grande foda, no corredor. Mesmo debaixo do strobe. Abrimos a boca para partilhar, mas fechamo-la logo de seguida. Não se vai estragar a boa disposição geral, não queremos ser o grinch ou, simplesmente, aquela foda é demasiado nossa, não a vamos apresentar a todos. Entretanto, nos intervalos de encarar a foda e desviar os olhos da chatice, eis que à porta nos aparece o verdadeiro caralhos me fodam. De repente a luz só incomoda, o barulho passa a ruído, as pessoas poluição. Precisamos de silêncio. Nós. Só nós. Mano a mano. Só nós connosco, sim, e ainda assim, confirmo que aconteceu.

Sem comentários:

Enviar um comentário