terça-feira, 23 de dezembro de 2025

A boa notícia é que nem fome tenho

 Já não é mau, porque a ansiodeprê sempre me deu uma voracidade do caraças. Perder peso é que não, porque o meu corpinho ia lá dar-me essa alegria (já deu, estava boa, mesmo boa, perdi uns seis ou oito quilos a comer o que me apetecia, mas era hipertiroidismo, não foi fixe, o resto dos sintomas, terríveis, mas estava mêmo boa). Queimo a inquietação em caminhadas e no ginásio, reduzi o único estimulante para a bica matinal e, ainda assim, ou me sinto com vontade de atirar para um trampolim e pular até engasgar de falta de ar, ou adormeço em frente ao computador. Aqui há dias vi um même sobre como é um burnout de uma pessoa altamente funcional - raça do algoritmo, parece que adivinha - a pessoa deitada de costas, olhos abertos, e a legenda a explicar que se levanta e vai trabalhar. Ahahahah, ri. Não tem graça, mas tem, é preciso ter estado lá. Enfim, é isto. Cá estamos, vai-se andando, qualquer dia estamos no Natal.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Where oh where

 Há dias em que recordo, sem qualquer saudade, aqueles bem intencionados e, sobretudo, simpáticos avisos de quem tanto se preocupava com a minha capacidade reprodutiva em declínio ano após ano, e me impetrava a dar atenção à questão "filhos", sob pena de um dia não poder e me arrepender.

[aos 47 - juro, quarenta e sete - ouvi de uma alminha que ainda estava a tempo. sem comentários.]

Onde é que andam essas pessoas, e porque não me perguntam, agora, se de facto de me arrependo? 

Ou já sabem a resposta e não a querem ouvir? 

Pode parecer surpreendente a muita gente, mas navegando em sítios onde se juntam este tipo de fêmeas relapsas que renunciaram ao milagre da maternidade, só uma ínfima minoria se arrepende de não ter tido filhos. E destas, a maioria nem pode falar, propriamente, de arrependimento, visto que a situação não adveio de uma decisão sua, mas de circunstâncias que não dominavam: ou não podiam, ou não tinham com quem. 

Já agora, lamento sinceramente que uma mulher que deseje ser mãe não o consiga, mas ao longo de décadas o que lamentei foi que certas pessoas não tivessem um mínimo de noção que as detivesse de me manifestar como lamentavam eu nunca ir conhecer - e por opção! - esse estado de amor, entrega, vocação superior. Com essa manifestação, somando à prole conseguida, conseguiam imediatamente colocar-se num patamar superior, e que bem que lá se sentiam, entre o ar rarefeito. Se tivessem a capacidade de observação de um piolho amblíope e a sorte de possuírem dois neurónios ligados e funcionais, perceberiam que não, não me conseguiam fazer sentir menor, e sim, o meu olhar e trejeito não era de "poijé, poijé", mas sim de "a achar-se nossa senhora e nem passava a audição para vaquinha de presépio".

Atenção, nada contra. Felizmente conheço muitas mães (e pais) por vocação e vontade, que não passaram pelo processo de bovinização. Mas quem passou, credo, que cruz aturar. E isto juro, que eu farto-me de jurar, juro que não percebo a necessidade de apoucar quem não procria, de nos empurrar para o lado e, com o tempo, até prescindir da nossa companhia, principalmente se as "suas" crianças estão presentes; volto a jurar, havia quem tivesse um olhar de medo irracional quando sugeria "vai lá que eu fico-te aqui com o/a pequeno/a", como se mal virasse a esquina fosse entregar o infante a uma seita maléfica para sacrifício de sangue. O olhar da convicção "não as tem, logo, não gosta de crianças". (disclaimer: de muitas, não gosto mesmo, mas a verdade é que a culpa é dos pais).

Em suma, e não era preciso tanta conversa: não, não me arrependo. 

Pior: há alturas em que é um alívio. 

Porque não fui eu que dei sangue, suor e lágrimas e agora sou tratada como lixo ou pior, porque o lixo existe, ainda se dá nota, varre-se para um canto,(caso muito próximo, e está a fazer-me um bocadito de aflição)

E porque não gerei um bicho capaz de me (ou te, seja a quem for) virar uma arma e disparar ou golpear até ao último sopro. Sim, eu sei, doença mental/adição, mas não. Não. Chega a um ponto em que já tens corpinho para ir à tua vida e ser miserável à vontade, sem dar cabo da existência de toda a gente, sem culpar todos por tudo. E sem deixar saudades. (agora é a altura que alguém me diz que "mãe é mãe, tu não entendes. e é verdade, não entendo.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Um molhinho murcho, triste, desolado, de coisas em importância

 Uma:



Este livro é do caraças, tipo o que o Knausgard gostaria de ter escrito mas faltou-lhe a dor, o trauma e insight para tanto. Além da capacidade de síntese e não deixar ficar "gorduras" supérfluas, linguagem apurada, e sim, ouso dizer, uma inteligência superior. E, cheira-me, conhecimentos de psicanálise que não vêm só da vontade - necessidade, mais provavelmente - de auto-análise, mas dos termos empregues. Uma pessoa sai esbofeteada e quer mais (um está esgotado, mas vamos aos outros dois que não estão).

Duas:

Aprender a sério, com gente que sabe ensinar, uma técnica que largámos há vint'anos (foi mais, mas tenho vergonha de contar e admitir) é do caraças. 

Há muitos caraças na minha vida, este é só o segundo, aguente-se. 

Desenho é phoda phodida. É exasperante, frustrante, de levar à loucura. Como é que é isto que fica no papel quando eu vi PER-FEI-TA-MEN-TE que não era isto que estava ali. E perceber que não, não vi. Não sabia, não soube ver. Admitir o erro como parte da aprendizagem. Como parte do resultado. Ver o belo no erro, diz ele, ainda não cheguei a esse ponto zen. Já entrei em parafuso e disse que assim não valia a pena, se não tenho jeito não ando lá a fazer nada (me mate ralhou e pôs-me na ordem). Já tive vontade de chorar com o quão mal me correu um exercício. Mas já tenho coragem de fazer logo a caneta, saia o que sair. Já me atiro à experiência, se correr mal é aprendizagem. E encontro motivação para repetir exercícios, e ver o que melhorou. E ontem até achei graça, em tempo real, à senhora cagada que estava a suceder ali entre a ponta do lápis e a folha, Mas. Mas. Vistas as coisas, havia qualquer coisa de interessante no resultado final. Não diria beleza, mas qualquer coisa.

Foi a melhor coisa que decidi durante o meu burnout, voltar a ter aulas de técnicas artísticas. E não desistir. Está a fazer-me tão bem, este confronto com a frustração e o fracasso, o aprender que não faz mal, o erro faz parte, perfeição é chato, e o importante é uma pessoa divertir-se aprendendo. Ou fazer por isso. Já não tenho idade (nem talento, ahahaha) alimentar ilusões, é mesmo só para mim.

Três: 

Está a chegar, em velocidade furiosa, a minha depressão sazonal. Natal (leia-se família) + pouca luz, e boooom, está feita a festa. O importante é não resvalar outra vez, que o ano passado foi uma queda de arromba.

Surpreendentemente, o almoço de Natal vai ser lá em casa, e fui eu que ofereci, porque, obviamente, além de deprimida e ansiosa crónica, devo ter um défice cognitivo a instalar-se ou em desenvolvimento, só isso explica. Ou isso, ou uma pessoa, posta perante um desastre iminente, escolhe a via que possa oferecer menos desconforto e sofrimento. Dado que as demais vias já foram vastamente testadas e chumbadas, ao menos que esteja em terreno onde saiba onde estão as minas, porque fui eu quem as enterrou. Táctica militar: desta vez sou eu quem controla o terreno, a movimentação das tropas e o armamento. Atempadamente o corpo diplomático já apresentou as reivindicações - muito razoáveis. diga-se, e aceites, refira-se - relativas a mínimos. Se rebentar, A) Não contem comigo para voltar a brincar às famílias normais; B) Sim, desta é de vez; C) E não foi por falta de aviso.

Quatro:

Fazendo a quadratura do círculo, percebe-se porque aprecio tanto o tipo de escrita biográfico-analítica e, confesso, tenho um piquinho de inveja de quem o sabe fazer tão bem, ó Edouard, mas por favor continua, que aprecio deveras.