Uma:
Este livro é do caraças, tipo o que o Knausgard gostaria de ter escrito mas faltou-lhe a dor, o trauma e insight para tanto. Além da capacidade de síntese e não deixar ficar "gorduras" supérfluas, linguagem apurada, e sim, ouso dizer, uma inteligência superior. E, cheira-me, conhecimentos de psicanálise que não vêm só da vontade - necessidade, mais provavelmente - de auto-análise, mas dos termos empregues. Uma pessoa sai esbofeteada e quer mais (um está esgotado, mas vamos aos outros dois que não estão).
Duas:
Aprender a sério, com gente que sabe ensinar, uma técnica que largámos há vint'anos (foi mais, mas tenho vergonha de contar e admitir) é do caraças.
Há muitos caraças na minha vida, este é só o segundo, aguente-se.
Desenho é phoda phodida. É exasperante, frustrante, de levar à loucura. Como é que é isto que fica no papel quando eu vi PER-FEI-TA-MEN-TE que não era isto que estava ali. E perceber que não, não vi. Não sabia, não soube ver. Admitir o erro como parte da aprendizagem. Como parte do resultado. Ver o belo no erro, diz ele, ainda não cheguei a esse ponto zen. Já entrei em parafuso e disse que assim não valia a pena, se não tenho jeito não ando lá a fazer nada (me mate ralhou e pôs-me na ordem). Já tive vontade de chorar com o quão mal me correu um exercício. Mas já tenho coragem de fazer logo a caneta, saia o que sair. Já me atiro à experiência, se correr mal é aprendizagem. E encontro motivação para repetir exercícios, e ver o que melhorou. E ontem até achei graça, em tempo real, à senhora cagada que estava a suceder ali entre a ponta do lápis e a folha, Mas. Mas. Vistas as coisas, havia qualquer coisa de interessante no resultado final. Não diria beleza, mas qualquer coisa.
Foi a melhor coisa que decidi durante o meu burnout, voltar a ter aulas de técnicas artísticas. E não desistir. Está a fazer-me tão bem, este confronto com a frustração e o fracasso, o aprender que não faz mal, o erro faz parte, perfeição é chato, e o importante é uma pessoa divertir-se aprendendo. Ou fazer por isso. Já não tenho idade (nem talento, ahahaha) alimentar ilusões, é mesmo só para mim.
Três:
Está a chegar, em velocidade furiosa, a minha depressão sazonal. Natal (leia-se família) + pouca luz, e boooom, está feita a festa. O importante é não resvalar outra vez, que o ano passado foi uma queda de arromba.
Surpreendentemente, o almoço de Natal vai ser lá em casa, e fui eu que ofereci, porque, obviamente, além de deprimida e ansiosa crónica, devo ter um défice cognitivo a instalar-se ou em desenvolvimento, só isso explica. Ou isso, ou uma pessoa, posta perante um desastre iminente, escolhe a via que possa oferecer menos desconforto e sofrimento. Dado que as demais vias já foram vastamente testadas e chumbadas, ao menos que esteja em terreno onde saiba onde estão as minas, porque fui eu quem as enterrou. Táctica militar: desta vez sou eu quem controla o terreno, a movimentação das tropas e o armamento. Atempadamente o corpo diplomático já apresentou as reivindicações - muito razoáveis. diga-se, e aceites, refira-se - relativas a mínimos. Se rebentar, A) Não contem comigo para voltar a brincar às famílias normais; B) Sim, desta é de vez; C) E não foi por falta de aviso.
Quatro:
Fazendo a quadratura do círculo, percebe-se porque aprecio tanto o tipo de escrita biográfico-analítica e, confesso, tenho um piquinho de inveja de quem o sabe fazer tão bem, ó Edouard, mas por favor continua, que aprecio deveras.
