terça-feira, 17 de setembro de 2024

É tudo treta (ou "bem vindos à minha ted talk")

Não tens de ser, nem sequer estar feliz. O ser feliz, aliás, é uma mentira giga-mega-ultra: uma pessoa não é um sentimento. Uma pessoa tem sentimentos, ocasionalmente, fugazmente. Ninguém é feliz. Quem diz que é feliz ou te está a pregar uma valente peta, a fazer-te sentir, desnecessariamente, menos que, inferior, inadequado; ou te quer sacar algo. Liberta-te, dá-te licença para existir sem a grilheta do ter de ser [alguma coisa].

Dito isto: 

Motivação é treta. Pior: desnecessária. Não precisas de motivação para fazer seja o que for, faz e pronto. Porquê? Porque sim, porque tem de ser. Não precisamos de motivação para comer, dormir, acordar, lavar os dentes, tomar banho. Fazemos porque sim, tem que ser. Porque a alternativa é pior. 

Exemplo, há três meses que vou regularmente ao ginásio. Estou toda motivada? Não. Pelo contrário, acho uma merda, é um sacrifício, preferia ficar a fazer seja o que for, até ver tinta a secar, do que ir ao ginásio. Mas vou. Porque tem que ser, derivado das prostitutas das minhas costas, que já não doem há - também - três meses. 

Ah, então estás motivada pelo resultado. Nope. Piretes para o resultado. O facto de estar a resultar só reforça que tenho de continuar a ir (o horror) e, se quero manter os discos no sítio, provavelmente aumentar a frequência (o medo). Isto é péssimo. Muito desmotivador, sinceramente. Porque eu queria era fazer o que me apetece, que é tudo e mais um par de botas, e não isto, o que tem que ser. Se vamos a esmiuçar conceitos, eu estou motivada é para o ócio e diversas actividades conexas, porque me é natural. Puxar ferro num sítio aromatizado por peúgos transpirados, não. Mas vou. Como vim hoje (e ontem e a semana passada, lágrimas de sangue) trabalhar. Tem que ser. Sem trabalhinho não há dinheirinho, e o supermercado não se paga com palavrinhas de arrimo. É necessário à sobrevivência, ou a um certo padrão de sobrevivência. E um gajo faz, que remédio. Porque se não faz, consequência. 

Ah, mas uma pessoa deve lutar por fazer aquilo de que gosta / para o que está motivado / a faz feliz. Ahahahahahahahahahahahah. Boa. Força aí, nesse conceito de vida. Vamos a pensar retrospectivamente: desde quando é que a humanidade abraçou essa coisa de fazer o que nos faz felizes? Umas dezenas de anos? E que franja (curtíssima) da população humana é que, desde tempos imemoriais, pode fazer só ou principalmente o que gosta? Ou ganhar a vida a fazer o que gosta? Mais, tendo tempo livre para (prosseguir seriamente) o que lhe dá prazer? Quem vos vende esta tretona está a enganar-vos. Triste e lucrativamente. É o princípio da lotaria (ou da meritocracia, mas isso é outra conversa): convencer-nos que (todos!) podemos ser aquela pessoa sortuda que, de um momento para o outro, vê a sorte bafejá-lo e fica milionária. 

Ou então, estão a tentar convencer-nos de outra coisa bem mais maquiavélica: que a felicidade é possível, basta encarar a vida, o trabalho, as dificuldades, com determinação, ter a força de vencer obstáculos e, se estivermos verdadeiramente motivados, lotaria!!!!, só depende da nossa vontade!!! Ahém: não acontece. Ou só a poucos, vá. Dificilmente (nos) vai acontecer. E não será por falta de vontade ou empenho, o mundo está a transbordar de gente esforçadíssima que não passa da cêpa torta.

Notinha final: não faz mal. Não faz mal que às vezes não apeteça, que nos sintamos no lodo, uns falhados, uns tristes. O mundo, a vida, não nos deve motivação. Não nos deve nada, na verdade. Nascemos nus e indefesos, sem controlo nos esfíncteres, mas hei, melhora. Podemos ser melhorzinhos uns para os outros, já ajuda. Não estarmos sempre focados na nossa motivação!, sucesso!, liberta algum tempo e foco! para olhar para o lado. E até aproveitar melhor os momentos que nos dão alegria. Já lá dizia o almada, a alegria é a coisa mais séria da vida, tenho um crachá com isto impresso, e juro por esta máxima.  E, a alegria, não é treta, existe. Sabemos que é passageira, é aproveitar e espremê-la enquanto a temos. Já a felicidade, bom, boa sorte e tudo de bom. Mas tirando alguém a curtir uma valente trip de substâncias, não me lembro de ver alguém em verdadeiro estado de felicidade duradoura.