De repente, sem nada que o fizesse prever, levantou-se o cinzento e recupero o meu mojo: quero ler, consigo escrever, as palavras já me saem de jorro e os dedos voam no teclado, uau, uai, cheia de pica e vontadinhas, e calha bem, que há muito para ler e escrever, o xervixo acumula e é preciso dar vazão, mesmo a tempo, ufa, o meu super-poder é a procrastinação e eis que me detém um pedacinho de kriptonite benfazeja. Vai daí, segunda de manhãzinha, ali pelas oito e trinta, já me sento pronta a fazer brotar torrente de palavrinhas, e asinha, que este aqui tem de sair antes de almoço, liga o bicho, clica aqui e ali, e encrava tudo, programa não arranca, word não abre, ai mãezinha, clica no reiniciar e népias, desliga à bruta e religa, e fica ali a remoer, re-remoer, ainda não são nove e já estou a ligar para os santinhos da informática, ninguém atende, vai-se ao café, tenta-se de novo, um nadica antes das nove lá me atendem do cento e quinze laboral, vem o bombeiro de serviço, ouve as queixas, clica e reclica, ui, se calhar é disco, eu uivo, ele tenta de novo a sua magia, nã, tenho de o levar, eu uivo mais, explico a minha urgência, e o bom anjo promete-me um tareco que ainda terá de desencantar algures para eu conseguir trabalhar. Espero, num só pé; troco de pé; decido que preciso de ambos os pés; começo a cirandar por aqui como uma barata, à roda, à roda; aviso quem é preciso avisar do atraso previsível; nos intervalos uivo; chega o santinho com um chaço debaixo do braço e monta-mo aqui; explico que preciso dos meus docs, ou só um, vá; jura que já mos manda; uivo de novo; toca o coiso e atendo logo à primeira, já sei de cor a extensão e é a que me interessa; veja lá se está aí o que lhe interessa, e eu que sim senhor, muito obrigadinha, todos os deuses lhe paguem; já são onze da manhã, tenho uma hora para costurar esta fantasia; força, força companheira Izzie; acabo apenas com meia horita de atraso, envio, vou a correr avisar que enviei, volto, acendo um cigarro, e ligo a perguntar novas do doentinho, responde-me que está em coma induzido e amanhã talvez; uivo e explico que me acontece tudo, que o de casa também me deu o peido mestre e o jeito que me dava na falta do de trabalho, para adiantar umas cenas no fim-de-semana, e arcanjo dos arcanjos diz para o trazer que também lhe dá uma olhadela, agradeço muito e rasam-me de lágrimas os olhinhos.
Entretantos, hoje é quarta, o animal continua de cama, e lá a ver se não precisa de um transplante de disco que não existe em stock, continuo a contar só com o ferro-velho que rosna enquanto funciona, acata ordens com a velocidade de um caracol asmático em subida acentuada, conclusão, não há aparelho que possa por debaixo do braço e levar comigo, o que me parece mal, afinal estamos em época onde mobilidade, versatilidade e multifuncionalidade são palavras-chave, e olhem, faz-se o que se pode, ao diabo a motivação, a vontade - e necessidade - de produzir, logo às seis ala, de mãos vazias, e segunda que vem cá estamos outra vez.
[lembrei-me entretanto que, por extrema curiosidade, o equipamento informático já está, por decurso inexorável do tempo, a chegar aos limites; não tarda nada - tipo, uns mesitos - está mesmo obsoleto e imprestável para as necessidades, e logo agora, nestes tempos em que a palavra despesa é palavrão. também por curiosidade, todo o actual equipamento foi renovado em tempos de governo pê-ésse - esses despesistas! - usou-se e gastou-se entretanto, e em tempos de governo pê-ésse-dê começou a atingir o fim da sua vida útil. curiosamente - ou não - vai ser durante este novel governo pê-ésse que se vai verificar a absoluta necessidade de renovar o equipamento. mais tarde ou mais cedo lá teria de acontecer. claro que, fosse o pê-ésse-dê governo, e não aconteceria, que essa boa gente, frugal e poupadinha, seria completamente indiferente ao facto de se conseguir trabalhar ou não com o que há, e ainda nos diriam para ter paciência e dar à manivela. recordo, sem saudade, aqueles já longevos tempos de uma fotocopiadora que cuspia pó de toner e triturava folhas a-quatro, e uns computadores que a gente chegava, ligava, ia à bica, trocava larachas com quem encontrasse e, quinze minutos depois, com sorte, já estavam a funcionar. às vezes não, e era preciso reiniciar. giro-giro. tantas as vezes que às dez, onze, ainda não se conseguia. e depois não sei quê que não se produz. pois não. não se faz limonada boa a espremer os frutos à mão.]