Sim, reconheço que no mais que aleatório sorteio da doença auto imune me podia ter calhado (substancialmente) pior, mas, ainda assim, acho mal terem enfiado o meu nome na tômbola.
Ok, não é lupus, nem uma esclerose qualquer (bate na madeira), mas começa por o nome ser muito estúpido e, quando comunicado por escrito, dar azo a mal entendidos: não, mãe, não é uma doença grave, é a doença de Graves. E é tipo ovo kinder: nas entranhas de um chocolate fajuto e muito pouco satisfatório, esconde-se um brinde não menos fajuto e imprestável, que vai ficar lá em casa a ganhar pó e a estorvar e uma pessoa sem coragem para o deitar fora, que era admitir que gastámos numa porcaria nem sabemos porquê, a saber, o hipertiroidismo.
Resumidamente, não é das piores, mas é muito chatinha. E tem muitos sintomas. A maioria deles, confundíveis com os da peri/menopausa, o que dá uma sobreposição giríssima, hilariante, mesmo. E, se não impedem uma existência normal, perturbam um poucochinho. Ou são mesmo socialmente repreensíveis, como o mood swing que te faz explodir à mínima provocação (Nota: a outra pessoa estar viva, respirar, existir, mastigar, calhar estar ali, pode constituir, para quem padece desta patologia, uma "provocação". Ou um trigger, para sermos modernos.) Ao menos já não tremo das mãos nem tenho uns olhões de marreta, que me davam uma vibe de drógada que ui.
O dia a dia pode resumir-se ao primeiro excitex que é "uai, que sintoma, ou sintomas, me vão calhar na rifa hoje?". Sim, o suspense. Até pode não suceder nenhum, mas, até poisares a cabecita na almofada, não sabes. E então, ainda vais a tempo, com a simpática insónia.
Enfim, é muito giro. A boa notícia é que, com o acompanhamento certo, podemos ter a sorte de uma remissão. Ali num ano, ano e meio de tratamento. Que implica ir ajustando a dosagem de um comprimidinho canininho, e ver como está a resultar com análises ao sangue cada mês e meio a dois meses (não me pagam a pub, mas na Luz tiram sangue que é uma categoria, e uma recomendação destas, vinda de mim, é para guardar e jurar por ela). Anyhoo, mesmo com remissão, pode sempre voltar. Porque todos precisamos de um certo grau de inquietação, para nos manter finos.
O único ponto positivo foi o emagrecer, apesar de ter uma fome devoradora e comer tudo o que me apetecesse. Como disse ao médico, pensei que finalmente estava a ter sorte na vida. Já não, com o tratamento voltou o peso todo e mais algum, de bónus. A fome ficou, exceto nos dias em que alterna com uma náusea, que, atenção, também pode ser existencial. Até porque o pior, e que realmente me tira qualidade de vida, me deita abaixo, já me fez quase não sair da cama quinze dias, estar dois meses para ler um livro, não dar vazão ao trabalho, andar com uma sensação de fracasso iminente, de incapacidade burra e acéfala intermitente, é o cansaço, uma coisa que se abate como uma manta e pesa como a atmosfera de Vénus, um cansaço súbito que é uma exaustão total, um agora estás toda fresca, agora quero deitar-me aqui um bocadinho, faz favor, que me drenaram a energia toda e tenho de esperar para carregar.
Decidi que não tenho idade para isto, pertantes, vai-se resolver. Vai melhorar. Sou uma paciente muito obediente e cumpro tudo à risca, aponto até na agenda dosagens, análises, tudo. Ando a ler sobre a melhor alimentação (pah, mas o açúcar, a farinha, o glúten agora fazem mal a tudo?, e a minha torradinha com manteiga?, vou comprar à gleba, é? do chocolate já não me queixo porque - juro - enjoei - eu, uma chocaólica tão dedicada - como enjoei do tabaco), a ler sobre vitaminas, a ler sobre o melhor exercício (desespero, o grande motivador). E vai melhorar. Porque não tenho idade para isto, apesar de já ter chegado àquela idade (!!!) das pessoas (mais) velhas. O despautério, não se faz. Rameira da vida, çinçeramente.