segunda-feira, 27 de abril de 2020

Pragmatismo é o novo ismo

Tirando da equação o cagaço que admito que tenho com o inevitável levantamento de algumas das restrições covidianas,

(pá, qué lá saber do aspecto, não me apanham num cabeleireiro tão cedo, vapor de água a movimentar-se alta velocidade, hein, nope, nope, é desta que grisalho mesmo, e até estou a gostar do tom das minhas pratinhas, toma)

A falta de fé no juizinho e na cidadania alheia 

(méne, fui ao continente - teve mesmo de ser, e envelheci dois anos naquelas três horas - vi luvas descartáveis descartadas em cima do quê, pois, carrinhos de compras, e com uma papeleira ali a cinco metros, a papeleira onde coloquei as minhas, e não morri de enfarte por lá ter ido; e não me puxem o assunto de o pessoal achar que a máscara é para usar com o nariz de fora, ou puxar para o queixo se estão a falar com alguém, mesmo à distância de segurança, que baixa um carroceiro em mim)

Achei por bem fazer por mim e pelos meus (e também pelos outros, né) e já encomendei uma quantidade jeitosa de máscaras de protecção reutilizáveis. Heroicamente, diga-se, não cedi à tentação de encomendar umas todas féchion, com estampados e coise, e mandei vir em branco, preto e azul escuro, ao menos faço pandâ.
Como o seguro morreu de velho e para alguma coisa servem as entidades oficiais, comecei por pesquisar das certificadas. À venda online encontrei duas, uma com as tais coloridas e estampadas, outra com as normaizinhas. Escolhi esta, depois de ler que são produzidas por uma fábrica textil cujos funcionários se encontram todos em lay off, e que vai começar a laborar em pleno graças a esta adaptação.
Ou seja, vou ter um produto certificado, nem por isso caro ainda que inclua IVA (€20 por lote de 5), que vai devolver produção a uma unidade actualmente parada. Tudo somado, cliente fica bem servida com um produto de qualidade, e contribui-se para que entrem impostos nos cofres, que é bem preciso, e que a segurança social deixe de arcar com uma despesa e volte a receber contribuições. Tudo bom.

Para quem compra nas lojas de feicebuque desta vida paninhos feitos por jeitosos/as, lembrem-se disto: segurança, impostos, contribuições, por o estaminé a mexer, a economia a funcionar. O SNS não se financia com boa vontade, isto está para durar, e pronto, welcome to my ted talk, obrigada pela atenção e saudinha.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Até ver

Ainda não fiz pão. Ainda não pintei o cabelo em casa. Ainda não limpei o pó. Ainda não parti o aspirador, a loiça, ou o fogão à marretada. Ainda não apanhei um pifão. Ainda não arrumei as gavetas todas (ou as estantes, ou o roupeiro, ou a papelada, ou, ou). Ainda não li nada de jeito. Ainda não pus o sono em dia.
Também ainda não dei em maluca, mas estou por pouco.
Vai daí, e desde segunda, passei a fazer quarentena e distanciamento social (também) no local de trabalho. Lavo as mãos infinitas mais vezes? Que remédio. Mas a) isto agora é um sossego, mais ainda que no verão; b) não há trânsito; c) não há quase ninguém; d) consigo trabalhar. 

segunda-feira, 20 de abril de 2020

(suspiro)

Este fim de semana sonhei que a minha empregada tinha voltado (saudade!) e, chegando lá a casa, me dava os parabéns por a ter mantido tão arrumadinha e limpa.
Sarcasticozinho, o meu inconsciente, hein.

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Irritações covidianas (parte 2, e desconfio que não última)

Não sei se mais alguém deu conta do fenómeno, mas a mim aparecem anúncios de jogo online, com imensa frequência, nas nets desta vida. Entretanto reparei que também na tv há anúncios a esta praga.

Ora. Portanto. O jogo, sim senhor, só joga quem quer, só que não é bem assim. Também só bebe quem quer, só fuma quem quer, só consome drogas quem quer, desde que tenha a sorte de não ter uma adição / personalidade aditiva. Isto não é ficção, é realidade. Se, para mim, ir ao casino é uma actividade inofensiva e até muito entediante, para algumas pessoas significa um turbilhão do qual podem sair com conta limpa, cartões de crédito no máximo e, no pior do cenários, uma bela dívida a agiotas. Se calhar essas pessoas não fumam, e ó eu, não consigo largar o tabaquinho. É o que é, e não, não se trata de uma questão de força de vontade. Há quem consiga fazer e gerir um consumo razoável de bebidas alcoolicas ou drogas leves, e há quem não pare enquanto não veja o fundo à garrafa - ou garrafeira.

Junte-se a isto a situação actual: pessoas isoladas em casa, muito provavelmente sem acesso aos normais recursos que, em caso de adição em tratamento, as podem aguentar, e a coisa torna-se apenas obscena. Aproveitar o actual estado de lockdown para tentar quem luta contra esta adição e ainda captar mais alguns clientes, parte deles provavelmente com um problema de adição latente e que desconhecem, mas ei, que bela oportunidade para acordar o monstro, hein, e fazer uns cobres à custa da desgraça alheia. Isto também é repugnante, e se há coisas repugnantes que este tempo de excepção tem revelado.

Se há proibição de publicidade a tabaco, restrções imensas à publicidade a álcool, e (óbvia) inexistência de publicidade a drogas, não entendo porque o jogo goza este livre trânsito. Não tenho agora vagar para isso, mas basta uma pesquisa e encontram-se números que demonstram que se trata da adição comportamental mais vulgar, ou seja, não é uma actividade inócua, neutra, e sem qualquer impacto social. Se toda a gente sabe que, no jogo, a casa ganha sempre, é porque o cliente perde. Isto pode ser um entretém passageiro que alguém decide experimentar, ou o princípio do fim da vida de alguém. Já merecia que se pensasse sobre isso com pés e cabeça, e acabasse com esta pornografia publicitária.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

It's not a wonderful life, mas tem dias

Já marquei na agenda do telemóvel a nova data do Nick Cave. Agora é cruzar os dedos para que o Cleese marque nova data, e não se limite a cancelar. Perdi a esperança de em Julho haver condições para um concerto de estádio, mas não perdi a esperança que os Iron Maiden (também) remarquem. É a esperança das pequenas (grandes, grandes!) alegrias, ainda que adiadas, que também nos segura. 

Me mate entra em férias hoje e eu estou yay!, nada nay! OK, é um teste estarmos 24/24 na mesma casa, mas há espaço para todos, e temos ambos uma claríssima noção de que a) primeiro que tudo, respeitar e pagear gatinhos; b) respeitar o espaço um do outro e os respectivos me time; c) o aspirador quando nasce é para todos, e havendo um total de quatro bracinhos os quatro bracinhos limpam, passam, asseiam; d) a promessa de um filme por dia é sagrada; e) dou dois dias para estarmos a almoçar às quatro da tarde e a lanchar ao jantar; f) whatevs, já não vou ficar sozinha o dia todo, yay.

Continua a custar-me muito trabalhar em casa, levo o dobro do tempo a concentrar-me, a pensar e a fazer. Nunca pensei ter saudades da chafarica laboral, mas tenho.


sexta-feira, 3 de abril de 2020

Irritações covidianas

Aquelas pessoas que vão para as redes sociais queixar-se da quantidade (absurda!, anormal!, inconsciente!) de pessoas que andam na rua, documentar com foto, deixando ainda mais claro que também elas estavam na rua.

[ah, mas ó Izzie, eu tinha uma justificação válida. pois, pois. às tantas, também os outros.]

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Everyday is like sunday

E agora vinha aqui fazer beicinho e birrinha de ai que chatice estar em casa, mas não, lamento, checked my privilege e tenho tudo o que preciso (menos chocolate, está a acabar.  vinho também. a tragédia, o horror, vou tentar manter a serenidade). Não caem bombas lá fora, o ordenado cai por inteiro, eu gosto mesmo de mi casita, e dispenso a (maior parte da) interacção social. Descobri entretanto que sou como os cãezinhos e me faz muita falta ir dar uma volta à rua, mas varanda. Agora não, que está frio, mas varanda. Donde, 'tá-se, pelo menos por aqui.

O que não implica que admita algumas dificuldades. A ansiedade está controlada, mas houve dois dias que exigiram um esforço extra. A deprê é o pior (passei três dias seguidos em que fiz nada, nenhum, nestum, para além de ter o rabo colado ao sofá e a tv ligada), mas eu já cheguei a um nível avançado, sei a) reconhecer; b) perceber que em grande parte é reactiva, derivado de situações; c) dar-me tempo; d) ser generosa e paciente comigo; e) estratégias para reagir, sempre considerando as alineas c) e d).

Tirando a parte psicopatológica da coisa (it is what it is), a coisa faz-se. Não obstante e apesar de
- custar-me imenso não ver a minha mãe (o meu irmão, os meus sobrinhos) desde o funeral, mas we'll always have tufone;
- me mate continua a trabalhar presencialmente lá no bordel onde ganha o tostão; como não conduz eu saio duas vezes por dia (ooohhhhhhhhhh) para o levar e trazer, o que também me obriga a manter uma rotina (que a minha velha amiga neurose se empenha em destabilizar);
- só de pensar nas filas (aawwwwww) cada vez tenho menos vontade de ir às compras, mas também é menos que se gasta em porcarias;
[falando em compras, a situação mêmo, mêmo crítica não se prende com chocolate e vinho, mas com os biscoitos dos gatos. estão a acabar, e temo uma sublevação que faça da revolução francesa uma brincadeira de carnaval. e aqui a estúpida esqueceu-se deste pormenor quando mandou vir cerca de meia tonelada de areia da zooplus.]
- o home vai ter de cortar o cabelo e aparar a barba em casa, e isto roça a tragédia porque está em causa um exemplar que tem por hábito ir ao barbeiro de três em três semanas e eu já não o posso ouvir [a menina cheia de raízes e a menina, estóica, não bule, não bulha, não bufa], mas chegou hoje a encomenda de máquina de corte, haja piedade;
- esta casa precisa mesmo, mesmo, mesmo de ser aspirada com frequência, isto de quatro gatos é muito giro mas apre;
- continuo a ter imensa dificuldade em me concentrar e trabalhar em casa mas, felizmente, também não tenho muito para fazer, graças à falta de entradas e solicitações derivado da (quase) ausência de fregueses; assim se mantenha, mas o depois é que vai ser, credos, penso nisso depois;
- agora que era uma óptima oportunidade para fazer umas senhoras arrumações e me livrar de monos é que a Câmara limita a recolha de lixo; eu percebo, sou empática, o pessoal da higiene urbana está muitíssimo exposto, ganha mal que se farta e ninguém lhes dá valor (pelo menos fora destas épocas de excepção), mas eu sou uma fã de longa data e, se mandasse, não levavam menos de mil líquidos para casa, mais subsídos;
- os cafés estão todos fechados, pelo que não há aquele magnum cor de rosa para ninguém, e isso aflige-me muito, do que me fui lembrar, já não consigo dormir hoje;
- eu cá não sou de intrigas nem de andar a fomentar feique nius, mas tenho p'ra mim que esta casa tem um poltergeist que se entretem a sujá-la, só isso explica que o casal residente faça a lida de ponta a ponta, com todo o brio, e no dia seguinte já esteja tudo com um ar apocilgado.
 

E depois há as partes muito, muito boas, tais como
- Parasitas é mesmo um grande filme, e ainda não percebo como levou o oscar, desconfio que muita gente lá nos states não tenha percebido bem, porque, pá, sejamos francos, um povo que premeia esta pérola mas ao mesmo tempo mantém intenções de eleger o Cheeto in Chief de novo, pá, não computa;
- ontem vimos uma chanfradice com o Vincent Price e a Diana Rigg que aconselho muitíssimo porque a) é uma chanfradice; b) Vincent Price; c) Diana Rigg; d) é uma farsa que ó, com uma estética brilhante, um tom e um over acting comoventes, Theatre of Blood, superb;
- praticamente não leio, mas não é de agora (tenho a meio um livro, aliás belíssimo e que estou a adorar, desde as últimas férias de verão), nem se explica depressa, mas como acho este estado de coisas uma tristeza, virei-me para a graphic novel e, chegando agora ao ponto, Blankets is a thing of beauty, e me aguardjem que tenho ainda o Habibi por encetar [não recomendo Sabrina, apesar de ser mesmo muito bom, porque para ter vontade de cortar os pulsos já basta o que basta];
- o quarto extra começa a ganhar forma e até já parece uma divisão normal, em vez da caverna tenebrosa que servia de depósito de livros, action figures, lego, ferramentas, DVD (sim a gente ainda usa disso, experimentem encontrar aí nos vossos streamings coisas omo aquela que citei ali acima, ou o Phantom of the Paradise, uma senhora maradice em formato musical que é um diamantezinho que ó) e outras cangalhadas de bricolage e DIY;
- não tenho metade do apetite que tinha antes disto começar, as calças ainda me servem, e até estou a comer melhorzinho. ahahahahah, comer melhorzinho. pois, ignorar esta parte, mas o resto é verdade. a sério, como é que se tem fome se um gajo não faz nadinha, para além da caminhada sala - cozinha -quarto- casa de banho? nem fome nem gula. [não conheço esta pessoa. não sei se a quero no meu inner circle].