terça-feira, 31 de dezembro de 2019

[who are you?]




Há uma (entre muitas) cena / linha de história poderosíssima em Six Feet Under (Sete Palmos de Terra) que me marcou como um ferro em brasa, e se na altura me perguntassem porquê não saberia explicar. Hoje sei.
Sucedia que a matriarca Ruth Fisher, já viúva há uns tempos, conhecia um homem da sua idade (George Sibley, iep, tive de ir ao imdb), um tipo interessante, cativante, que a arrebata. Acabam por casar e, sem qualquer aviso, a pessoa alegre, romântica, encantadora, dá lugar a um sujeito apático, com surtos de mau humor, isto quando sequer sai da cama. Não me recordo com inteiro pormenor, mas quando para o espectador se torna claro que o personagem passa por uma depressão profunda, surge a sua filha adulta, que esclarece Ruth que o pai sofre de doença maníaco-depressiva (ou transtorno bipolar), sendo recorrentes os períodos de depressão profunda após (aparentemente bons) tempos de disposição em alta. George precisa de terapia electro-convulsiva nestas fases depressivas, mas ainda assim o tratamento não é garantia de que "saia" daquele estado, não se podendo prever a duração das fases mais negras.
Ruth sente-se enganada, revoltada, e declara que nem conhece aquela pessoa nem tem condições - ou vontade - de tratar dela. No contexto e história pessoal da personagem entende-se, claro, e é isso que faz da série uma coisa do outro mundo, os personagens têm gente dentro, não são maus ou bons, e os seus comportamentos não são clivados em certo ou errado. Mas o/s espectador/es também são pessoas, e também têm histórias dentro. E o desenvolvimento ficcionado da relação entre Ruth e George, senti-o como um murro no estômago: quando ele regressa de um tratamento em regime de internamento ela arrendou(lhe) uma casinha, para onde o leva, e onde ele passará a viver. Não que eu tenha especiais issues com abandono (que saiba), mas esta resolução indignou-me a um ponto que não conseguia tolerar. E acabou por ser um tema de discussão entre mim e me mate, eu a defender que ele era a mesma pessoa que ela tinha conhecido e por quem se tinha apaixonado, que o facto de ser doente mental não justificava este abandono, que onde há amor e vontade há solução, e que ela estava a ser profundamente egoísta e superficial, para além de ignorante. Já me mate, sem tomar partido, fez-me notar que ele a enganou, verdadeiramente, pois ocultou-lhe sofrer de doença de que bem sabia padecer; e que também era legítimo concluir que a podia ter usado, garantindo através da relação e casamento que teria quem tomasse conta dele. Percebi o ponto de vista, mas ainda assim mantinha a minha posição: não se abandona a família, quem se ama, ponto. Não que acredite em amor puramente incondicional, há e tem de haver limites (mal fora), e há actos que rompem definitivamente qualquer sentimento de lealdade para com o outro. Mas, naquela situação, não achava que fosse o suficiente. Ainda não acho. Entendo, compreendo, até empatizo, mas não concordo com a opção de Ruth.

E vem isto a propósito da ironia que é a vida, por vezes, nos atirar para uma cena / linha de história que vem testar as convicções que com tanta ousadia e até alguma inflexibilidade uma vez defendemos. Não que fosse uma situação decalcada, afinal não se trata(va) de um casamento de poucas semanas, mas de anos; e se uma parte já sabia de parte do problema, embora desconhecendo a complexidade, profundidade e gravidade de determinada condição, a outra parte também não sabia, ou não conseguia, racionalizar o que se passava. Mas desta parte houve ocultação de sintomas, um fazer de conta que nada de mais grave que o que já se conhecia passava. Até ao dia em que o dique, laboriosamente construído e mantido, não conteve a torrente, e passaram a ser dois os conscientemente atascados no lodaçal. Estava ali, não podia um ignorar nem o outro disfarçar (mais). E era preciso agir. Ou não agir. Mas, primeiro, e para uma das partes, impunha-se gerir o choque, assimilar a tremenda alteração de circunstâncias, enfrentar uma realidade que afinal já intuía mas não sabia (se porque não tinha como saber ou também escolheu, inconscientemente, não querer saber, é agora pouco relevante).

Foi assim que aconteceu, e me vi sem saber quem eu era, o que era, o que vivia, como viveria, então; e fui obrigada a decidir o que queria viver, como, com quem. Saltar fora e seguir, ou ficar. 

Long story short, fiquei. Decisão consciente, tomada livre e esclarecidamente. Não totalmente, é certo, que ninguém tem poderes divinatórios para saber de antemão se é viável, se é acertado, ou se é sequer no nosso (de um, do outro, de ambos) melhor interesse. Não sabemos nada, na verdade. Adivinhamos que não vai ser fácil, que vai ser longo, que não há uma solução providencial debaixo de uma pedra da calçada  - ou na lábia de um qualquer charlatão que ganha e passa a vida a ensinar os outros a viver. Vai doer, vai demorar, vai haver sobressaltos, frustração, tristeza, desânimo, recaídas, recomeços; dias em que pomos em causa todas as decisões tomadas e acções empreendidas, outros em que encontramos ainda uma restiazinha de força e determinação onde se pensava já não existir nem uma nem outra. Vai ser preciso (re)aprender tudo o que julgávamos já conhecer, estudar, acompanhar, amparar, simplesmente estar lá. Vai haver dias em que se desespera, fica muito zangado, apetece desistir e mandar tudo às malvas. E, nos entretantos, é preciso continuar a nossa vida, o trabalho, a rotina; encontrar outra vez o nosso ponto de apoio, dar muitas auto-palmadinhas nas costas, insistir e acreditar que ei, até não estamos nem vamos nada mal, isto vai, ó se vai, que remédio se não ir.

E vai. Vai indo. Hoje melhor que ontem, e esperemos que pior que amanhã. Houve tudo o que esperava e também o que não esperava. É lidar. Ir lidando. Lá vontade (leia-se teimosia) não falta. Nem amor. Muito. Nos dois sentidos. Mesmo nos dias em que, já no limite da paciência e cansaço,  sonho que se materializa ali uma tábua cheia de farpas e pregos ferrugentos e lhe prego com ela nas costas, ou lhe cai uma bigorma na cabeça (à desenho animado warner bross, cada um tem as referências que merece). Nos dias muito bons de risos, camaradagem, conforto, profunda empatia e partilha. Nos dias  assim-assim, em que tenho de me esforçar para moderar a minha impaciência. Vou encontrando o meu ponto de apoio, o trabalho faz-se (que remédio, as contas não se pagam sozinhas), vou voltando a reconhecer-me, a saber quem sou, o eu individual que se sentou tantas vezes no banco a fazer tempo de ser oportuno voltar a jogo. Vou, de novo, sabendo quem sou. Reconhecendo-me em quem sou, ou lá o que é, não tenho muito jeito para balelas meta. Mesmo nos dias piores, e se os houve (e haverá, ou não), sei quem sou.



Não me arrependi. Nem desisti.
Vai começar a quinta volta ao sol desde a grande enxurrada, e cá estou.
Estamos.
Vamos a isso.


[não pude nem quis contar esta história antes. agora posso, e apeteceu-me. não é uma feel good story, não é um conto encantado com uma moral a reter, não é um choradinho a pedir abracinhos, beijinhos, palminhas, encómios vários. é uma história, e calha ser também a minha.]

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Paz na terra e o caraças

Uma pessoa sai à rua no dia 26 e percebe que o espírito natalício tem um prazo de validade mais curto que natas frescas deixadas fora do frigorífico: triste, triste espectáculo de sacalhada amontoada à volta de todos os ecopontos azuis.
Pá. Pá, a sério. Dia 24 e 25 não há recolha de nadinha, de nenhum resíduo, porque o pessoal da higiene urbana também tem direitos. E a recolha de diferenciados não se faz todos os dias. Custa muito acondicionar a papelada num saquito e deixá-la lá em casa uns dias? Bolas, o papel nem cheira, sequer!
Se calhar é o mesmo pessoal que suspira de saudades do tempo em que havia respeito, e tal.
E nem vou falar nos dois doidos varridos com quem nos cruzámos na estrada, no regresso a casa na noite de 24. O fulano que conduzia a pick-up a abrir, aos ésses entre carros, a fazer sinais de luzes a quem tivesse o topete de estar à sua frente!, ainda percebo: devia estar mesmo stressado para ir buscar o fardo de palha para a ceia.
Credo, é mesmo um milagre não morrer mais gente na estrada.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Patetas Anónimos

Olá, eu sou a Izzie, e porque tenho vergonha que a senhora da limpeza os veja no lixo e tire daí conclusões (decerto merecidíssimas), guardo na mala as embalagens dos chocolates e todas as outras porcarias que consumo aqui no trabalho, para as deitar fora em casa.

[olá Izzie?... anyone?]

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Resisto a tudo, menos à tentação

Sou absolutamente louca por livros [extraordinariamente] bonitos.









(sim, este foi comprado pela capa. e pelo autor. valeu cada cêntimo. não é para crianças, já agora)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

News flash

Sem tempo? Fobia a espaços comerciais ultra-cheios? Firme crença de que comprar merdunchas para um horror de gente é não só a) financeiramente desastroso; b) ecologicamente (muito) questionável; c) uma perda de tempo que já não volta (e um gajo já não vai para novo); d) um camadão de nerfes assegurado; e) uma forma muito estúpida de demonstrar amor e carinho por quem o merece?
E, em cima disso tudo, ainda há muita comprinha de Natal por fazer?
Izzie sugere, Izzie resolve.
Ide aqui ao link, e resolveide todos os problemas supra. Com o acréscimo nada negligenciável de que estão a oferecer algo efectivamente útil a quem desesperadamente precisa.
De nada.

Finalmente, ainda é cedo, mas nunca é tarde para recomendar uma das melhores contas insta e espalhar a palavra. Tomaide nota.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Ecoponto rosa

A falta que me fazia ter um manto de invisibilidade, para as situações em que não posso deixar de estar, mas me convinha muito, tanto, não darem por mim. É que é sempre para caralhices do caneco, para merdices que valhamecoiso, e para as quais, vá-se lá perceber porquê, me acham habilitada, me procuram. Eu. A deprimidinha certificada desde os vinte (mas angustiada desde que tomei consciêcia de mim). A ansiosa e fóbica social. A introvertida com jeito nulo para lidar eficazmente com 'ssoas em contexto pseudo-psicoterapêutico. E é a esta alminha, não sei por que raios e coriscos, por que raio de maldição ou má fortuna, que calha sempre, mas seeempre a rifa do dar colinho, nomeada mas não exclusivamente à nova aqui do lado que está a espiralar desde passada uma semana de cá chegar; o oferecer o abracinho consolador, o "vá, vá", a palmadinha compreensiva no ombro à outra que tem mais energia num dia mau que eu num dia bom; o dispensar -  a quem precisa, e há muita gente a precisar e a dar-me conta do facto - da palavrinha amiga e esperançosa, o sublinhar que as coisas se resolvem ou a gente adapta-se e acaba a aceitá-las como são; acabando, por norma, a rematar com o suspiro final que sela a irmandade na aflição: "é lidar".
Donde, portanto, resumindo, concretizando, não percebo porque me calha sempre, a mim, à desorganizada mental, à ventania cerebral, ao tornado emocional, esta sina de caixote do lixo das agruras alheias, e é nestes momentos que dou graças pelas costas todas fornicadinhas que me impedem de andar de metro e autocarro, ou ainda acabava a acumular o/s desabafo/s de um/a qualquer desconhecido/a (acontecia-me muito), que tomava a cara de parva aluada de perdida na vida como sinal inequívoco de está ali uma pessoa que quer ouvir, vai empatizar e decerto entenderá (e até ouço, empatizo, e entendo; mas dispensava a solicitação. ou tanta solicitação. porque depois sobro eu. e o silêncio.).

[a emissão segue dentro de momentos]