sexta-feira, 27 de setembro de 2019

A minha vida dava um (mau) quadro de revista [ou mais um dilema Olívia patroa, Olívia costureira]

Exma. Sr.ª Dr.ª Arq.ª Eng.ª Izzie Benedita Cayettana  Betttttencourt Saaaavedra Melllo,
Presidente do Conselho de Administração de Izzie Unipessoal [muito] Limitada,
Excelência:

Inicio esta cândida missiva apresentando os mais sentidos, vibrantes, entusiasmados cumprimentos, de que aliás V. Ex.ª vem sendo reiteradamente merecedora desde o início de seu auspicioso mandato, o qual vem, dia a dia, hora a hora, honrando com a mais briosa, honesta, rigorosa prestação de que há memória.

Versando agora o assunto que me leva a incomodar V. Ex.ª, distraindo-a quiçá de seus muito exigentes e elevados afazeres - mas decerto não a fazendo esquecê-los!, que seria! -, com certeza não olvidou a medida urgente de contenção que foi imposta na transacta semana - e merecidamente!, -  devido a um desvio orçamental imprevisto e que - mea culpa!, mea culpa! - me é inteiramente imputável. Não pondo em causa a premência, a necessidade, mais, a finíssima justeza de tal medida, venho, todavia, perante V. Ex.ª, de mãos postas e cabeça curvada, solicitar que a reveja. Não peço que a revogue, que a vergonha que ainda me faz ruborescer as faces ao recordar o episódio não permite que tenha tal desfaçatez! Ouso apenas apelar a que, procurando no âmago de seu espírito benfazejo e magnânimo, me conceda uma singela moratória, por ocasião de se me ter atravessado uma oportunidade aquisitiva que se afigura não só oportuna como sensata e até contida.

Concretizando, o mais sucintamente possível, que já lhe adivinho o cenho franzido, o semblante carregado de quem não possui o luxo de poder perder tempo com miudezas e frioleiras de economato, cruzei-me com um singelo vestidinho, muito composto e adequadíssimo às funções que venho humilde mas, creia-me, muito empenhadamente desempenhando nesta unidade produtiva, e a um preço compatível não só com a minha importância como funcionária, como também com a minha mediania como pessoa. Sucede ainda que, calhando estar precisada de substituir o blazer preto de meia estação, encontrei um muito capaz, muito discreto e apropriado, que faria - feliz coincidência! - um agradável ensemble com o referido vestido, cumprindo o seu custo monetário os mesmos requisitos de moderação que o sobredito.

Certa de que este inusitado e, concedo, insolente pedido merecerá a mais benévola e complacente apreciação, coloco-me à mercê de V. Ex.ª, aguardando se digne favorecer-me com uma sábia e ponderada resposta.

Com a maior estima e consideração desta sua empenhada colaboradora, amanuense, criada para todo o serviço,
Izzie Maria da Conceição Silva

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

The kids will win



Aqui há atrasado estava eu num quiosque da nespresso, à espera de vez, quando o indivíduo à minha frente, já escolhidas as cápsulas, todas postas no saquitel e a fazer o pagamento, é perguntado pela senhora que faz o atendimento sobre se pode colocar um saco verde que empunha junto do aviamento. O fulaneco, já entradote, aliás bastante entradote, denunciava-o não só a cabeça branca, acompanhada de careca e rugas, mas também o autefite típico de bélhote féchion (camisa de manga curta aos quadrados a fazer pandâ com calça bege puxada o mais acima que o gancho permitia), dizia eu o cota, não, cota sou eu, o ginjas, fica meio surpreendido, pareceu-me que pergunta sobre o dito saco verde, e a senhora explica, da recolha de cápsulas usadas, quando estiver cheio fecha o saquinho e depois deposita-o no sítio onde aponta, penso que explicou mais, provavelmente que usam o café para composto e o alumínio é reciclado, que a conversa não é tão curta assim, e o bélho, talão já na mão, faz um aceno negativo, daqueles muito displicentes, a acompanhar um aceno de cabeça de "estou lá para isso".

Ora eu, já a ser atendida, e que ia aviar um horror de cápsulas porque queria uma máquina nova aqui para o estaminé, fiquei parva e pasma, ali a cair para a indignação fervente que costuma anteceder eu meter o bedelho onde não sou chamada e interpelar alguém. Como estava a ser atendida e a contar sleeves, e me baixou um certo pingo de noção, pá, já tive tão más experiências quando me dá para ceder ao impulso de educar estranhos, um dia conto a do lugar de estacionamento de deficientes, fiquei-me, a ecoterrorista cá dentro aos pontapés e a berrar "pois, qualquer dia morres e queres lá saber, né, ó velho do c@ralho".

É que se fossem só os velhos, mas nestes noto mais incidência, mas se fossem só eles, que até nasceram e cresceram sem plástico, mas tanta, tanta gente a não querer saber. São decerto os mesmos que acham uma patetice estas greves e marchas pelo clima, acham a Greta uma criatura bizarra, risível, e não se coíbem de o dizer, e alguns até negam evidências de quem estudou e sabe mais que o comum cidadão, com aquela atitude blasé de quem não vai estar cá para ver. Se calhar eu também não, mas ao menos pensassem nos filhos, netos, sobrinhos. Ao menos prestassem atenção, lessem umas coisas, a burrice é doença crónica mas a ignorância é uma opção, cura-se facilmente. Basta haver vontade.

[claro que reciclo cápsulas, bem como as respetivas embalagens de cartão, e todo o material reciclável vai parar ao devido contentor. até tento, juro que tento, consumir o menos plástico possível, reutilizar papel, e faço compostagem. se calhar não chega, bom, não chega mesmo, que a responsabilidade individual enquanto consumidor é uma ideia muito bonita, mas sem que quem tenha poder de decisão a larga escala cumpra o seu dever estamos largados num caminho sem retorno. mas porra, custa muito recolher umas meretrizes de umas cápsulas e levar quando se vai reabastecer, caroço?] 

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Eu não tenho palavras, eu não tenho vinho

Ontem apareceu-nos isto nas recomendações do iutubas. É demasiado bom para a) não partilhar; b) ficar esquecido nos confins de uma plataforma.
Enjoy.





 

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Crime e Castigo

Ena, já cá não vinha, ó.

(perdi a noção do tempo e, a bem dizer, não há nada de relevante a assinalar. a vida aqui nas trincheiras continua a mesma de sempre: lama e trampa até aos joelhos, muita coceira, muito palavrão; de quando em vez até me vem à ideia um assunto sobre o qual me apetecia dissertar, mas depois dá-me o "nah" ou o "isto não interessa nada / a ninguém" principalmente, não tem interesse - ou perde-o - para mim. ando assim, e ao que julgo saber não há medicação eficaz contra a apatia, atonia, ou simples indiferença. feito este parentesis - que na verdade não interessa nada - adiante)

E o que me faz vir é mais um sentido de dever aliado à função de almanaque, agenda, repositório de efemérides ou memórias que também é um blog.

Passou-se então que fui autuada.

(pausa para choque, desmaio, tempo para a criada - fardada, que isto aqui é um sítio chique - ir buscar os sais ou o copo de brandy, conforme o gosto)

Verdade. Bloquearam-me o carro, espetaram-lhe um autocolante no vidro do condutor, e enrolaram-no numa fitinha festiva.
A culpa foi 100% minha, que não vi / optei por não ver / ignorei a presença de um sinal que dveria ter lido devidamente. Estava onde não devia estar, exercendo o estacionamento em vez do carregamento / descarregamento.
Podia enumerar atenuantes como i) tentem lá encontrar um buraquinho onde por o carro no Saldanha às cinco da tarde; ii) sim, mesmo a pagar; iii) tinha onde estar dali a pouco; iv) apanhei o lugar quando um anterior ocupante acabava de sair, e foi maior a exultação que a cautela. Mas isso não limpa a culpa, mea culpa, minha máxima culpa. Ganda totó.

Algumas notas, que me parecem relevantes, no estilo Reader's Digest que este post assumidamente assume:

- Até ontem às 17.06 horas tinha o cadastro limpo. Carta com quase a mesma idade que a minha licenciatura (mais uns meses), uma multa de estacionamento em 1998 ou 1999 que foi amnistiada por via de uma visita papal, e em 2019, pumbas, para o lixo uma reputação e historial imaculados.

- Derivado do supra revelado, não fazia ideia a quanto ficava uma multa, mas doze contos não achei muito. Ainda sou do tempo de multas (coimas, em rigor) de estacionamento de cinco contos, e na altura doía mais, ainda dizem que o país não evoluiu. Já os tre(U)ze contos para me tirarem o coisicho com que adornaram a roda dianteira direita, achei carote. Enfim, é pagar e não bufar. Feitas as contas, é preciso amortizar o investimento no material, a mão de obra dos funcionários, o gasóil da viatura, pronto, já não digo nada. É o mesmo que paguei para me aranjarem um autoclismo, e o dito estava colocado em propriedade privada, no espaço a tanto destinado, sem embaraçar qualquer profissional de entrega de cenas que precisasse do espaço.

- Tirei o tiquê de estacionamento às 17.00 horas, às 17.06 toparam-me o veículo em infracção e bloquearam. Ainda dizem que a justiça não funciona, ou é lenta, ou o caraças.

- Entre ligar para o número de telefone que estava no autocolante, ser atendida por um sistema automatizado, inserir o número de série do autocolante e chegar a simpática viatura com os afáveis funcionários da EMEL decorreu o tempo exacto de ir comprar um cornetto de chocolate (e um magnum amêndoas para me mate), ingerir o dito, e acender um cigarro. Ainda dizem que as instituições não funcionam, são lentas, ou o caraças.

- Pus o funcionário da EMEL a rir quando, enquanto tirava a fita, reclamei "ao menos deixe-me ficar com a fitinha, caramba, pelo preço TEM de estar incluída." Deu-me a fitinha. Não me deu o prémio da freguesa do dia (quiçá semana, quiçá mês, arrisco mesmo ano), que aposto que não têm recepções destas com frequência. Devem ouvir boas, devem. Têm (quase todos) um ar de stress pós-traumático que não se aguenta.

- De resto, tudo com a maior normalidade: mostrar cartão de cidadão, carta de condução, documento único não foi preciso (mas tinha-o comigo) porque bastou inserir a morada que facultei no computas, e tau, multibanco, introduz cartão, verde-código-verde, sai o papelucho da mini-impressora, assine aqui, este é para nós, esta é a sua cópia. Muito eficiente.

E pronto, fiquei mais pobre em cento e trinta euros (cento e trinta e dois e cinquenta cêntimos, se somarmos o pagamento do estacionamento), muito aborrecida com a minha falta de cuidado, e estou inibida pelo meu conselho de administração de qualquer gasto supérfluo, fútil ou recreativo até ali ao Natal.
Merecido.


[disclaimer final: não odeio a EMEL e muito menos os Emelitos, que se limitam a fazer o seu trabalho. pelo contrário, sou total e empenhadamente a favor da gestão do espaço público de estacionamento, e do respetivo pagamento.]