terça-feira, 21 de julho de 2015

I always pass on good advice*

[ *It is the only thing to do with it. It is never of any use to oneself.]

Da minha observação diária do comportamento da espécie, derivado do convívio forçado com as enchentes de turistas que assomam a esta capital soalheira, tenho notado que deve haver graves lacunas nos guias turísticos que esta gente consulta antes de nos visitar. Donde, e porque sou uma pessoa feita de altruísmo, sempre disponível para ajudar o próximo, e porque, principalmente, gostava de não chegar a pontos de loucura que me levem a dar vazão à minha cada vez mais premente compulsão de empurrar turistas para a linha do metro / debaixo de um camião, ofereço-me para preencher tais lacunas, fazendo o rascunho do panfleto que realmente interessa, aquele que deveria ser distribuído no aeroporto, cais de Santa Apolónia, estações de comboios.

1 - Não comprem azulejos antigos. Não disponho de dados fiáveis, mas apostava de 99% têm origem em actos de vandalismo ou gamanço puro. Também não levam pedras de calçada ou uma nica de pedra dos Jerónimos convosco, pois não? Então não comprem azulejos antigos.

2 - Respeite o indígena. Não o irrite, desconsidere, apouque. O povo autóctone ainda não é espécie protegida, mas merece o seu carinho. Além de que é muito mais interessante e patusco se observado no seu habitat natural, sem interferência hostil do observador. Esta é uma premissa básica, muitas das regras seguinte derivarão desta, mas imbua-se de espírito David Attenborough: você não se poria a correr à frente da leoa e levava-lhe a corça, pois não? Não, era má ideia. Interfira o menos possível, e de forma amistosa. Atitudes colonialistas são tão last century.

3 - Não mimetize certos hábitos do indígena. Meu amigo turista: atravessar a rua com sinal vermelho para peões parece fácil, mas não é. Trata-se de uma ciência em que somos formados desde que adquirimos uso das pernas. Começamos pelas mãos de nossos extremosos pais e, um dia, já adquiridos todos os conhecimentos teórico-práticos, é que nos aventuramos. Vocês chegaram ontem, não conhecem os segundos de pausa entre um sinal fechar e outro abrir, ignoram a fórmula de cálculo ruído do arranque/tempo até o carro aqui chegar, não se metam nisso.

4 - Não se plante com ar pasmado em locais de passagem. Desenvolvendo a regra 2, há que precisar que, embora não tenha fama disso, o indígena trabalha. E desloca-se para o local onde. O indígena usa meios de transporte, e precisa de atravessar a plataforma do metro, aquela onde vós estais estacionados, isolados ou em grupo, com o/s fideputa/s do/s trolley/s no meio do caminho. Idem aspas para passeios, escadas rolantes ou não, enfim.

5 - Desodorizante, por favor. Se está familiarizado com o uso da substância, note que devido ao clima notoriamente mais quente e húmido que aquele a que está habituado, precisará de uma dose superior à habitual. Se não tem o hábito de usar tal produto, porque acha que não precisa, duas notas: a) precisa sim senhor/a; b) use o dobro do que acha razoável. Recomenda-se também pelo menos um banho diário, para remoção de suores bafientos, e muda diária de roupa que tenha estado em contacto com ditos suores. Contribua para um ambiente são.

6 - Compre um bilhete de transportes, daqueles verdinhos, recarregável. Por incrível que pareça, o indígena usa os transportes públicos (sim!, eléctrico incluído!) para coisinhas do seu dia-a-dia (ver ponto 4), e as 'ssoas têm mais que fazer que esperar que vocelências contem trocos e comprem o bilhete ao motorista (ver ponto 2). O indígena já esperou pelo transporte, não precisa de esperar que os emplastros se amanhem para usar o dito transporte. O indígena irrita-se com a espera, não o provoque.

7 - Use protector solar. Sim, a estrela que nos alumia, solinho de seu nome, é a mesma que vedes na vossa terra, mas aqui brilha mais forte. Nós, que nascemos aqui, e habituados que estamos a ser tisnados desde nascença, já temos peles mais ou menos habituadas, mas mesmo assim há quem seja sensato e se proteja. Para vossas alvas peles, menos que factor 50 é perigo de morte, no rosto aconselha-se mesmo ecrã total. E cubram as cabeças, santo Deus. E andem pela sombra. E não se estendam a apanhar banhos de sol nas horas mais quentes. Que aflição.

(continua?)
(aceitam-se sugestões)

Sugestões de Rita (e todas muito pertinentes, vou acrescentar só uma coisinha na questão dos recibos)

8- Não vá jantar a uma casa de fados, vá a uma casa de fados depois do jantar. Nenhuma delas é conhecida pela sua cozinha, pelo que não faz sentido pagar por uma refeição corrente o preço de um restaurante com várias estrelas Michelin. Para além disso, o facto de estar aberta depois da hora do jantar ajuda a distinguir a verdadeira casa de fados do antro para turistas. 

9- (decorre também de dois)
Por estranho que pareça, muitos dos nativos não querem aparecer no seu feed de instagram, quer sejam simples traunseuntes ou velhotes very typical. Por isso, se quer fotografar um local, deixe as pessoas passar primeiro, se quer fotografar alguém, peça autorização. E aceite uma negativa com naturalidade, as pessoas não são atrações turísticas. 

10- Se alugou uma casa a um privado, peça recibo. E confirme, antes de reservar, de que vai receber um recibo no fim. Não contribua para a economia paralela ao sustentar rendimentos não tributados a atividades comerciais que estão a por em risco as comunidades dos bairros históricos. Se ficar num prédio residencial, respeite o horário de ruído. [acrescento pedir recibo também ao pessoal dos tuk tuk, pelas mesmíssimas razões]

11- Não compre marijuana a vendedores de rua na Baixa ou no Bairro Alto, a única razão para não serem detidos pela polícia é o facto de venderem apenas uma very typical mistura de ervas mediterrâneas. 

12- Não leve Pastéis de Belém como recordação - alguns bolos portugueses estão comestíveis um ou dois dias depois mas isto não se aplica aos Pastéis de Belém (independentemente dos seus méritos relativos, que já discuti noutro sítio há muitos anos - resumo: não são os melhores pastéis de Nata nem nada que se pareça mas sim, quentes também como dois ou três - basta dar uma dentada duas ou três horas depois para perceber que não vai levar ao seus amigos uma recordação que evoque a experiência que teve na confeitaria). Opte por bolos mais secos, como as queijadas de Sintra, com shelf life mais longa, como os ovos moles (se a viagem for exclusivamente de avião ou não muito longa) ou por queijos ou enchidos.

13 (e por falar nisso)-Prove os queijos. No plural. 

14- Evite viajar nas horas de ponta, é mais desconfortável para si e mais irritante para os locais. Se quer ir cedo para evitar as multidões, vá antes das 08:00, a partir das 09:00 vai andar em transportes sobrelotados e chegar às atrações que quer visitar no momento em que as filas são mais longas - justamente o que queria evitar. 

15- Se estiver numa walking tour, certifique-se de que o seu grupo não está a impedir a passagem dos transeuntes e moradores. 

16- Não coma sardinhas no Inverno. 


Sugestão de Ana:

17 - Não se ponham plantados à frente das portas das carruagens de metro, pois se quem está no metro não consegue sair vocês também não conseguirão entrar!
(infelizmente esta serve também para muitos indígenas que faltaram às aulas de física e não sabem que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo...)

Sugestão de Isabel:

18 - Cuidai que a nossa cerveja é mais forte que à que estais habituados. Bebei com moderação e poupai-nos a espectáculos pouco dignificantes. Além de que rosetas etílicas em peles translúcidas são muito pouco atraentes!

Sugestão de Tum Tum:

19 - Evite empurrar o/a nativo/a para baixo do eléctrico! Evite abalroar nativos baixinhos. Vós sois grandes, pá. Muito grandes. Maiores que nós, vá. Tende dó.


(está aqui o guia definitivo, quer-me parecer)

18 comentários:

  1. 8- Não vá jantar a uma casa de fados, vá a uma casa de fados depois do jantar. Nenhuma delas é conhecida pela sua cozinha, pelo que não faz sentido pagar por uma refeição corrente o preço de um restaurante com várias estrelas Michelin. Para além disso, o facto de estar aberta depois da hora do jantar ajuda a distinguir a verdadeira casa de fados do antro para turistas.

    9- (decorre também de dois)
    Por estranho que pareça, muitos dos nativos não querem aparecer no seu feed de instagram, quer sejam simples traunseuntes ou velhotes very typical. Por isso, se quer fotografar um local, deixe as pessoas passar primeiro, se quer fotografar alguém, peça autorização. E aceite uma negativa com naturalidade, as pessoas não são atrações turísticas.

    10- Se alugou uma casa a um privado, peça recibo. E confirme, antes de reservar, de que vai receber um recibo no fim. Não contribua para a economia paralela ao sustentar rendimentos não tributados a atividades comerciais que estão a por em risco as comunidades dos bairros históricos. Se ficar num prédio residencial, respeite o horário de ruído.

    11- Não compre marijuana a vendedores de rua na Baixa ou no Bairro Alto, a única razão para não serem detidos pela polícia é o facto de venderem apenas uma very typical mistura de ervas mediterrâneas.

    12- Não leve Pastéis de Belém como recordação - alguns bolos portugueses estão comestíveis um ou dois dias depois mas isto não se aplica aos Pastéis de Belém (independentemente dos seus méritos relativos, que já discuti noutro sítio há muitos anos - resumo: não são os melhores pastéis de Nata nem nada que se pareça mas sim, quentes também como dois ou três - basta dar uma dentada duas ou três horas depois para perceber que não vai levar ao seus amigos uma recordação que evoque a experiência que teve na confeitaria). Opte por bolos mais secos, como as queijadas de Sintra, com shelf life mais longa, como os ovos moles (se a viagem for exclusivamente de avião ou não muito longa) ou por queijos ou enchidos.

    13 (e por falar nisso)-Prove os queijos. No plural.

    14- Evite viajar nas horas de ponta, é mais desconfortável para si e mais irritante para os locais. Se quer ir cedo para evitar as multidões, vá antes das 08:00, a partir das 09:00 vai andar em transportes sobrelotados e chegar às atrações que quer visitar no momento em que as filas são mais longas - justamente o que queria evitar.

    15- Se estiver numa walking tour, certifique-se de que o seu grupo não está a impedir a passagem dos transeuntes e moradores.

    16- Não coma sardinhas no Inverno.

    Ui, nunca mais saía daqui...

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    1. Epá, tão bom, Rita. Vou acrescentar.
      Quanto a recibos, ipsis verbis para os tuk tuk. E, uma vez que se trata de actividade ainda não regulada, perguntar ao condutor se tem seguro de passageiros.

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  2. Izzie no seu melhor, diria eu. Muito, muito bom!

    O ponto 3 fez-me rir a bom rir, mas tens razão, há ali uma complicada equação a rodear o tempo em que ainda podemos atravessar em segurança depois de fechado o sinal para os peões, equação essa que para nós, indígenas, é o b-a-bá, mas que levámos anos a dominar.

    A questão do protector solar aflige-me sobremaneira. Ver aquelas peles lácteas em plena rua Augusta ao sol agreste do meio-dia, com tops de alcinhas e nada mais dá-me vontade de lhes bater no ombro (com muito jeitinho, que aquilo já vai a caminho do escaldão, eles é que ainda não perceberam) e dizer tudo o que tão bem apontaste no ponto 7.

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    1. Teresa, atravessar com o vermelho é uma arte! E juro que me faz uma aflição, os turistas todos esturricados. Vou ser a velhinha chata que vai andar atrás deles, a dizer, ó filha, put a hat! Put cream! :D

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    2. Ontem ao passar num dos múltiplos indianos dos recuerdos na Baixa vi que tinham protector solar na loja, em lugar de destaque, logo à entrada. Claramente consequência do teu post :)

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    3. Vender, vende-se, e esse pessoal tem olhinho para o negócio - o problema é que os estrangeiros não compram. Gente descrente, pá.

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    4. (já agora, esta foi uma dúvida que caiu em conversa noutro dia: o natural do Bangladesh é o quê? Bangladeshi? Bangladês? É que esses "indianos" que agora pululam em lisboa e abrem lojas com cenas que vão comprar ao Lidl são quase todos desse país, e encanita-me não saber como lhes chamar)

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    5. (na wiki sugerem bangladeshiano - iaca - e bengali - nice)

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    6. Bengali (bengoli como eles dizem) e' um natural de Bengal, cuja capital e' Calcuta e e' um estado na India. Ser bengoli nao significa que tenha nascido la, mas que os seus antedecedentes familiares sao de la (representado pelo nome de familia, por exemplo, os "Ganguli"s sao todos Bengalis (le'se sempre bengoli).

      Grande parte do povo do Bangladesh e' Bengali (de etnia/ cultura). O Bangladesh costumava ser parte da India (como o Paquistao era) e fazia parte do estado de Bengal. Eu nao tenho certezas disso, estou a vender ao preco que comprei, de um amigo Indiano Bengali com quem vivi 4 anos nos US. Ele nunca foi a Bengal ou Calculta, de onde sao os antecendentes dele... nasceu em New Dehli e sempre viveu em estados do Sul depois disso.

      Aqui uma pessoa do Bangladesh diz-se Bangladeshi (em ingles). Tenho um colega Bangladeshi... vou-lhe perguntar sobre Bengal qdo voltar de ferias!

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  3. Assino por baixo e acrescento:
    Não se ponham plantados à frente das portas das carruagens de metro, pois se quem está no metro não consegue sair vocês também não conseguirão entrar!
    (infelizmente esta serve também para muitos indígenas que faltaram às aulas de física e não sabem que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo...)

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    1. Ana, essa serve turistas e nacionais, credo. Sofro muito com essa situação. Ainda ontem, poças, a porta a abrir e eu com uma multidão que tive de empurrar. o metro não parte sem ter saído e entrado toda a gente, pá!

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  4. Ahahahah...muito bom!

    8 - Cuidai que a nossa cerveja é mais forte que à que estais habituados. Bebei com moderação e poupai-nos a espectáculos pouco dignificantes. Além de que rosetas etílicas em peles translúcidas são muito pouco atraentes!

    Isabel

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    1. Isabel, esse é um aviso mesmo necessário, aquela gente não está habituada, e não percebe que uma imperial nossa equivale a uma litrosa deles. E depois, ahém!

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    1. Leididi, eu sou branca, mas ainda assim menos branca que a alemã média, e não entendo. Ontem vi uma com os joelhos vermelho benfica, decerto deixou-se estar numa esplanada de calções. Até me doeu.

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  6. 1. Evite empurrar o/a nativo/a para baixo do eléctrico! (Foi pela espessura de um vaso capilar que não fui desta para melhor)
    2. Evite abalroar nativos baixinhos. (foi assustador ver a minha mãezinha, de metro e meio, a desaparecer no meio de nórdicos gigantes)

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    1. tum tum, são muito garganeiros, são sim. Eu tenho mais de metro e sessenta, e tremo quando sou envolvida por uma multidão de vikings.

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  7. Acho que deviamos avisar, alem do atravessar da rua com o vermelho, para olhar bem para os 2 lados antes de atravessar.


    Ja estou a ficar muito emigra, decerto, mas o ano passado ia sendo atropelada porque, numa cidade/rua em que nunca tinha estado antes, institivamente olhei para o lado da rua de onde viriam os carros no UK. No Porto nao me acontece tanto porque estou tao habituada 'as ruas que devo ter memoria residual sobre esse tipo de coisas.

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