Fartinha, fartinha, ó, de ver nas redes (sociais) piadolas sobre os pobres lisboetas, buhuhu, coitadinhos, a queixar-se que não podem sair da área metropolitana (AML) ao fim de semaninha, buhuhuuuu. Muitas delas, note-se, a escorrer aquela satisfaçãozinha tão tuga de "toma!". Ou, em termos mais intelequetuais, peçoas a instruir-nos, do alto da sua pesporrência, que uma pessoa queixar-se de não poder sair da AML ao fim de semana é o supra sumo do privilégio. 'tão não é?, claro que é, afinal até um mafrense pode ir a Setúbal almoçar choco frito, que bando de piegas.
Só que. Só que. (suspiro)
Imaginem que são uma pessoa que, pelo menos há ano e meio, não faz outra coisa que não preocupar-se (porque sempre achou que a situação não era para brincadeiras), informar-se (junto de fontes credíveis, i.e., entidades de saúde pública, artigos de cientistas, médicos e pessoal de saúde), e seguir todas, mas mesmo todas as regras que foram sendo ditadas, a bem da sua e da saúde pública, e sem discussão porque em situações de crise aguda não se contam feijões. Imaginem que são uma pessoa que há ano e meio só contacta de perto e sem máscara (mas em ambiente arejado e com alguma distância) com uma bolha familiar, e com colegas de trabalho (com máscara e uma distância de dois metros). Imaginem que são uma pessoa que usa e abusa de álcool gel, lava mãos, não se aproxima de pessoas, nunca sai sem máscara e só a tira quando chega a casa, respeita lotações, lock downs, proibições de deslocação, teletrabalho, tudo escrupulosamente. Imaginem que são uma pessoa que nunca duvidou e até ansiou pela vacina, e que, ainda que vacinada, vai continuar a respeitar normas de higiene, uso de máscara e distanciamento social. Imaginem que essa pessoa esperou pacientemente por um fim de semana já com calor para, a um mês das férias, ir passar dois dias longe da pesada rotina, na casa que esteve fechada um ano e que visitou duas ou três vezes, umas horitas, em dia de semana, só para arejar e recolher e pagar as contas. Que essa pessoa contava com esses dois diazitos para adiantar uma limpeza, levar umas tralhinhas, enfim, ver e cheirar o mar, dormir um pouco mais. E, praticamente de vésoera, por uma vintena de quilómetros, e à conta do desleixo e descaso de milhares de outras pessoas, essa pessoa volta a ficar presa em casa. Sem pespectivas de poder largar um fim de semana, pelo menos até às férias oficiais - e ainda aí, vamos lá a ver, porque começam a uma sexta feira, supostamente ao fim da tarde. Claro que essa pessoa pode ir almoçar choco frito a Setúbal, lanchar fofos a Belas ou queijadas a Sintra, mas.
Mas digo eu, pode essa pessoa, ao menos, queixar-se? Deixam? Permitem? Por favor? Obrigadinha. Ao menos que nos possamos queixar, porra.