quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

And in the end the love you take is equal to the love you make*

Não estão tempos para balanços e retrospectivas, que não estão: ainda ontem pensava eu, rejubilante, que esta coisa das máscaras era um fantástico silver lining, e a manter para sempre, que consegui chegar ao fim de Dezembro sem as duas constipações / dores de garganta / tosses / ranhosices da média e tau, hoje tenho aqui um piquinho na amígdala.

Sim, sim, twenny-twenny foi aquele ano que, como comunidade, já se sabe. Mas foi também o ano, não há como não frisar, o mesmo ano em que foi declarada uma pandemia e descoberta / desenvolvida / distribuída uma vacina. Isto é um bocado uau, para não dizer estupidamente yay. 

Donde, e a um nível a modos que global, 'tá-se. Mais um bocadinho de paciência e em Abril, Maio mamãe já está vacinada (um peso enorme que me tiram); lá para Junho, Julho calha a moi e aos que me rodeiam (e já posso ir de manga curta, não obrigando ninguém a ter de encarar meu torso desnudo - estou a brincar, senhores, levai mangas curtas, ninguém precisa de ver mais man-boobs).

O resto logo se vê, sorry (not sorry) pelo egocentrismo, mas tenho mais com que me ralar num futuro próximo. É que twenny-twenny não levou só o meu pai e o casamento do meu irmão: a partir de amanhã a outra metade deste casal vai estar desempregada. Quer dizer, em situação de não empregada. Sem trabalho? Isso. Não se trata de uma consequência directa da covid, pois estava já a entrar no simpático e aconchegante forno do capitalismo há precisamente um ano; mas a pandemia veio reforçar e acelerar uma decisão executiva, tomada por doutores engenheiros daqueles que ganham chorudamente para pensar nestas coisas, e ainda vão levar de presente um bambúrrio em prémios por as concretizar. Parece que as empresas, mesmo as que deram lucro (e do bom) antes e durante a pandemia, não precisam de trabalhadores. Quer dizer, já não precisavam antes, que trabalhador é bicho em vias de extinção e extinto será depois de caçado até ao último exemplar; agora o que se precisa é de colaboradores (qualquer pessoa que tenha umas luzes mínimas sobre os tempos da Segunda Guerra sente arrepios ao ouvir e ler esta palavra), que são umas pessoas muito colaborantes, isto é, não chateiam com coisas de somenos importância como vínculos, estabilidade, horários, salário digno e adequado, pagamentos à Segurança Social a cargo do benfazejo empregador, helás, são pessoas muito modernas e eficientes, que fazem o que lhes pedem para fazer e não maçam quem manda fazer - que seria! - nem são entrave à mais valia para quem, nesta relação, tem de ser preservado, apaparicado, premiado - estou a falar do accionista, claro, que o aparicamento e prémio do shôr director estratega engenheiro ninguém esquece. Donde, pErtanteS, mais uma empresa que qualquer dia tem mais dirigentes que empregados colaboradores, e mesmo estes não têm qualquer parentesco com a dita empresa, mais faltava tais intimidades, são apanhados no largo da aldeia pela carrinha, manhã bem cedinho, escolhidos conforme a batata que há para cavar, pagos ao dia de jorna e cheios de sorte. É isto, é. E se, para arranjar lugar para este novel (lol) modelo de gestão de pessoal (lol) é preciso vagar os lugares ainda detidos pelos tais bichos raros dos trabalhadores, emprega-se os meios que forem adequados, ora essa. Chumbo grosso, armadilhas de urso, fossos com estacas. Ou ameaça de e de. Até a pessoa achar melhor solução a saída pela porta desengonçada que lhe abriram, mandar um sonoro fodam-se vocês, que a mim já ninguém fode** e ir. 

Anyhoo, como diria um motivador / influencer de algibeira / antigo primeiro ministro com um apelido de bichinho fofinho, é uma oportunidade. De quê, ainda não sabemos. Mas vai ser, porque sim. Sou uma pessoa um bocado teimosa, e quando embico pelo optimismo, ui. Até porque não pode ser tudo mau, na puta desta vida. 

Calhou também que, neste ano da desgraça, tenha tido a melhor notícia de sempre - até agora - que foi a sobrinha bomboca-linda ter ido estudar o que sempre quis para uma universidade lá fora onde nunca pensou que conseguisse entrar, que a concorrência é muita. Concluindo, preciso muito da vacina, pode ser bácina, também. Porque nos próximos quatro anos (tudo correndo bem), vamos inaugurar um corredor aéreo Lisboa - Berlim sem precedentes. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, tornar-me-ei transportadora de bacalhau seco, lata de atum e sardinha, azeitona, azeite, superbock, em mala de porão. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, serei capaz de perceber a menina da caixa quando me disser quanto tenho de pagar pelos 271 ritter sport (chocolate com iva a 6%!!) que estou a aviar. Nos próximos quatro anos, muito provavelmente, não conseguirei converter-me ao currywurst (aarrrrggghhhh) ou qualquer tipo de salsicha (what gives? a sério.) mas me mate ficará saciadinho e feliz. E a culpa não é só do babanço que temos pela sobrinha. A culpa, maioritariamente, é do Brexit e pó que actualmente tenho aos ingleses.  E de termos ido a Berlim há quase dois anos, e nos termos apaixonado. A certo ponto olhámos um para o outro e disse eu, "é para aqui, agora?", e ele fez que sim. É para ali, agora. E onde calhar. 

A ver se temos sabedoria e sorte na leitura de mapas. Não temos, eu sei; mas ao menos fazemos figura de idiota juntos. Isso é certo. Confortável, aconchegantemente certo.


*há sempre uma música dos Beatles adequada a qualquer, repito, qualquer situação. o mesmo sucede com as tirinhas da Mafalda.

**citando João César Monteiro, ídolo de me mate (eye roll), numa das poucas ocasiões em que lhe achei graça.



segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Contem-me tudo, não me escondam nada

 Aquilo que nos antigamentes, naqueles tempos pré-pandemia, as pessoas chamavam "conference call", eram os zooms e os skypes de agoramente, não eram?

(o mundo corporate e o seu fascinante jargão sempre foram um mistério, para mim)


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Mais problemas, tantos problemas

 Não sei por que alto desígnio do algoritmo que comanda estas coisas, ultimamente o feicebuque insiste em enfiar na minha timeline vídeos de cenas do it yourself e... nail art. 

Quanto ao DIY, sim senhora, até consigo perceber, admito que sou menina que segue no instagrã imensas contas de home improvement. Só que estes vídeos são, todinhos, relativos a (dizem eles) life hacks na área da indumentária, implicando corte e costura ou pintura de roupas e calçados vários que, ahém, como dizer, credo, acho que nem um catraio de três anos daltónico e com duas mãos esquerdas acharia bom ou bonito. Não, não vou escortanhar jeans ou techértes, dar nós, esfiapar bainhas, e sair à rua naquelas figuras. Também não pondero macular ténes, sandálias ou chanatos, nem sequer os mais velhos, com tintas várias, glitter ou aplicações brilhosas. Nope.

Já os vídeos de nail art, e desde já fazendo o disclaimer que de art aquilo não tem nada, não faço a mínima ideia como me foram distribuídos. Nem gelinho, quanto mais unhas acrílicas, foram alguma vez implantadas nas minhas unhifas. E não, não há a mais pequena possibilidade de alguma vez decidir experimentar uma Hello Kitty estampada no indicador, quanto mais um padrão tigresse, ou o logo de uma marca (e se ficassem por aí, mas não, toma lá um lv ou ou gc em douradinho e uma correntinha dourada à roda da unha, com franqueza, pá, que coisa mais barracosa). Mas confesso o fascínio: em tendo tempo, vejo aquilo com um misto de angústia e fascínio, sempre a pensar "pronto, agora já está bom, pára" - não está, eu parava logo na camada de uma única cor, uniforme -  e, tcharam, eis que surge um carimbito em tom contrastante, umas risquinhas, pintas, ou uma mistela a lembrar o tie-dye, finalizado com a colagem de pedrinhas, pérolazinhas, florinhas, correntinhas, e outras merdinhas que não lembram ao demo. 

Se o propósito é humorístico, desde já as minhas desculpas, apesar de não ser beeeem o meu tipo de humor. Mas que é horripilantemente cómico, isso é.

(tenho de descobrir como me livrar daquilo. ou não. há dias muito chatos e uma pessoa precisa de se sentir estilosa, nem que por comparação.)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Os meus problemas

 Deixei de usar mala ao ombro (ou só uso muito raramente) desde que tive uma tendinite no dito. Passei a privilegiar o tiracolo, porque a tira se apoia no outro ombro, mas entretanto dei conta que me agravava, e muito, as dores na base das costas. Comprei uma mochila toda gira, de pele, com muita arrumação e de tamanho médio. Se ando muito tempo com ela, fico aflitinha da cervical.

Começo a achar que o problema não é o recipiente, mas o recheio. 

(juro que não inclui um tijolo, apesar de mamãe jurar que parece)

domingo, 6 de dezembro de 2020

Certos casos de caos interno

 


Que não haja mal entendidos: fazer-se nota do surgimento ou aumento de casos de doença mental por causa da pandemia é essencial; a preocupação com a criação ou agravamento de doença mental em consequência da pandemia é séria. Mas vital, verdadeiramente fulcral, era arregaçar mangas perante o fenómeno e discutir-se a sério o combate ao problema; criar,  manter ou aumentar uma resposta estrutural, para o futuro. Prioridades, eu sei. Adiante.

Feito este disclaimer, e porque se já se vai falando do assunto, mas muito pouco, tenho pouco feedback sobre como as pessoas que já carregavam o fardo da doença mental estão a reagir, a adaptar-se (ou não). Ao que parece, e do que é noticiado, aumentou a prescrição e consumo de antidepressivos. Presumo que ansiolíticos estejam incluídos (muitas vezes são metidos no mesmo saco, porque podem funcionar como coadjuvantes daqueles seja em situações de depressão como de ansiedade). Mas não se iniciou a conversa de ei, como vai isso, pior, melho, na mesma? Pumbas, inicio eu, ainda que neste tasco semi-confinado e com uma freguesia muito reduzida.

Como não me sinto autorizada a ser porta voz de ninguém, só posso dizer que 'tou bem, obrigada. Verdade que não sou uma deprimida "a sério", isto é, sou só uma distímica ou, em linguagem corrente, padeço de uma depressão altamente funcional. Quer isto dizer que tenho a coisa controlada, quer por uma dose mínima de medicação  - mesmo mínima, no dizer do meu psi subterapêutica, mas é a boia que preciso que esteja ali para me segurar caso me sinta a deslizar - quer por psicoterapia regular há dezassete anos (iep, dezassete, e até devia ter começado antes mas havia um p€queno obstáculo, afinal fui diagnosticada há trinta anos).  Donde, depressão altamente funcional > consigo fazer uma vida praticamente normal, manter um emprego altamente stressante e exigente com bons resultados de desempenho, conhecendo-me ou lidando comigo ocasionalmente até me acham uma pessoa normal (lol), ainda que um bocado bicho do mato, por aí fora. No panorama geral, sou uma privilegiada; não fui sempre, a coisa estava substancialmente mais negra quando recorri a um psi, mas isso agora não é o que interessa. O que queria dizer é que a pandemia não agravou o meu estado de saúde mental. Na-di-nha. Até me atrevo a dizer que melhorou (considerando, também, que concomitante à pandemia me vi num processo de luto). O medo de ficar ou estar doente, com uma doença física, ainda que nova e com contornos desconhecidos, nunca me aconteceu antes, nem surgiu agora. Acho que a constante angústia e ansiedade em que me habituei a viver relegou esse receio, tão humano e compreensível, para um segundo plano. Não tomou a dianteira agora. Claro que não sou tolinha ou destemida, tomo (todas) as precauções que a ciência aconselha, nem as discuto (não tenho habilitações para tanto). Depois, e falando nas tais precauções, o confinamento, afastamento social, e constante preocupação de desinfectar mãos, usar mascara, etc, não me cusam por aí além - vide "bicho-de-matisse" já referida. Acresce que o desacelerar da vida "normal" - que nunca senti como muito "normal", siga - melhorou substancialmente a minha qualidade de vida. Verdade seja dita, o trabalho continua pesado, até porque se teve de ser redimensionado (válido para quem tem de lidar com pessoas), temos de lidar com uma série de circunstâncias que anteriormente nem se colocavam, cautelas acrescidas, adaptação de métodos para manter o serviço e a resposta a correr satisfatoriamente. Mesmo de portas quase fechadas, continuei a trabalhar comó caraças, mas com outro nível de pressão. E, portas abertas, idem aspas. De repente, no silêncio que cobriu o mundo, no deserto que invadiu as ruas, tomei consciência que antigo "normal" era brutalmente anormal, absurdo, desumano. Trabalho de forma diferente, pus pé no travão, conciencializei-me que aquilo antes não era vida, era uma corrida desenfreada e louca. E já não é possível e, no meu caso, felizmente. Por fim, o sentimento de paz. A consciência generalizada de que não dominamos nada, não controlamos o que nos rodeia, não somos donos do tempo, do modo, do existir, cria-me um enorme sentimento de paz. Curioso, porque penso que é exactamente esta incerteza existencial que criou, em muitos, as brechas que agravam a sua saúde mental. Não comigo. Se calhar porque desde muito cedo interiorizei que nao domino nada, não controlo o que me rodeia, não sou dona do tempo, do modo, do existir. Não deixa de ser irónico que o trending de angústia existencial associada à pandemia tenha em mim o efeito contrário ao sentido por os demais, ou ao menos tantos: a normalização do meu habitual estado interior. Sempre vivi assim; o mundo estar agora "assim" funcionou como uma especie de nivelamento. Finalmente vivo a na normalidade. A minha normalidade passou a normalidade geral.  

Ainda que ninguém pergunte, não, não me faz feliz ver mais gente a baixar aos infernos da eterna ou constante angústia. Pelo contrário. Não sou daquelas que rejubile pela desgraça alheia, tenha sentimentos de "toma, agora já sabes como é", nem me sinto superior ou especial por estar a conseguir lidar (nadinha, até me sinto surpreendida, e tenho passado algum tempo a matutar no assunto, como se depreende do lençol que aqui vai). Tenho é um andamento do caraças, um treino que faz favor - e pela primeira vez na minha vida isto revela-se como uma vantagem, nunca pensei. 

Daí achar que é tão importante uma discussão séria sobre o assunto, e a criação de mecanismos de resposta: para que quem agora se sinta assoberbado, sem ar ou chão, não se perca. Para que a assistência ou tratamento sejam fáceis e assessíveis. Para que quem sinta necessidade destas não sofra ainda mais pelo estigma de precisar. Sim, eu cá estou benzinho, mas tempos houve que não estava mesmo nada e só a possibilidade de recorrer a assistência privada me safou. Nunca me esqueço ou esquecerei disto (há trinta anos, seis meses de espera para um consulta não de especialidade mas de traiagem, no público; não creio que tenha melhorado). Já não acredito - confesso que quis acreditar, por um breve momento - que esta situação nos poderia tornar melhores pessoas, individual e socialmente; mas quero muito, muito, mesmo muito que sirva para retirar algumas conclusões que, para mim, são evidentíssimas. Uma delas é de que o investimento público no sistema nacional de saúde é A prioridade, e de que todos os aflitos merecem ser acolhidos, cuidados e tratados. Todos, todos, todos. Balhelas, desiquilibrados, fraquinhos de cabeça (ironia, hein), incluídos.      

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Entretenho-me muito a magicar

E a cisma actual consiste em imaginar se o actual governo (de centro-esquerda) utilizasse, face à inevitável crise económica que a também crise pandémica criou, a mesma retórica que um antigo (e de má memória) governo de direita liberal usou e abusou. 

Imagine-se, por puro deleite hipotético, que todo o sector privado que reclama ajudas, fosse corrido a sermões de que é o mercado a funcionar, têm de se adaptar, sair da sua zona de conforto, e mais!, deixassem de ser piegas. Afinal o dinheiro não nasce nas árvores (ouvi esta tantas vezes), pois não? Não. O dinheiro vem dos impostozinhos, pagos por pessoas singulares e também entidades privadas - se bem que, bom, ao que ouço, enfim, o que eu gostava de ver as declarações de IRC de alguns negócios (as de IVA, deixem lá: o IVA não é um encargo vosso, por muito e estupidamente convencidos que estejam).  

Claro que, como esquerdalha convicta que sou (na verdade considero-me uma social democrata pura, mas para quem esteja à direita isso já equivale a esquerdalhada porque, blhéc, temos preocupações sociais, arrgh), não podia ser mais a favor que o dinheiro dos impostos sirva para acudir a quem precisa. Pessoas singulares ou sociedades comerciais, não excluo uma ou outra. Financeiras já tenho um pé atrás, lamento, até porque no actual contexto não me parece que precisem de uma mãozinha. Mas sim, para além de tantas pessoas que perderam toda a sua fonte de rendimento, ou grande parte dela, muitos negócios estão em maus lençóis e em situações mesmo rés-vés. O lay off ajuda, tanto empregados como empregadores, é um peso que se levanta, mas não chega, é um facto. Continua a haver outros encargos fixos, ele é rendas, leasings, fornecedores, sei lá, não percebo nada de negócio. Por isso, claro que sou a favor de uma intervenção do Estado.

O Estado, aquele Estado, que tanto liberal sempre defendeu magrinho, anoréxico, mesmo. Agora que lhes aperta nas canelas, arrumaram essa bandeira do "menos Estado" na mesma gaveta onde o Soares deixou o socialismo. Com a diferença de que os liberais se vão lembrar onde é a gaveta, não perderão a chave, e lá irão buscar a bandeirinha outra vez, apostava. O Estado, aquele Estado explorador a quem não queriam pagar impostos, porque esse Estado, malvado Estado, gastava tudo em porcarias e com quem não merecia. Ah, a ironia. Aposto que não a apanham. Adiante.

Bom, sucede que, até ao presente, não ouvi ou li uma palavra do governo de esquerda (não é bem, mas acompanhem-me) a negar qualquer ajuda. Pelo contrário. Verdadinha que elas não chegam tão depressa como seria desejável, que o digam os profissionais de audiovisual, queridas cigarrinhas que nos ajudam a manter a sanidade mental com o que produzem, mas vão sendo planeadas (não é fácil) e vão sendo postas em prática. E, em estando em causa negócios, tem de haver uma base de cálculo das ajudas, e esta só poderá ter por base a - tcharammm - facturação declarada. Uma chatice, pá. Depois há aquela coisa que, derivado do dinheiro não nascer nas árvores, se tem de fazer quando o assunto é gastar recursos escassos que a todos pertencem: priorizar, e atribuir de forma equitativa, proporcional. Não chega para tudo, não. 

Some-se ainda os bambúrrios que neste momento - e muito justificadamente - são absorvidos pelo SNS. Lá está, prioridades, é preciso cuidar dos doentes - custa pilim -, pagar aos profissionais - custa bagalhoça, e mal pagos são eles - comprar materiais - muita notinha. Já agora, era simpático que não houvesse gente a passar literal e involuntariamente fome, há muito subsídio de desemprego para pagar, e RSI a atribuir, e até devia haver mais, neste momento: há muita gente que perdeu fontes de rendimento que não tem direito a subsídio. 

Donde, empresas, vai chegar a vossa hora. Está prometido, é aguentar. Ah, mas eu não sei se aguento muito mais tempo. Como não? Então vós, porta estandartes habituais do liberalismo, que defendem ('xa cá ver as minhas notas) que o lucro é a justa retribuição do capital, porque risco, empreendedorismo, job providers e o caneco, gastaram tudo em porcarias e em quem não deviam? Que maçada.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

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Darren Criss & Rufus Wainwright -  Bridge Over Troubled Water (11-20-20)

[saudades de concertos. isso tenho. muitas. de supermercado ao sábado à tarde, não tenho, nunca tive]

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Toda a gente precisa de um hobby

Se eu precisava de ter comprado mais um feto? 

Precisava, claro que precisava. Os outros três estavam a sentir-se sozinhos, e já não tinham conversa.


(entre o pátio, varanda, casa e trabalho, já tinha uma quantidade considerável de plantas; mas a pandemia, céus, a pandemia transformou-me numa bélha das plantas - a somar à faceta bélha dos gatos -, e a casa numa selva. gosto e recomendo.)

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Já mandou um beijinho / abracinho a um profissional de saúde, hoje?

 Aqui há dias me mate teve um piripaque que deu direito a boleia de INEM direitinho à urgência de Santa Maria. Nada de grave, mas camadão de nervos, claro, que nem sequer o podia acompanhar - ou antes, ir lá ter, que estava no trabalho quando se deu a macacoa, - derivado da situação Covid. Fiquei, portanto, serenamente (ahahahah...) em casa à espera de notícias. Ligou-me ali pelas duas da tarde, ainda muito zonzo (nem se lembra de me ter telefonado), que tinha pulseira amarela e estava à espera de exames. Fomos mantendo contacto por SMS e telefone (já bem consciente), e foi sempre dizendo que estava a ser muito bem tratado, realmente, a gente nem dá valor, mas caramba, tratamento e acompanhamento cinco estrelas, nesta sua estreia de urgências. Quis saber se era boa ideia ir buscá-lo, que não porque não sabia quando estaria despachado; apanhou um táxi, ligou a caminho, à hora de jantar estava em casa, são e salvo, e com uma resma de papéis: análises de sangue, ECG, TAC, indicações de médicos. Continuava a elogiar entusiasticamente todos os que trataram dele, desde a equipa do INEM (cujo médico ficou com ele até e durante a triagem), triagem (confesso a minha ignorância, não sei se é feita por médico ou enfermeiro), enfermeira que fez a recolha de sangue, técnicos (médicos, enfermeiros?) do ECG e da TAC, passando também pelos assistentes. No total, entre entrada e saída, foi visto por quatro médicos, todos atenciosos e preocupados. Ficou mais que agradecido, ficou comovido. Eu também. Porque nós sabemos o carradão de trabalho que implica uma urgência de um mega-hospital, porque estamos a meio de uma pandemia que causou um enorme acréscimo de afluência e trabalho. Ainda assim, nada faltou, começando no profissionalismo e passando pelo humanismo. E tudo a custo zero. 

Queixas, só de outros utentes. Um velho que andava por ali a cirandar e entabulou conversa com me mate, questionando a sua necessidade de ocupar uma maca, quando já há tão poucas. Verdade, o homem não estava a morrer nem tinha os intestinos a sair pelo ouvido; mas se o pessoal hospitalar o ali colocou, pirete para o freguês metediço. Uma velha que gritava como se estivesse a morrer cada vez que passava alguém de bata, mas ao telefone com a filha relatou que tinha ido ali porque tinha dormido muito mal, derivado de dores de costas. É chato, é; acontece-me ao menos uma vez por mês. Ou uma freguesa que, na neurologia, insultava o médico aos gritos. 

Na verdade, até nos calhar, nós não damos valor. É um facto adquirido, e se calhar por isso um pouco desvalorizado, que temos o direito, temos a estrutura, existe e pronto. Mas o direito à assistência hospitalar, o funcionamento da estrutura que é o Serviço Nacional de Saúde, assenta nos ombros de uma imensa mole humana, todos os que lá estão para nós, numa situação aflitiva. Ah, só estão a fazer o seu trabalho. Pois estão, mas isso não invalida que se reconheça que a) o fazem bem; b) em condições que a gente sabe lá; c) e de brinde muitas vezes têm de aturar gente chata, oportunista, malcriada ou excessivamente dramática. E com uma pandemia de bónus.

Não, nunca batemos palmas à janela pelos profissionais de saúde, ali em Março, Abril. Ainda se lembram, os que bateram? É que eles lá continuam, com ou sem fatinho de astronauta, a cuidar e tratar tanto piripaques - que podem ou não ser coisa grave - como um vírus que há um ano ninguém conhecia, de repente se tornou a prioridade de combate de toda a gente, e agora se reduziu a uma inconveniência, uma maçadinha muito grande para a nossa viducha, ai que não posso ir às compras domingo à tarde, ai que não posso ir beber um copo ou almoçar fora com quem quiser, ai que não posso ir às compras, ai que não consigo respirar de máscara, ai que atentado às minhas liberdades individuais e tal. Mas, se nos calhar azar, lá estão eles, e não nos vão fazer nhãnhãnhanhã se apanharmos o bicho por descuido, estupidez ou enfado. Por muito que lhes apeteça (ei, a mim apeteceria, e se calhar é por isso que nunca daria uma sequer razoavelzinha profissional de saúde. isso e desmaiar se vir sangue ou entranhas). Vão estar lá. Cansados, exaustos, a destilar dentro dos tais fatinhos, a tomar decisões críticas que fariam tantos ter um burnout imediato; sabemos lá há quantas horas sem comer ou beber um copo de água, dormir, ver a família, respirar. Mas vão estar lá, a fazer o seu melhor.

Respeite-se. Acarinhe-se. E, se não for pedir muito, evite-se dar-lhes mais maçada. Parece que já há duas vacinas promissoras, é só mais uns meses. O que é isso, comparado com o raio da terra? Uns. Meses. Tende juízo, e amor a quem nos cuida.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

#noregrets

 Olá, o meu nome é Izzie Maria Soraya Andreya, e pretendo adquirir o set da Lego Rua Sésamo.



#someregrets

O meu nome é Izzie Carminho Benedita Carlota, quarenta e nove anos feitos, e hoje resisti a comprar um pijama com o Snoopy.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Não está tudo bem, não vai ficar tudo bem*

 A oeste nada de novo enquanto a Gilead outrora ficcional vai lançando as primeiras pedras; na Europa o extremismo de direita e religioso a marcar pontos; a pandemia a continuar a ser pandémica e as pessoas a demonstrar que a inteligência, essa qualidade que nos impusiona a melhor informar, seguir quem sabe, e adaptar, é um bem escasso.

Neste dia, só uma luz me dá alguma esperança na humanidade: a coragem e determinação das mulheres polacas. Bravas, bravíssimas.




Hoje são elas, amanhã podemos ser nós. Já esteve mais longe. Nós somos elas.


*'tá tudo a ir co'caralho, isso sim

terça-feira, 20 de outubro de 2020

Nós por cá todos bem

Tirando o facto de não estar a conseguir encaixar [spoiler alert - Years and Years] porque é que quando o Daniel e o Viktor têm de sair de Espanha não seguem para Portugal, em vez de optar pelo salto (ilegal e perigoso) para o Reino Unido, via (ilegal e também perigosa) França.

Tirando isso - pah, não estou a conseguir lidar - adorei a série, o Rory Kinnear e a Emma Thompson são national world treasures, a bélhota é uma joia, e foi uma grata surpresa dar conta de que foi criada e escrita por um antigo showrunner e argumentista do Doctor Who (Russel T. Davies).  Yay.

Mas sim, ainda estou a obcecar com o facto de a existência de Portugal ter sido a) flagrantemente ignorada; b) estupidamente esquecida; c) deliberadamente obliterada. Quero, preciso!, saber o que aconteceu a Portugal numa série de ficção, passada num hipotético ano de 2027 e picos. Yep. Há três dias nisto. Não sou maluca, mas dou ares. 

terça-feira, 6 de outubro de 2020

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(true story, e o que eu adoro camisas de flanela, com techérte branca. não saí dos anos 90, pronto)

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Não se ralem muito com as listas de presentes, vamos todos morrer antes do Natal

 Mamãe requisitou a minha presença numa demanda necessariamente presencial junto de uma operadora de telecomunicações, a fim de entregar papeladas para finalizar cenas que eu iniciei por telefone e tal, tens de vir comigo e arrumamos o assunto (spoiler: eu não tinha de ir). E eu, filha dilecta e obediente, sim senhora, deixa só pesquisar aqui uma loja num sítio amplo e arejado, mas não, tinha de ser na do Colombo, porque já lá tinha ido informar-se das diligências necessárias e, portanto, a menina já a conhecia e ao assunto, tinha de ser lá. Ainda pensei objectar que a menina - chamemos-lhe Gumercinda - deve atender dezenas de pessoas por semana, ora isto em quinze dias decorridos não era garantia de que era só aparecer, acenar um familiar iuhuuu, a menina Gumercinda a abrir os braços olha a Senhora Dona Mamãe de Izzie, então traz aquilo, vamos a isso, e pronto. Mas uma pessoa não objecta assim sem mais. Mamãe apenas aceita uma quota de objecções mínima, costumo esgotar a minha logo nos primeiros dias de cada mês, e entre estar a argumentar com mamãe ou inscrever-me num treino de crossfit, prefiro morrer a empurrar um pneu de tractor.   

Fomos então ao Colombo (onde já não punha estes pés de Cinderela há, seguramente, um ano; para mais e não para menos), duas da tarde, dia da semana. Não sendo religiosa, apenas me restava a esperança de que naquele dia e hora as pessoas andassem entretidas por outros sítios, tipo trabalho, a casa delas, que era onde eu devia estar: em casa, a trabalhar. Não sou religiosa mas mal assomei ao piso de rés-do-chão invoquei todo o Olimpo, ai que ou a) ainda há muita gente de férias; b) o desemprego realmente aumentou; c) a percentagem de pessoas em teletrabalho desviadas por familiares para acompanhar em recadinhos é maior que eu pensava (achava que só a mim calhava o ah, estás a trabalhar em casa?, então tens flexibilidade para.)

Fomos à tal loja, à porta da qual havia um autocolante a dizer "espere aqui", e uma máquina de senhas, sem nenhum funcionário por perto. Como ninguém manda em mim, tirei senha, e parece que era esse o procedimento, porque só se aproximou alguém para saber do número x, e não para ver se alguém estava a esperar ali. Mamãe explica que quer falar com menina Gumercinda, porque menina Gumercinda já a conhece. Menina Gumercinda não a reconhece, e só depois de uma, ainda que breve, explicação diz recordar a situação (nota: estas pessoas não ganham o suficiente, não ganham). Entramos ambas, mas um fulano diz que não podemos estar ali duas; lá vou eu esperar fora da loja. Soltei o adequadíssimo foda-se mental, e ingenuamente pensei que seria rápido, segundo mãezinha querida aquilo era só finalizar. Não há onde sentar. Passam pessoas, muitas pessoas. Porque estão aqui tantas pessoas. Desinfecto as mãos pela 462ª vez. Continuam a passar muitas pessoas. Começo a sentir as costas a reclamar, inicio uma marcha de maluquinhos para a frente e para trás. Entre mais pessoas. Muitas acompanhadas. E com sacos. As costas começam a ensaiar o berro, vou lá dentro dar conta que vou para sítio x para me sentar. Vou. Estupidamente optimista, não levei nem óculos de ver ao perto nem livro. Aborreço-me e panico, a ver cada vez mais pessoas. Nisto senta-se ao meu lado uma sujeita, assentando o rabiosque em cheio no sinal "não sentar". Reclamo. Sicrana ignora-me e volta-me as costas. Desinfecto as mãos, agora pela 567ª vez, e tento respirar pouco. Nisto já lá vai hora e meia, tenho onde estar daí a quarenta e cinco minutos, e a segunda circular anda em obras. Solto um muito a propósito ai o caralho da minha vida mental. Decido-me e volto à loja, passo por inúmeras pessoas, mãe, tenho de ir, não sou precisa, pois não? Não era. Olha a novidade. Vou para o parque, sempre cruzando-me com tantas pessoas, porque estão aqui tantas pessoas, porque há tantas pessoas, entro no carro, desinfecto as mãos pela 612ª vez, o volante também, e vou à minha vida.  

Cheguei a casa com vontade de me enfiar no chuveiro e esfregar-me com palha de aço. Que eu sentia, ó se as sentia, as patinhas minúsculas de dona Covid fazendo treking por mim acima, por mim abaixo. Contive-me, tinha de trabalhar. Trabalhei. Quero confinar quinze dias. Preciso de confinar quinze dias.  Se ligar para a saúde 24 e contar que fui a engano para o colombo, será que me passam justificação?, aposto que não passam. Juro que não sou hipocondríaca, mas a minha agorafobia está em níveis olímpicos.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Parentalidade não sei quê ou como criar um neurótico

 Uma das coisas que sempre me deixou estupefacta - e um bocadinho invejosa, confesso - é o alto nível de auto-estima que tanta gente consegue ter. Não estou a falar de auto-confiança, é mesmo auto-estima. Aquilo de uma pessoa olhar para as suas pequenas e grandes obras e dizer-se "sim senhora, está aqui uma coisa mesmo bem feita". E isto sem notar que, se calhar, está ali uma coisinha que precisava de ser mais trabalhada, um cantinho com uns ciscos por apanhar, uma aresta que precisava de mais polimento. Não; estas pessoas dão a empreitada por terminada, e perfeitamente acabada, em pontos em que eu, por exemplo, ainda estaria a ponderar desmachar e voltar tudo ao início, porque está uma valente borrada, e nem morta apresento isto como o resultado final. 

A certeza que eu tenho é que estas pessoas não tiveram pais uma educação tão crítica como a que me calhou. Mamãe, para dar o exemplo mais extremo desta corrente, não acreditava em mentir à prole para fazer a prole sentir-se bem. Sim senhora, o desenho está bom para idade e desenvolvimento que tens, mas o sol não tem olhos nem boca, o céu não é uma tira azul, essa senhora não é muito parecida comigo, pronto, é imaginação, está bem, mas podes fazer melhor. Adapte-se a redacções, trabalhos de casa em geral e especial de matemática, modelagem em barro, lides domésticas e, ainda que fosse muito nova para me lembrar, aposto que algo semelhante terá sucedido quando comecei a ir ao bacio "muito bem, a menina já não faz na fralda, mas também já não era sem tempo".

Nada, mas mesmo nadinha, correspondia aos altos padrões de mamãe. Nunca vi uma lágrima comovida com um sucesso (qual sucesso?, podias fazer melhor, recorde-se) dos filhos; nunca assisti a uma ovação de pé; e mesmo perante graçolas mesmo engraçadas que a faziam rir, logo travava a fundo para me retrucar que eu tinha uma graça relativa / se calhar estava ali a roçar o insolente / tinha um humor retorcido que nem toda a gente apreciava, vê lá isso que cá em casa é cá em casa, mas lá fora. Eu a pedir livros do Asterix e ela a responder que era muito infantil e lê antes Tintin; pedia mais Tintin / Os Cinco / etc., e já tinha muitos e se calhar avançava para qualquer coisinha mais sofisticada. Eu a querer mais Sandokan, Três Mosqueteiros, e ela a indicar-me clássicos que tinha lido na minha idade (juro, que infância infeliz deve ter tido, concluí eu depois de ter acedido à Morgadinha dos Canaviais e ter tido uma embolia). Nem a jogar cartas, ou jogos de tabuleiro, nunca mãezinha querida perdeu de propósito para nos incentivar ou alegrar. Aquilo era assunto sério, se queríamos ganhar tínhamos de nos esforçar e fazer melhor.

Se este estilo tem algumas vantagens? Tem. Sou extremamente exigente com tudo o que faço ( menos na lide doméstica, porque preguiçosa), vejo os mínimos defeitos, raramente considero qualquer resultado do meu trabalho ou hobby descomprometido algo digno de ser mostrado.

Se tem desvantagens? Também. Sou extremamente exigente com tudo o que faço - a um nível de ansiedade extrema; vejo os mínimos defeitos - a um nível obsessão; raramente considero qualquer resultado do meu trabalho ou hobby descomprometido algo digno de ser mostrado - ao nível de raramente algo que faça seja motivo de orgulho e muito menos bazófia. 

Em suma, padeço de ansiedade e tensão perante, durante e depois de qualquer empreitada; sou muito miudinha no preparar e fazer para garantir que fica mesmo bem feitinho (nunca fica), tenho um camadão de síndorme de impostor que dava para embalar à dose e comercializar.  

Hoje em dia - dizem - já não se educa assim. É a cena da parentalidade positiva, que me dá um bocado de inveja. Admito. Tudo se aplaude, tudo se recompensa, yay, conseguiste. Tem vantagens do ponto de vista emocional, que tem. Invejo isso, imenso. Mas depois, bom, depois... já vi o resultado disto ao vivo e a cores e caramba. Ok, parecer que a minha mãe tinha a expectativa que eu pintasse como o Pablito o fazia com a mesma idade (ele era filho de um professor de arte!, ia às aulas do pai, para adultos!) é um disparate, mas às vezes vejo gente a exibir cenas que produziu / faz que valha-me. Tipo, falta aí uma pitada de sentido crítico, hein. Não, não danças como a Fontayn, não és um Picasso ou um Renoir; essa escrita não está ao nível de um Pessoa; ainda tinhas de comer muita sopa para chegar aos calcanhares do Laurence Olivier; para Callas falta-te um Everest assim. Mais prosaicamente, esse trabalho está uma vergonha, é rascunho, só pode ser rascunho e, ainda assim, olha, rasga e começa de novo.

Era de apostar num meio termo, digo eu. Um que não condenasse as pessoas a ter os nervos cronicamente em frangalhos; mas também não resultasse numa moderada impavidez, displicência, mesmo, quando dois filhos pré-adolescentes passam de ano com média de três, e... negativas. Esforçaram-se, dizem. Têm de se esforçar mais para o ano, dizem, num tom que pretende ser - não é - severo. Não, não se esforçaram. Pior: não querem saber. Se fossem electricistas, aquilo era curto circuito certo, pegavam fogo ao prédio, podiam morrer pessoas. Vão lá à unidade de queimados dizer que se esforçaram, vão. Perdoem a minha bota-de-elasticisse, mas entre o constante picar de flancos e o permanente afago do ego haverá um equilíbrio. Se bem que, no caso dos sumos calões dos meus sobrinhos, quando ouvi contar, tive tanta, tanta vontadinha de lhes assestar a planta do pé nos reais traseiros. E aposto que não se estragavam por isso.

(os filhos que eu não tive têm tanta, tanta sorte de não existir. deviam dar-me imensas e belíssimas prendas no dia da mãe. sociedade mais ingrata.) 

 

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Disto ninguém fala

Mas é um assunto fracturante, impactante, de extrema relevância social, ambiental, e quiçá económica.Autocolantes na fruta: porquê. para quê. A seguir ao hábito de empacotar fruta em embalagens de plástico, uma prática muito irritante e pra a qual não encontro qualquer justificação válida, a cena do autocolanteco pespegado na casca da frita é coisa para me levar à loucura. 

"Ai, pá, tu embirras com tudo, qué c'aquilo incomoda, ao descascar a fruta vai tudo junto, pá". As outras pessoas não sei, e em sua casa manda quem lá mora, mas eu como as maças e peras com casca. Lavo bem lavadinho, e pronto a comer. Simples, natural, zen. E com fibra. Mas nããããão, é preciso espetar a unha e descolar o fideputa ruim do autocolante, às vezes dois (onde anda a polícia!), e depois tirar a cola (blérgh) que às vezes fica na casca. Além da evidente trabalheira, e eu sou contra toda e qualquer trabalheira, é porquicho colar cenas na fruta. E para quê, pergunto, questiono, inquiro eu de dedo indicador esticado. Para saber quem é o produtor? Eu ralada: é uma maçã / pera, por norma tuga porque as prefiro e leio a informação que é obrigatório constar da tabuleta, quero lá saber (mais) particulares da vida da fruta. E depois? qué que uma 'ssoa faz ao papelucho? Deixa no lava loiça e arrisca mais um desgaste no sagrado matrimónio (é uma das pet peeves de me mate, eu deixar o 'tocolante no lava loiça. ou as saquetas de chá.) Ou vai botar no lixo e depois tem de lavar as mãos outra vez, isto quando já podia estar a degustar a simpática polpa da amável frutinha? Só complicações. Além de que, posto que está que não tem qualquer serventia, aquilo é lixo, lixo! Já há pouco, não? 

Donde: utilidade zero, recursos desperdiçados, um custo acrescido para uma empresa agrícola, uma irritação no consumidor (sim, irrita-me muito, deixem-me 'tar).  E não me venham com o argumento de "ah, queres acabar com emprego, coitadinho do trabalhador colador de cenas, que vai para a rua por tua causa". Nã. Não acredito que seja uma pessoa a colar aquilo, apostava na máquina (outro custo, adiante), que só uma máquina conseguia a proeza de, tantas vezes, colar dois quase em cima um do outro.

"Tantos problemas no mundo, coisas mesmo sérias a contecer, e tu a fazer um manifesto por causa de autocolantes na fruta", pensarão alguns - a maioria? - enquanto reviram os olhos. Pois, eu sei. Estou a par. Tenho conhecimento. Mas porque é que acham que tomo a opção livre, deliberada, conciente, de estar aqui a espraiar quatro parágrafos, tentar incendiar as massas, iniciar a revolta popular para abolição do autocolante na fruta? Acham mesmo que eu tenho nervos que aguentem esmiuçar o actual estado de coisas a nível local, nacional, mundial? Oh, não há reservas de xanax, 'ssoas, não há. Pertantes, façam o favor aqui à tresloucada, finjam que sim senhora.

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Eeehhh... What's up, Doc?


Nada de especial, mas obrigada pelo interesse (aheéééém). Assim de repente, a minha empregada esteve de quarentena e, finda esta, foi fazer o teste. Os nervos, pá, os nervos. Aguentei a esfregona o ferro até ter notícia, eeeeee... deu inconclusivo. Boa, vai ter de repetir. Donde, estou a teletrabalhar numa divisão que está limpa e higienizada (note-se que não disse "numa das"), a ver se não me distraio com as bolas de cotão a rolar por aí fora (quatro gatos, pessoas, quatro). A casa de banho também está limpinha, mas tem pior sinal que a cozinha. E não tem mesa para o computas e papeles. 

De resto, a melhor compra do ano foi, sem sombra de dúvida, o aspirador vertical, um vaipe que tive ali em Janeiro, com a justificação que dava muito jeito para limpezas intercalares (gargalhadas entre lágrimas) e não me lixava as costas. Está amortizadíssimo.

Mais, mais... 'xa cá ver, ah, é só um quisto, um estúpido, parvo, inofensivo, mas enorme quisto. Dúvida tirada esta manhã. Se me aparecer um a cada quatro anos, acho que sobrevivo e não morro do coração, mas o stress de dois meses já é dose q.b. para esta pobre. Não desfazendo no SNS (que os santos contribuintes e políticas sociais o mantenham vivo por muitos e bons anos), era fixe um gajo poder sair do duche, após o "oh, diabo", ligar para qualquer lado a expor a situação, e marcarem-lhe logo a maminhografia. E eu nem me posso queixar muito, que tenho a possibilidade de ir a um médico privado que me passe prescrição para o exame, mas em época covidiana isto demora mais tempo do que seria simpático conceber. Adiante.

Falando de médico, aproveitei e pedi um check up total, ou seja, um dia destes darei entrada num centro de imagiologia às weee hours da matina e sairei pela noitinha (isto é wishfull thinking, aposto que não me conseguem marcar tudo no mesmo dia, chatice). Toda fotografadinha por dentro, e sem maquilhagem, au naturel. De resto, tenho uma lista de análises tal que me vão ter de tirar dois baldes de sangue para aquilo. Me-do. Ainda não tive coragem, além de que ando a matutar quantos dias sem gelado vou ter de aguentar para não ter resultados de glicémia absolutamente pornográficos (três? chega? eh pá, mais que isso, pá... olha a convenção dos direitos do homem, pá.)   

E é isto.

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Saudades

 Do antigamente, do período histórico a que chamaremos AC (antes Covid)? 

Algumas, surpreendentemente, não muitas. Por vezes suspiro pela conveniência que era precisar de alguma coisa e simplesmente ir, sem preocupações de esperas, filas, multidões. Mas não se vai e pronto, ninguém morre por não ir ver aqueles vasinhos tão giros ao ikea, ai, ai, ai o jeito que me davam que no confinamento me tornei ainda mais plantaólica, se as de exterior já eram que faz favor, agora virei-me para o interior, e os escritório está, ó, uma selva - tão bom. 

Do que tenho muitas, mas mesmo muitas, saudades é da Feira da Ladra. De feiras, em geral, mas a da Ladra, ó pá. É que ir à Feira da Ladra é um programão, minto, é O programão. Sair de casa sábado ainda pela fresca (mas sem exageros, é fim de semana, caramba), tica-tica a pé até lá (agora já há lugar nos elétctricos, mas a gente desabituou-se), de caminho ver Sophia a olhar-nos de frente de um prédio (e, se voltarem a cabeça para traz, para a Rua Ivone Silva, vêem um mural lindíssimo na lateral de uma escola, e um outro num prédio), no Largo (onde já não mora a moviflor, no nº28) virar para baixo, um pulinho e já lá estamos. Depois do arco, e com sorte, encontramos à direita fotografias lindas e brincos em prata feitos pelo dono da banca; seguindo em frente, pela esquerda (a gente vai sempre pela esquerda. coisas nossas.), vamos dar ao casão, e de seguida o senhor das peles (cintos, malas, sapatos, sacolas). Antes, com sorte, também lá podem estar a menina que vende desenhos giríssimos, o casal com os sapatos e cintos de pele mais giros de sempre, o indivíduo com as malas de cartão mais uau que já viram (único de quem ainda não fui freguesa, falha a colmatar). Depois, as lojas de antiguidades e velharias e os funko pop, já na lateral do edifício da praça. Contornamos em baixo, e subimos um pouco aquele que a descer era o lado direito, mas a subir é o lado esquerdo (fortíssimos na coerência), há a lojinha de joalharia e, mais acima, o Armazém das Caldas (loiça, loiça, loiça!; preciso de mais uma caneca, um pratinho, uma saladeira? sempre!). Depois é sempre a descer, se for cedo para almoçar dá-se uma vista de olhos nas bancas, ou vai-se à esplanada do jardim (vista liiinda), se não passa-se o Campo de Santa Clara (olha o mural de azulejos à esquerda), entra-se na Rua do Paraíso e segue-se para o nosso tasquinho em Santa Apolónia, onde nos espera um belo p'xinho grelhado (o chefe é que sabe, o chefe é que recomenda), choco frito ou os melhores secretos de sempre, nem falando da mousse que valhamedeuz, mas para a qual nunca temos espaço. Feito isto, rebolar até ao metro e casinha, para sesta.  

Disto sim, tenho saudades.

[este fim de semana contava matar o bicho com a Feira da Estrela - a melhor de Lisboa em artesanato - mas cancelaram. quero feiras. feiras. feiras!]

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Titi Izzie ajuda e aconselha




Muitas vezes, durante as minhas deambulações por esse grande mundo mágico e colorido, me interpelam jovens e frescas moçoilas querendo beber da minha sabedoria. "Titi Izzie, titi Izzie, nos conte, nos diga, qual o segredo de um casamento, uma relação longa e feliz?". Ah, pobres florinhas, só o meu universal amor a todo - e em especial o aflito - ser humano me impede de responder, sarcasticamente, a surdez - apesar de ser verdade. Ele há dias em que, bom, quem me dera, mas isto com a idade uma pessoa vai desenvolvendo uma surdez muito funcional e seletiva, um life saver, como diriam os mais modernos. Decido, porém, ir mais além, aprofundar, filosofar, e explico que depende, cada um é como cada qual, cada relação é tudo nada diferente, vamos aprendendo vivendo. E elas, desapontadas, naquela ânsia juvenil de encontrar respostas peremptórias, definitivas: "Oh, titi Izzie! Não acreditamos! Deverá haver um segredo, uma lição, uma máxima que connosco possa partilhar!". E eu, paciente, transbordando de magnanimidade, como aliás é meu apanágio, decido-me a levantar um pouco o véu. "Minhas queridas, posso apenas falar da minha experiência e, se vos servir, pois que façais uso dela: um dos segredos da minha (nossa) longa relação é não possuir licença de porte de arma, e manter afastados e devidamente arrumados, portanto difícieis de alcançar num piscar, objectos letais como facas aguçadas, berbequins, martelos, ferros de engomar, panelões de fundo duplo." 

Se calhar, como elas, julgais que brinco, faço pouco, estou na reinação (e se eu sou reinadia!). Nada mais errado! Se não, atentai nesta pequena vinheta da vida conjugal, passada aqui há dias. Titi Izzie posta em sossego, seguindo atentamente no tablet mais um episódio do The Crown. Passa ele e sai-lhe, "ah, estás a ver a tua novela". 

Lá está. Tivesse ali à mão objecto perfuro / corto / contundente, e acabava asinha uma longa e feliz relação, derivado da viuvez. E, sendo o mundo um sítio muito injusto, ainda me calhava ir malhar com os ossos na cadeia um horror de anos (sem uai-fai! aposto! e a temporada quatro a sair em novembro!)

Tendo eu seguido minha máxima de vida, e após um mero olhar matador, cá estamos nós, o homem vivo e com as duas rótulas inteiras, já lá vão quinze anos, faz hoje (and counting?). 





terça-feira, 25 de agosto de 2020

Como enlouquecer em coisa de uma hora, hora e meia (um tutorial de borla, que sou uma boa alma)

Precisais de mudar a titularidade de contratos de fornecimento de bens essenciais? Not so fast! Primeiro consultem o vosso seguro de saúde (quem o tiver, eu não tenho) a ver quantos dias de internamento paga numa casa de repouso (eufemismo para manicómio daqueles em bom). Não tendo esta possibilidade, passem no médico habitual e abasteçam de receitas de ansiolíticos, beta bloqueantes ou, no caso de pessoas mais dadas a fúrias incontroláveis, reguladores de humor. 

Só depois se atrevam a aceder aos sites onde, promete-nos a modernidade tecnológica e necessidade de distanciamento social dos tempos actuais, conseguireis tratar de tudo num golpe de asa. Spoiler: não vão conseguir. A menos que se trate de um caso simples, mas mêmo-mêmo-mêmo muito simples. eu achava que os meus "casos" eram; ledo engano.

Começando pela única história de sucesso, consegui mudar a titularidade e débito directo do contrato da NOS para a minha mãe, e cancelar um serviço de segunda habitação, com apenas um telefonema. Foi um telefonema longo, que foi, mais de uma hora; mas quem me atendeu foi de uma simpatia e eficiência extrema, e ficou tudo resolvido. Além de que sendo eu cliente, o telefonema me ficou em zero euros. Kudos.

Depois seguiu-se a MEO, e ó minhanossasenhora. O telefonema, que se adivinhava longo, seria pago (e bem, que não ia ligar de um número da rede). Estávamos em confinamento, com tudo fechado, mas ainda assim a minha sovinice venceu. Safoda, mando um mail com a certidão de óbito digitalizada. Procura na factura o contacto de mail, népias. Procura no site contacto de mail, nicles. Para me contactarem tenho de lá deixar o meu número, com a patranha de que se trata de um assunto comercial (não é). Ainda assim, insiro, prometem ligar num dia. E ligaram. Duas vezes. Estava a conduzir, e o número não dava para ligar de volta. Ainda não fui à loja física, pretendo começar um plano de treino cardio / meditação zen antes. E passar na farmácia.

Serviços municipalizados de auguinha, lá da terrinha onde passamos férias e tenho habitação secundária. Telefonei e confirmei, só facilidades: preencher o impresso que está no site, enviar documentação digitalizada, booom. Só que não. Impressos de mudança de titularidade e débito directo não se podem preencher online, há que imprimir (ok, dou desconto, é por mor da assinatura). Primeira perplexidade: os espaços não dão para inserir, na íntegra, tudo o que me pedem; as quadrículas são assim, ó, e terei de escrever numa letra mesmo picarruchita. Acresce que depois terá de ser digitalizado, o que é dizer, bem digitalizado; e mesmo preenchendo a tinta preta tenha sérias dúvidas de que fique uma coisa legível. A ver vamos, enfim, coise. Note to self: passar na farmácia.

E a 'létricidade, hein, a luz? Finíssimo, o site da EDP está muito janota, aquilo é uma categoria, um utilizador médio (estou a ser optimista na minha auto-avaliação) chega facilmente onde tem de chegar para tratar das cenas. Como já tenho gás e electricidade da habitação principal na empresa, agregava tudo e pronto, uma só factura, uma só conta, tudo çimples. Só que não. A opção de juntar ambos os fornecimentos só prevê gás natural. Consulto a minha papelada, e lá na beira mar agreste a gente serve-se de gás propano. Ainda assim, a esperança é a última a morrer, donde, e porque me pedem um tal de CUI (código universal de instalação), volto a consultar a factura do actual foenecedor, onde nada consta, e devia constar. Mau. 

Segue portanto para o site do tal fornecedor, a Galp, a ver se descubro o mistério. Inicio registo, sim senhora, pedem NIF e insiro o de papai (titular), e informam que aquele NIF não está associado a qualquer contrato. Começamos bem, dado que tenho uma factura à minha frente, o titular é fulano de tal, o NIF de fulano de tal é o que inseri, e fulano de tal é, efectiva, indubitavelmente, cliente.  OK, calma. Calma. Não consigo registar, vamos ligar para o númbaro 808 que gentilmente fornecem. Faz ligação, cai. Vezes cinco. Calma, calma, calma. Procurar melhor num site que, nem por acaso, é pouco intuitivo, como posso descalçar a bota. Não consigo; felizmente há o google, que me direcciona para a página do site onde deveria ter conseguido ir ter sem este desvio. Mas calma, muita, muuuuita calma. Quem me pode informar do tal CUI é o fornecedor da zona, a benfazeja Lisboagás, que também tem um númbaro 808. Menina liga. Chamada cai. Sempre. Desisti de contar as vezes. Um cigarro, invocar mais calma, paletes de calma. 'xa cá ver nos contactos, há-de haver um ponto físico onde tratar desta joça, yay, ali em cima dá para clicar em contactos e lojas, não aparece nada. A este ponto uma pessoa já pode passar, justificadamente, aos foda-ses que caralho de puta de vida a minha, mas eu sou uma çenhoura, uma çenhoura, ouvisteS, Izzie Maria, tu tem calma. E já agora aproveita para ver se esta gente tem aqui contactos de reparadores que o teu hotspot teve uma pataleca, encontro (a custo, fodasecaralho, e mais uma vez passando pelo google, é que não há vergonha, chiçaporra) linques para a questão, e o que me recomendam as boas alminhas da galputasqueospariuatodos? Que contacte uma loja que venda o produto. Been there, done that, got the t-shirt; e lá disseram para vir ao site, calha bem. 

Resumindo: não consegui concluir a mudança para a EDP, esta ao menos tem lojas físicas onde terei de me deslocar; com um bocado de sorte fazem-me também o contrato para gás propano, não fazendo tenho de ficar com a Galputedo e caraças que no site parecia uma via sacra fazer a caralhada da mudança de titularidade, valha-me a minha já bastamente conhecida caaalma, serenidade e bonomia ante qualquer adversidade, ou estava já aqui a espumar da boca, e a magicar passar na decathlon para comprar um bastão de baseball e ir lá partir aquela merda toda, o que evidentemente não posso fazer porque além de bombas de gasolina e sede onde, presumo, trabalham os mui excelsos gestores que gerem a choldra e oferecem bilhetes para a bola a governantes, a galputaquepariu não acredita num contacto presencial com os fregueses.  

Mas estou calmíssima. Que remédio. Até porque não tenho seguro de saúde, vide supra.



segunda-feira, 17 de agosto de 2020

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[voltei das férias-fora-daqui, continuo nas férias-aqui, e não tenho nada de novo relevante interessante para dizer]

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Day In The Life

Hoje faz precisamente vinte e cinco anos que acabei o curso (de direito, já agora). Oral de Processo Civil II, cadeira do quarto ano que tinha deixado para trás porque só fiz Processo Civil I, curricularmente do terceiro ano, enquanto frequentava o quarto ano. Só isto já diz qualquer coisa sobre como encarei e fiz o caralhete daquele curso: como achava melhor, que fazer as cadeiras todas direitinhas, ano a ano, nope, não era para mim. Ou antes, aconteceu apenas no primeiro ano, depois ganhei algum juízo, curiosamente quando praticamente o perdi, no segundo ano (resumidamente: ansiedade descontrolada, ataques de pânico, depressão). Decidi o quê e quando, só frequentava as aulas de avaliação contínua quando o assistente valia a pena (nota de rodapé: raras vezes valia a pena), e na maioria das cadeiras estudava sozinha (a percentagem de aulas teóricas que valia a pena era ainda menor), fazia exame escrito com a preocupação de sacar o mínimo para ir a oral (sete valores), e fazia oral (funny fact, não foi uma nem duas em que entrei com nega e saí ou aprovada - nas cadeiras de merda bastava-me issso - ou com uma boa positiva. nunca esquecerei a cara de tacho do meu assistente de Direito Internacional Privado, um cadeirão com justa fama de dificílimo, que me deu dez a avaliação contínua, me viu entrar na oral com oito de exame, passar a cara de puro espanto durante a prova, ao se dar conta que afinal eu percebia daquilo. fiquei com doze. nada mau, considerando).

Foram os piores seis anos da minha vida, e acho que alguém me deve uma indemnização qualquer por, no folclore, estar bem assente a ideia de que a faculdade é a melhor época da nossa vida. Não foi a minha, e penso que é seguro afirmar que muita gente concorda. Vim do liceu uma miúda cheia de gosto pela escola e pela aprendizagem, cheia de ideais de que a universidade seria moldada à imagem daquele fresco em que na ágora Aristotles e Platão debatiam, e os alunos bebiam o seu saber. 'Tá bem abelha. Se me pedissem para retratar a minha visão daquele antro de egos, chusma de salazaritos, amontoado de sebentas velhas, onde se privilegiava não o saber mas o empinanço puro e simples, faria uma coisa muito pós-moderna, usando como meio lixo decomposto e que nem serviria para reutilização ou reciclagem. É que não obstante entrada planando em nuvens diáfanas acabei a chafurdar num aterro imundo e pestilento. True story. 

Persisti e acabei e curso apenas por teimosia. E despeito. E porque prometi ao meu pai. Acabei quase acabada, sem quaisquer perspectivas (o nepotismo e amiguismo é fortíssimo, naquela instituição, e eu não tinha passe para o caminho das pedras), mas lá me amanhei. Arranjaram-me um Patrono (um clínico geral da advocacia, sem pergaminhos, conhecimentos ou fama) que me pôs a trabalhar (de borla, claro) comó caraças, e foi então que comecei a perceber para que servia aquela merdunça toda que me obrigaram a enfiar na cabeça. Toda, não: cerca de metade, que o resto do curso serve (servia?) apenas para encher chouriços e dar emprego a medíocres. Fiz de tudo: bater conservatórias, notários, repartições de finanças; ir para o tribunal com uma listinha de processos para consultar e tomar notas e, já agora, recolher guias de pagamento, ou ir para a fila da distribuição com petições novinhas em folha, dar entrada de peças. Assisti a muitas diligências judiciais (acompanhava o meu patrono a todas as que fazia) e fiz os sessenta julgamentos / diligências que o estágio obrigava a assistir. Bastava uma por dia (vinte a crime, vinte a cível, vinte a trabalho), mas muitas das vezes deixava-me ficar a assistir a mais. Porque estava a aprender, finalmente. A absorver tudo. A construir a minha estrutura de profissional, mais do que de licenciada numa porra qualquer. A amanhar peixe para depois o saber cozinhar bem. A perceber, enfim, para que servia o Direito.

E para que serve, hein? Para os outros não sei, para mim serve para resolver problemas. Simplesmente. E se a resolução que a lei aponta é chocante, bizarra, aberrante, é porque não se está a fazer Direito, está-se a aplicar mal a lei parvamente. Não, dura lex não sed lex. A lex não é um fim em sim mesmo, o Direito é um sistema, e é preciso ter mais que a capacidade de ler e decorar os canhenhos e transferir para o caso. É preciso imaginação (quem diria, hein), sentido crítico, duvidar metódica e constantemente, principalmente perante resultados que ferem a mais elementar noção de justiça e adequação, voltar atrás, estudar mais, pensar e, nunca esquecer, ter sempre presente que somos falíveis, facilmente nos atolamos em atavismos que facilitam a vida mas não aliviam a consciência, mas temos a obrigação de fazer o melhor possível porque a lei - o Direito! - serve a sociedade e o cidadão, e não o contrário.

Vinte e cinco anos passados, valeu a pena? Meh. Tenho um trabalho que me paga as contas, me proporciona uma vida confortável, e até me traz algum prazer (em dias muito alternados). Por outro lado, falhei redondamente. Não segui uma "vocação". Não deixei tudo para trás quando percebi que aquilo não me fazia feliz, e não insisti num sonho que (obviamente!) seria alcansável, para tanto bastaria que eu acreditasse mesmo e me esforçasse o suficiente. Verdade seja dita: a minha vida não se assemelha, minimamente, à vida que um dia sonhei para mim (and there's nothing wrong with that). E pronto, para os vendedores de banha da cobra do self-help, coaching e tretas do género, falhei redonda e retumbantemente. Para uma pessimista como eu - sendo que a minha definição preferida de pessimista é a de um optimista bem informado - acho que até me safei muito razoavelmente. Sou independente e não peso a ninguém. Tenho uma vida melhor que a de muitos. Esforcei e continuo a esforçar-me, mas tenho noção de que também tive muita sorte. O que de melhor tenho na vida não aconteceu apenas em virtude de qualquer esforço ou mérito, mas muito porque calhou. Tal como as coisas más não serviram para me castigar: simplesmente calhou acontecerem. Padeço muito de overthinking, self-doubting e sou uma poster girl do síndrome de impostor; continuo a batalhar com a ansiedade e depressão, não me alimento saudavelmente, fumo, não cuido de mim como devia, canso-me com facilidade, cedo mais do que gostava ao ennui. Ou seja, não tenho nada a ensinar a ninguém sobre a inefável arte de viver. Nem quero, credo. A minha ted talk seria não só uma das mais curtas como deprimentes de sempre, e terminaria com um "isto é mesmo assim, geralmente calha cocó, e um gajo tem é de saber lidar, muita forcinha".  

Mas cá estamos. Lidando (uns dias mais, outros menos) e botando (muita, chata, interminável) faladura. 
Muita forcinha, hein? Hein.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Entretanto




Na simpática vila balnear onde costumamos passar férias, e para onde rumámos no fim-de-semana na expectativa de uns dias descansados longe do inferno lisboeta, as pessoas baixaram o ficheiro "férias" sem o anexo "pandemia", e passeiam-se alegre e despreocupadamente sem máscara. Tudo bem que na praia não a usem - desde que respeitem as devidas e higiénicas distâncias, nada contra. Mas saem da praia sem, andam pela rua de cara ao fresco, passam umas pelas outras, conversam, convivem, enfim, vivem la vida loca sem paninho na boca e nariz. Apanhámos um camadão de nervos, tive várias vezes vontade de desatar a vociferar com estranhos na rua - mais valia, ao menos afastavam-se, que a loucura assusta mais que um vírus - e começamos a imaginar umas férias sui generis sem esplanada, com um único trajecto casa-praia-casa, zero sardinhas, nicles de pizza em forno de lenha, e muito sedoxil.

Haters gonna hate

Frugal sou eu. 
Os holandeses são é somíticos, unhas de fome, sovinas, avarentos, fonas, mesquinhos, agarrados, forretas, fuinhas e forra-gaitas (esta desconhecia, adorei).
E não têm muito sentido de comunidade, além disso; excepto quando toca a facilitar a domiciliação de empresas e a empochar os impostinhos destas.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

O ar é de todos

Via tuíter (again) tomei conhecimento de uma polémica relativa à ciclovia da Almirante Reis, ainda a estavam a construir: parece que muita gente - alegadamente residente na zona - se opunha, e até foi constituído um grupo no feicebuque, denominado "vizinhos de Arroios", onde se reclamava a reposição da via no seu esplendor anterior.

Cusca como sou, e porque também tinha em vista ir espreitar umas utilidades domésticas à Vicrilana, fui ver. E pá, çinçeramente, há gente que deve ter uma vida muito fixe, porque só reclama e se chateia com merdelhunças que haja noção. Lá a ver.

A ciclovia suprimiu uma das quatro faixas disponíveis, e apenas no sentido ascendente, que nem por acaso é aquele que costuma ter menos tráfego (disclaimer: não é ciência, é a impressão de quem vive na zona há 17 anos). Está delimitada por pilaretes porque isto aqui é um país de sociopatas que só não comete a bela infracção se tiver um polícia mesmo à sua beira. Fica livre para Sua Excelência, Alteza Sereníssima, o Automóvel, uma faixa nesse sentido, que é também a que tem carris e onde passa o eléctrico; portanto, a faixa mais à direita. 

Sobre se a dita ciclovia está bem planeada e implementada, se constitui um risco - ou não - para ciclistas, não me pronuncio; não sou ciclista, ergo não tenho conhecimentos para dar bitaites (não que isso impeça seja quem for, mas eu tenho um nico de noção). Este é o argumento a que, em última ratio, se agarram os puristas do asfalto: depois de desfiarem o triste rosário de como a cilcovia vai piorar a) o trânsito de superfície, porque acumula carros numa só faixa; b) o calvário dos comerciantes, agora onde é que vão deixar o carro - em segunda fila - para fazer cargas e descargas ); c) e o estacionamento, jasuscredo, que não há, vai diminuir ainda mais (?) e óspois quem sofre é o comércio local.

Ahééém. Izzie ispilica. 

Ponto a): A faixa que agora é ciclovia estava quase permanentemente bloqueada. Facto: regular ou mesmopermanentemente, aquilo era o parque de estacionamento não pago de comerciantes, habitantes e outros meliantes, pelo que argumento a), já foste. Ali não se circulava, estacionava-se. Ou parava-se, como preferem dizer. Sim, sim. Parava-se umas horitas, enquanto se ia tratar de vidinha.
Ponto b): Ao longo da faixa mais à direita há lugares de estacionamento e mesmo lugares dedicados a cargas e descargas, donde, os comerciantes que acordem cedinho, que a quem madruga diz que deuz ajuda. Se por um estranho acaso, nunca antes ocorrido (ironia), pretenderem deixar a viatura comercial todóóóó dia ali perto, mais à mão, nunca se sabe, a vida desta gente é tão complicada, de repente é preciso não sei quê, fazem como o resto dos cidadãos, entre os quais os moradores de Lisboa que têm a ideia de levar um automóvel para ali: parque pago. Há um no Martim Moniz, mesmo a jeito para os comerciantes, olha que conveniente.
Ponto c) Estacionamento há, mas a pagar, vide ponto anterior. É pouco? Pois é, aquela parte da cidade foi construída quando quase ninguém tinha automóvel. Aquela e outras. Mas quem se queixa até parece que não tem a opção de deixar a carripana num local onde até nem se pague estacionamento, e apanhar o metro. É só uma ideia, fica a sugestão. Quarenta e nove anos, e nunca na rameira da minha vida levei o carro para a Baixa ou arredores. Achava eu que por ser uma pessoa prática e fuínha (olha pagar parque, só quando tem mesmo de ser), afinal é porque não gosto de andar às voltinhas, a gastar combustível e paciência, e a malhar em quem gere a edilidade. Donde, a falta de estacionamento não é obstáculo para o freguês do comércio local. Na loucura, apanhem um táxi, um uber, um ataque de caspa, mas não se queixem (mais) da falta de estacionamento no centro. Tema além de estafado, muito chaaaato.

Resumidamente: há espaço para todos, é preciso é saber partilhar, distribuí-lo por todos, de acordo com as suas necessidades. Sim, é marxismo rodoviário. Ou, como eu prefiro, puro bom senso. Corolários?
- A cidade pertence a todos, residentes ou visitantes.
- As estruturas da cidade têm de servir todos: peões, ciclistas, motociclistas, automobilistas; e garantir que todos podem circular em segurança.
- Nenhum dos apontados tem mais direitos ou prevalência sobre outro (engraçado, muitos até se inserem em mais que um grupo);
- Donde, automobilista só muda de faixa depois de olhar para os retrovisores e accionar pisca (pode lá vir um motociclista), todos páram nos vermelhos, páram nas passadeiras, circulam abaixo de 30km/hora nas imediações de escolas ou zonas residenciais, não estacionam em cima do passeio ou passadeiras; todos respeitam limites de velocidade; ciclistas também não passam vermelhos de peões; motociclistas não fazem razias, que há pessoas de coração fraco. Ah, e se os automobilistas tiverem a consideração de não se posicionarem em cima da linha separadora de vias, é um favor que fazem à circulação de motas. Eles agradecem. A sério, agradecem mesmo, eu sei.   
- E perante as necessidades de muitos, os poucos cedem, isto é, quem pára em cima de carris de eléctrico, faixas de trasnporte público, ou bloqueia paragens dos ditos, é uma vergonha de pessoa. Aliás, é meramente uma peçoa, que está ali rés-vés peçonha.
 
Pronto, ide lá à vossa vida, que hoje não vos maço mais.

(disclaimer: não sou ciclista, já andei mais de transporte público, actualmente sou 80% automobilista e 20% peão. mas a minha avó era uma senhora que insistia muito que é preciso é respeito e educação, ficou-me.)

Para os saudosistas, ficam umas imagens da almirante Reis, do tempo em que havia espaço à larga para automóveis (e estacionar, the good old days, snif):







quarta-feira, 8 de julho de 2020

Sem embargo, FML

Porque no total e considerando aqueles produtos em específico me ficava mais barato, resolvi dar uma segunda chance à Tiendanimal. Afinal já passou um (dois?) anos desde que a transportadora deles (seur) fez o número de registar entrega falhada porque não estava ninguém, e eu a receber o email do incidente... em casa, de onde nunca tinha saído.
Ora hoje, nas minhas contas, é o terceiro dia em que a encomenda deveria ser entregue (no primeiro fizeram o número, os agendamentos feitos no site e não rejeitados por este parece que foram para o espaço). Encomenda de 29.06, primeira (falsa) tentativa de entrega dia 2.07.
Eu sei que custa alombar com quatro sacos de areia de 14 quilos cada; por isso é que mando vir. Derivado de uma cena nas costas ficaria entrevadinha se os fosse buscar ao vosso pick up point (que é o que eles querem, piretes). Por isso, e como terei mesmo de ir comprar à loja (já fui buscar um remedeio, mas há três caixotes para mudar, já não vamos lá de remendos), já mandei mailzinho ao simpático comerciante (que não tem um simpático operador de call center, já agora) para ficarem com a fideputa ruim da mercadoria e me devolverem a bagalhoça.
Anyhoo, zooplus, de joelhos peço perdão, não mais te atraiçoarei. 

De meio vazio a meio cheio, ou o comprovado efeito psicoterapeutico da schadenfreude

Uma pessoa até pode acordar do lado errado da vida e passar o dia inteiro a sentir-se a latrina da humanidade, mas depois vai ao twitter e vê uma carantonha (infelizmente) conhecida a ser caracterizada como a Karen* do twitter e, parecendo que não, melhora.

[internacionalizou, é certo, mas eu é que fui a primeiras a cunhar-lhe o cognome de maria vieira da blogosgera]

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Bummer, não boomer

Aqui há dias, por ocasião do meu quadragésimo nono aniversário, o meu sobrinho adolescente (*suspiros*) olha com ar sarcástico (que passou a normal, nele, derivado de *suspiros*) para os meus pés e sai-se com "não sei se ainda podes usar desses ténis". Pontos por não ter dito "não tens idade". Ou antes, tinha levado pontos - no posto de saúde - se tivesse dito "não tens idade", mas adiante. Estava implícito, eu sei, mas ainda se aprecia a delicadeza no trato (considerando e descontando *suspiros*). Respondi de imediato "claro que posso: a) gosto deles; b) tenho dinheiro para os comprar." São uns ténis por acaso bem giros, rosa fuschia. E, no campo do téne colorido, nem sequer são filhos únicos, e ele já me viu com outros calçados. Mas resolveu ser engraçadinho, benzó deus, que eu já não tenho paciência. Em três meses de distânciamento social o catamiço cresceu bem um palmo, mudou de voz, e refinou a palermice. Por exemplo, continua a, ocasionalmente, responder-me com o já mítico "ok, boomer". E isto dá-me nervos, não porque enfie qualquer carapuça, mas porque já tive oportunidade de lhe explicar que nem me enquadro na referida faixa etária, como o termo não tem, em rigor, aplicação em Portugal. Eu e o pai, cheios de paciência, já tivémos oportunidade de lhe explicar o que é um baby boomer, e que tal fenómeno se restringe a um país. Mas ele, népia. "Ok, boomer", e ri-se muito. E a mim chateia, porque se está a rir da sua própria ignorância (que, neste caso, é opcional e insistente), e falta de sentido crítico. 
Sinceramente, pá. Deviam passar dos dez, onze para os vinte, e pronto.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

The Cat Diaries [20] You've Got a Friend in Me

Ena, ena, ena. vai quase um ano que não actualizo o The Cat Diaries, se dúvidas houvesse que nunca sobreviveria como cat influencer via um kitty blog, estão afastadas.

Estão todos bem, felizmente. A meio de Março a Scully começou com uma tosse esquisita, decidimos aguardar dois, três dias a ver como evoluía, e como estava tudo na mesma resolvemos ligar para o vet. Em pleno período covid, e como só atendiam casos mesmo, mesmo necessários, lá relatei os sintomas e recebemos o ok para levar a moça, hora marcada e pronto. Depois é que foi. Custou-nos mais a nós que a ela, literalmente. Nem falando da conta calada que um exame completo implicou (raio x, hemograma, etc), apanhar e engaiolar Sua Alteza foi o filme que já se esperava, ficando eu com marcas que o comprovam, apesar de usar luvas de jardingem que, hélas, não me protegeram os pulsos.
Nada nos pulmões, voltámos com comprimidos de cortisona que resolveram a situação, ufa, não foi preciso antibiótico. É que dar medicação a esta Senhora Doutora é outro filme, resultou o estratagema de misturar no paté, mas ela já estava desconfiadíssima, só nos saem gatos espertos e com pelinho na venta.
A má notícia é que a Ex.ma Senhora Dona está acima do peso (é a bucha do bando, come só porque sim, por tédio, porque sei lá eu) e com uma glicémia elevada, ou seja, obesa e pré-diabética. E como se põe uma gata em dieta, pergunto eu, quando os outros três estão elegantes e finos, e comem só o que precisam? Não faço ideia, mas comprei ração específica para diabetes que passei a misturar na outra. A ver vamos, um dia destes ganho coragem para marcar outra consulta a ver se nos recomendam um plano exequível.
Tirando a ciumeira louca que tem da mais nova, Dana Scully continua uma fofa-fofa-mimosa, que já ronrona imenso e adora mimos e ser escovada (bem precsia, é uma fábrica de pelo).
Bombom da mamã.



Já a mai'nova, fonte da referida ciumeira, continua linda que só ela, cresceu um bocado (mas vai ser sempre uma gata pequena), e adora, adora, adora todos os manos. Olha para o Fox Mulder com uns olhos de admiração que não se descreve, e sempre que o apanha a jeito dá-lhe um abracinho (juro, patinha em cima do pescoço do outro que, se de início estranhava, agora até acha bem). Faz a parelha da parvoíce com Mad Max, correrias e brincadeira que, infelizmente, muitas vezes incluem corrida de obstáculos sobre corpos humanos às tantas da madrugada. E continua a tentar seduzir a mana mai'velha, com aproximações estudadas. É frequente estarem as duas a fazer a sesta na mesma almofada grande (do ikea, recomendo vivamente, é um sucesso lá em casa), mas com distância de segurança. Já foi possível manter as duas, mas por pouco período de tempo, lado a lado no sofá, entre nós, mas de vez em quando há patada da Scully, só para mostrar quem manda. Como eu disse, pelinho na venta.

A pequenina Selina Kyle, reconheça-se, é insistente e tenho a esperança que um dia se alcance um estado de convivência pacífica, unida, amiga entre ambas. O esforço está todo do mesmo lado: nunca vi uma gatinha tão sociável, com tanta vontade de fazer amizade, com tanta inteligência emocional, patente no relacionamento diferenciado que mantém com cada uma das personalidades felinas residentes.

Aqui há tempos tivémos a demonstração que não é só com gatos que demonstra esta facilidade no trato social. Chego eu ao quarto, já numa hora de lufa-lufa-temos-de-sair-não-tarda, e está me mate sentadinho na cama a olhar para a janela. Faz-me sinal para ficar em silêncio e sentar também, e que espectáculo se desenrolava? Selina no parapeito, a olhar para a rua, e um pássaro pequeno (fui verificar a um site da especialidade, era uma fuinha-dos-juncos) aparece a esvoaçar e a piar mesmo em frente à cara dela, desaparece, e volta a esta negaça. A pequenita estava encantada: arrulhava (sim, ela não mia, arrulha) de felicidade e espanto, olhava para nós e para a janela. Nos dias seguintes voltou ao mesmo poiso, à mesma hora, ficava a fitar o lá fora, à espera do seu amigo, que não aparecia, e arrulhava de desapontamento.   

Amigos, amigos, são todos potenciais amigos. Ainda dizem que os gatos não sei quê. Gotta love'hem.


Selina e Max a dormir no seu colchão preferido, esta que vos escreve.



Não, não é fácil fotografar (bem) gatos pretos :/


Ei. Tázaí a fazer?

terça-feira, 2 de junho de 2020

[ ]




Tempos houve em que eu estaria comidinha para botar faladura e com um formigueiro nos dedos que nem um tubo de fenistil me impediria de aqui vir debulhar tudo, tudinho, tudooo o que me vai na alma neste momento do tempo e da história, mas olha, não sei se cresci, me tornei mais indiferente (aos outros, que aos assuntos continuo na mesma inquietação dolorosa de sempre), que nope. Não tenho idade nem vocação para educar ou esclarecer ninguém, e muito menos quem resiste estóica e heroicamente a deixar-se convencer do contrário que defende, apesar de o facto de se envolver em toda a polémica ou discussão pública assim faça crer aos mais ingénuos.
Eu também já fui isto e aquilo, já acreditei e defendi coisas que hoje me fazem corar de vergonha; mas entretanto calhou cair-me uma ficha que me cai amiúde, que se resume num "e se eu não tiver razão e estiver a fazer uma valente figura de parva" (bendito síndrome de impostor, alguma valia havia de ter). Acto contínuo, vou ler / ouvir / aprender mais sobre o assunto, de preferência bebendo as palavras, ideias, sentimentos de quem directamente é afectado pelo assunto em causa. E não é que já mudei de ideias muitas vezes? Isto r'almente. Sair da caixa, do nosso lugar de conforto, para mim é isto: assumir a desconfortável possibilidade de estarmos enganados, em erro, a não ver bem a coisa; ir procurar mais respostas, pensar aturadamente, reflectir com seriedade, e não ter medo de assumir que estávamos a ser um pedaço besta.
Muitas vezes tenho sorte, e a nova perspectiva apresenta-se sem que eu tenha de fazer este esforço todo. Dou com ela de frente, olha-me nos olhos, abana a cabeça em reprovação, e eu não a corro à vassourada, é este o meu "trabalho". E pensar, claro. Nem que seja para rejeitar  - acontece - mas ao menos fez-me pensar. E reflectir para rejeitar também nos faz encontrar novos argumentos que fortalecem a nossa visão.
Enfim, como em tudo na vida, não ter sinapses de betão pode conduzir-nos a processos altamente desconfortáveis, mas caneco, a sensação de se avançar um pedacito que seja em direcção a uma maior empatia, compreensão do outro, aceitação de realidades diferentes, e até que não sabemos nada e estar calado, sem abdicar de ser aliado, pode ser a melhor conduta, é uma recompensa bestial.
E pronto, não era para dizer nada e disse mais do que queria (devia?). Parto do princípio que as outras pessoas têm os mesmos meios que eu para se educar e informar, vieram equipadas de origem com um cérebro que funciona, pelo que usem-no, se quiserem, se não quiserem também (já) não contem comigo para discussões patetas.


segunda-feira, 25 de maio de 2020

A cidade está deserta

Sim senhoras que acabou o confinamento a modos que obrigatório, e eu lá arranjei coragem para ir ao cabeleireiro tratar da piruca que, ela sim, já estava em estado de emergência, a parecer uma esfregona com muito uso.
Para além de tratar da fachada e ganhar confiança na circulação e entrada de serviços, acrescia o teste de esforço ao uso da máscara (quatro horas, no total, non-stop, credo). Já a questão da deslocação confesso-me caguinchas e não consegui ir de metro: a pé, ida e volta, um total de seis mil oitocentos e poucos passos, até nem é aterrador.
De caminho comovi e entristeci, por voltar a ver uma cidade que já não conhecia assim há anos, e nunca num mês de Maio. Eléctricos vazios e sem filas na paragem, ruas só com autóctones (muitos sem máscara, meliantes) e, ainda assim, uma meia dúzia de turistas que não faço ideia de onde vieram, como ou porquê. Ao passar à porta de um café sai um senhor a falar ao telemóvel e que "isto não está mau, está péssimo"; as poucas lojas abertas quase sem freguesia - tirando a zara, tinha fila à porta, pode comprar-se na net, pá - é um bocadinho desolador.
Ali à roda das cinco e meia, seis, era este o panorama na Baixa, num dos semáforos e passadeira mais concorridos todo o ano:





Mas os jacarandás estão lindos.
Isso estão.
E zero encontrões. E é possível caminhar em linha recta.
Ainda não sei se gosto deste oito, se bem que a verdadinha é que não gostava mesmo nada do oitenta.

(e tenho uma grande e sincera pena de quem trabalha ou depende do turismo, que tenho)

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Atira-me água benta

Uma pessoa, depois do assédio inusitado e mesmo cruel a que foi sujeita segunda e terça por ocasião de trabalho presencial, decide reconfinar-se e teletrabalhar quarta e quinta, a ver se faz alguma coisa de jeito sem que esteja constantemente a ser interrompida. Uma pessoa levanta-se às horas do costume (muito cedo, é sempre demasiado cedo), deixa cara-metade no trabalho, volta a casa e, devidamente fardada de jeans e sweater, está pronta a produzir, a contribuir para a sociedade, a justificar a remuneração auferida.
Disto ninguém fala, mas há um poderoso inimigo do teletrabalhador. Não é o pijama e a falta de vontade de o trocar (pelamorsasanta, somos adultos, pijama durante o dia só no hospital, we'll always have jean&sweater/t-shirt), não é a proximidade do frigorífico, não é a preguicinha. É o bicho, o monstro do Antes-Porém.
Passo a explicar.
O Antes-Porém é um ser inefável que paira nas nossas existências, mas incorpora com extrema rapidez, precisamente quando mais desatentos e desguardados estamos, ali no exacto momento em que esquecemos a sua ubiquidade, a sua uber maldade, e achamos estar a salvo do ataque.
Exemplifico.
Uma pessoa está ali motivadinha e mortinha por trabalhar, já se orienta na direção do escritório para abrir o computador quando PUMBAS, Antes-Porém vou ali apanhar a roupa, que já deve estar seca. Claro que se apanha a roupa, que nem leva assim tanto tempo, e já pego ali no serviço, mas ainda se está a dobrar a última toalha e já nos cai a ideia que Antes-Porém, aproveito estar aqui no quarto de vestir e arrumo os cachecóis e troco-os pelas écharpes. Realizada esta tarefa, e ainda antes de termos tempo de começar a programar a tarefa laboral que primeiramente iremos executar, eis que nos surge o Antes-Porém já agora também arrumas as roupas interiores de inverno e as substituis pelas t-shirts e tal.
Acho que me fiz entender.
Esta manhã tive umas cinco aparições de Antes-Porém e, julgando eu já estar safa da sua influência nefasta, baixa-me Entretanto (esse outro bicho maléfico e oportunista) já se fez hora de almoço, e pronto; vitória, vitória, era bom que se tivesse acabado a história, mas cheira-me que nem o mais reputado exorcista me livra desta triste desdita.