quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

And in the end the love you take is equal to the love you make*

Não estão tempos para balanços e retrospectivas, que não estão: ainda ontem pensava eu, rejubilante, que esta coisa das máscaras era um fantástico silver lining, e a manter para sempre, que consegui chegar ao fim de Dezembro sem as duas constipações / dores de garganta / tosses / ranhosices da média e tau, hoje tenho aqui um piquinho na amígdala.

Sim, sim, twenny-twenny foi aquele ano que, como comunidade, já se sabe. Mas foi também o ano, não há como não frisar, o mesmo ano em que foi declarada uma pandemia e descoberta / desenvolvida / distribuída uma vacina. Isto é um bocado uau, para não dizer estupidamente yay. 

Donde, e a um nível a modos que global, 'tá-se. Mais um bocadinho de paciência e em Abril, Maio mamãe já está vacinada (um peso enorme que me tiram); lá para Junho, Julho calha a moi e aos que me rodeiam (e já posso ir de manga curta, não obrigando ninguém a ter de encarar meu torso desnudo - estou a brincar, senhores, levai mangas curtas, ninguém precisa de ver mais man-boobs).

O resto logo se vê, sorry (not sorry) pelo egocentrismo, mas tenho mais com que me ralar num futuro próximo. É que twenny-twenny não levou só o meu pai e o casamento do meu irmão: a partir de amanhã a outra metade deste casal vai estar desempregada. Quer dizer, em situação de não empregada. Sem trabalho? Isso. Não se trata de uma consequência directa da covid, pois estava já a entrar no simpático e aconchegante forno do capitalismo há precisamente um ano; mas a pandemia veio reforçar e acelerar uma decisão executiva, tomada por doutores engenheiros daqueles que ganham chorudamente para pensar nestas coisas, e ainda vão levar de presente um bambúrrio em prémios por as concretizar. Parece que as empresas, mesmo as que deram lucro (e do bom) antes e durante a pandemia, não precisam de trabalhadores. Quer dizer, já não precisavam antes, que trabalhador é bicho em vias de extinção e extinto será depois de caçado até ao último exemplar; agora o que se precisa é de colaboradores (qualquer pessoa que tenha umas luzes mínimas sobre os tempos da Segunda Guerra sente arrepios ao ouvir e ler esta palavra), que são umas pessoas muito colaborantes, isto é, não chateiam com coisas de somenos importância como vínculos, estabilidade, horários, salário digno e adequado, pagamentos à Segurança Social a cargo do benfazejo empregador, helás, são pessoas muito modernas e eficientes, que fazem o que lhes pedem para fazer e não maçam quem manda fazer - que seria! - nem são entrave à mais valia para quem, nesta relação, tem de ser preservado, apaparicado, premiado - estou a falar do accionista, claro, que o aparicamento e prémio do shôr director estratega engenheiro ninguém esquece. Donde, pErtanteS, mais uma empresa que qualquer dia tem mais dirigentes que empregados colaboradores, e mesmo estes não têm qualquer parentesco com a dita empresa, mais faltava tais intimidades, são apanhados no largo da aldeia pela carrinha, manhã bem cedinho, escolhidos conforme a batata que há para cavar, pagos ao dia de jorna e cheios de sorte. É isto, é. E se, para arranjar lugar para este novel (lol) modelo de gestão de pessoal (lol) é preciso vagar os lugares ainda detidos pelos tais bichos raros dos trabalhadores, emprega-se os meios que forem adequados, ora essa. Chumbo grosso, armadilhas de urso, fossos com estacas. Ou ameaça de e de. Até a pessoa achar melhor solução a saída pela porta desengonçada que lhe abriram, mandar um sonoro fodam-se vocês, que a mim já ninguém fode** e ir. 

Anyhoo, como diria um motivador / influencer de algibeira / antigo primeiro ministro com um apelido de bichinho fofinho, é uma oportunidade. De quê, ainda não sabemos. Mas vai ser, porque sim. Sou uma pessoa um bocado teimosa, e quando embico pelo optimismo, ui. Até porque não pode ser tudo mau, na puta desta vida. 

Calhou também que, neste ano da desgraça, tenha tido a melhor notícia de sempre - até agora - que foi a sobrinha bomboca-linda ter ido estudar o que sempre quis para uma universidade lá fora onde nunca pensou que conseguisse entrar, que a concorrência é muita. Concluindo, preciso muito da vacina, pode ser bácina, também. Porque nos próximos quatro anos (tudo correndo bem), vamos inaugurar um corredor aéreo Lisboa - Berlim sem precedentes. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, tornar-me-ei transportadora de bacalhau seco, lata de atum e sardinha, azeitona, azeite, superbock, em mala de porão. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, serei capaz de perceber a menina da caixa quando me disser quanto tenho de pagar pelos 271 ritter sport (chocolate com iva a 6%!!) que estou a aviar. Nos próximos quatro anos, muito provavelmente, não conseguirei converter-me ao currywurst (aarrrrggghhhh) ou qualquer tipo de salsicha (what gives? a sério.) mas me mate ficará saciadinho e feliz. E a culpa não é só do babanço que temos pela sobrinha. A culpa, maioritariamente, é do Brexit e pó que actualmente tenho aos ingleses.  E de termos ido a Berlim há quase dois anos, e nos termos apaixonado. A certo ponto olhámos um para o outro e disse eu, "é para aqui, agora?", e ele fez que sim. É para ali, agora. E onde calhar. 

A ver se temos sabedoria e sorte na leitura de mapas. Não temos, eu sei; mas ao menos fazemos figura de idiota juntos. Isso é certo. Confortável, aconchegantemente certo.


*há sempre uma música dos Beatles adequada a qualquer, repito, qualquer situação. o mesmo sucede com as tirinhas da Mafalda.

**citando João César Monteiro, ídolo de me mate (eye roll), numa das poucas ocasiões em que lhe achei graça.



14 comentários:

  1. Um bom ano, Izzie. Pelo menos, já tens planos :)
    Força e coragem para os dois, que isto não está fácil.

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    1. Obrigada, Wallis, e que te seja doce, este ano!
      É o que é, tem de se enfrentar ;)

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  2. E que no meio disto tudo sejas feliz e tenhas saúde, é o que venho aqui desejar-te para 2021 e todos os que se seguem. Um muito feliz 2021 (com vacinas)!

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    1. Obrigada, Mac, e desejo de volta o mesmo: serenidade, saúde e felicidade. E vacinas, vacinas :D

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    1. Obrigada, Sãozinha, isto é lidar, né? Um abraço de volta, e um ano bom, bom :)

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  4. Ei, sim vai ser uma oportunidade. Quanto mais não seja a oportunidade de não perder a sanidade mental num emprego que visa encher bolsos a capitalistas que cagam de alto no trabalhador e só geram revolta e desespero. Que seja um bom ano, carai. Nenhum patrão merece a nossa sanidade mental. Torcendo por vossas pessoas <3
    (e Berlim sounds good!)

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    1. Red, verdade seja dita, ele não era feliz lá (era, cada vez mais, brutalmente infeliz), e há uns 8 anos que a saúde mental se ressentia. A situação é o que é, um misto de alívio e muita preocupação (não tem direito a sub. de desemprego, a indemnização é quase toda comida pelos impostos - mas gerindo bem a coisa, em 2022 ainda nos devolvem parte -, começar de novo com 45 anos é dose).
      Mas vai correr bem, because i say so :)

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  5. Ja comprei 3 voos para Berlim que tive que desmarcar 'a ultima hora. Conheco muitas outras cidades na Alemanha, ate road trips ja fiz, e quem me conhece diz que quando for a Berlim ja de la nao saio.

    Nao tenhas po aos Ingleses linda, metade deles estao contigo e tao tristes ou mais com a outra metade. E' muito triste o que nos esta' a acontecer, e para quem assentou arraiais aqui e tem familia aqui, agora tem e' que lutar para mudar o sistema por dentro. E' por isso que, pela primeira vez, sinto necessidade de tirar a cidadania, que ja podia ter ha muitos anos e nunca quis. Por agora quero lutar para ter a minha voz, nao por mim que eu sou feliz em qq lado e nao tenho problemas em ir embora, mas pelo futuro dos meus filhos que sao ingleses.

    Abracinho para ultrapassares os problemas de familia. 2020 tambem trouxe umas quantas dores de cabeca nesses campos 'a minha. xxx

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    1. Oh, Berlim. Nunca esperei apaixonra-me, só conseguimos ver metade da cidade, mas pronto, ficou-nos. E logo nessa altura quase há dois anos, pensámos que era o local ideal para a minha sobrinha estudar, pelo que foi bingo (ela está a adorar Berlim, apesar de detestar currywurst :D)

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  6. Ja agora, a saida do teu marido parece um caso de "constructive dismissal", que acontece quando querem despedir um empregado, mas nao sendo conveniente usar outros meios (fica-lhes mal na folha, tem que pagar indeminizacao, etc), fazem a vida negra ao empregado de tal forma que ele sente-se mal no posto ao ponto de preferir despedir-se perdendo todas as regalias. Nao porque nao gostasse do trabalho, ou porque quisesse despedir-se, mas porque lhe fizeram o ambiente tao mau que seria melhor sair. Aqui podes levar o caso a tribunal, e se conseguires provar que foi um caso de "constructive dismissal" eles pagam-lhe indeminizacoes chorudas.

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    1. Não, a situação não foi assim. Ele saiu por acordo, com indemnização e um severence package que inclui seguro de saúde por 3 anos e assesoria de uma empresa de job finders. Mas. O que é discutível e me dá asco é a situação global que levou a isto. A empresa delineou um plano de dispensar 1800 trabalhadores em 3 anos, e fez uma listinha, à qual mate foi parar. Ao longo de um ano foi chamado 3 vezes aos recursos humanos, sempre com a mesma conversa, que era melhor assim que... Negou das duas primeiras vezes. Entretanto, surge a oportunidade de ir trabalhar para outro departamento; vai a entrevista com responsável desse departamento que diz que por ele tudo bem, e dia tal logo começa. Só que o director da área em que mate estava vetou a sua saída. Tcharam. Sem justificação, ou antes, disse na cara de me mate que "não foi porque não tinha que ir". Depois este mesmo director deu a classificação mínima a mate. Dois dias e é chamado de novo aos RH. Ora além de o homem já ter a cabeça em água, todo este procedimento é de molde a dar a entender que ou aceitava sair a bem ou lhe moviam um processo disciplinar por inadaptação (é justa causa de despedimento, graças a um governo de direita). Até podia contestar, ir para tribunal e ganhar. Até podia fazer um pedido de indmenização por mobbing (bullying laboral) e tinha fundamentos para isso. Mas. Mas. O tribunal de trabalho está atulhado. Tinha de pagar custas, advogado. Ia ser um desgaste e uma angústia de anos. Ele nem sequer gosta do que fazia, não tinha qualquer pespectiva de progressão, pelo contrário. A empresa nunca iria assumir publicamente este plano de dispensar empregados (ficaria brutalmente mal vista, que na área é das que dá mais lucro) e fazer um despedimento colectivo, que ao menos o home teria uma indmenização e direito a sub. de desemprego por 540 dias.
      Tudo considerado, foi uma situação de cut your losses, ver as coisas de um ponto de vista de não vale a pena enlouquecer no processo só para provar que tem razão, e pronto.

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    2. Compreendo. Fui vitima de mobbing tb. E odeio isto, que a sardinha e' que apanha e mais vale "cut your losses" do que lutar porque os mecanismos que nos protegem estao atulhados ou custam muito ou como ha disparidade na representacao legal o empregador, o mais rico, o mais forte, ganha. E por isso podem torcer o braco a toda a gente, e fazer dos empregados escravos na actualidade. Fico possessa, triste, triste. Desmantelam sindicatos, obrigacao a registo, aumentam os custos da luta, e reduzem a oferta de servicos publicos e pronto, quem se f*(& e' o mexilhao.

      Ja senti isso na pele. Anos tb. Lembro as feridas. Revolta. Abracinho. Ha de sair por cima.

      xx

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    3. Aqui há uns anos, em que sofreu intenso mobbing de um chefe directo, o home pediu ajuda ao sindicato, e foi encaminhado para o advogado avençado. Olha, nem tenho palavras, foi tempo perdido, a ouvir do advogado que o deveria aconselhar que nem estava muito mal, havia situações piores. Arranjar um bom advogado especialista e que não tenha conflito de interesses também é complicado. E depois há a questão da prova... ele andou a guardar emails e papelada, mas por si só não chega. Precisaria de testemunhas, e os colegas dificilmente diriam toda a verdade.
      A área e empresa onde ele trabalhava é uma selva, e pasto ideal para sociopatas. Quem não mede meios é bem sucedido, mesmo que pelo caminho atropele os outros. ficava chocada com o nível de linguagem usada pelos superiores, nem a um empregado de café ou desconhecido na rua era capaz de falar assim, quanto mais pessoas que trabalham comigo.

      Enfim, são situações que não matam mas moem muito, como bem deves saber. Abracinho.

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