quarta-feira, 20 de abril de 2016

E se fosse contigo ou Do the right thing

Imginem vocelências que no decurso da vossa (a)normal actividade profissional tomam contacto com um assunto impregnado de cheiro a esturro. Como sois pessoas de afinado olfacto aquele odor incomoda-vos supinamente, mas como procurar panelas ao lume e levantar as respectivas tampas não é a tarefa que vos é exigida, nada mais resta que aguentar o dito cheirete. Acabais, portanto, por fazer o que vos é exigido, vá, digamos, misturar e temperar a salada, e fazem-no o melhor que sabem e podem, levando até em conta que, tratando-se de fregueses que deixam queimar os cozinhados, o tempero aplicado ao caso terá de ser o que mais se adequa a tal perfil. Ficam satisfeitos com o resultado final, e cientes que a saladinha foi salgada e mexida da forma mais correcta e adequada.

Ali um mês decorrido, já decerto a salada foi ingerida, digerida e restituída  à natureza pelas vias normais, dão de caras com uma certa notícia, por acaso num jornal não nacional, dedicada ao tema "panelas cujo conteúdo esturra mas estão tão bem tapadas que ninguém dá conta, até agora, levantámos nós o testo, e ó a miséria de espectáculo que se apresenta". E há ali qualquer coisa que vos desperta uma memória, a saber, a específica marca de fogão - chamemos-lhe Lumex - onde normalmente se sentam tais panelas. E vocês já deram com aquele tipo de fogão, na mesma cozinha onde prepararam uma salada, e na altura até acharam que era de uma panela num plantada que vinha forte cheiro a esturro mas, como estavam ocupados com crudités, nem de tal electrodoméstico se aproximaram.

E agora coloca-se a questão. Tendes uma montanha de batatas para debulhar (e essas cascas, fininhas!), muita alface para demolhar e ripar, muito tomate para cortar e temperar. Mas não conseguem tirar da lembrança o caneco do fogão. O vosso Sherlock interior está doudo, doudo para pousar a faca de legumes e ir buscar o registo de preparação daquela salada antiga, a ver se se confirma, num exultante "ahá!" que sim senhora, naquela cozinha existia, de facto, um fogão Lumex. E panelas ao lume. Que exalavam forte cheiro a esturro. Sendo que tal conteúdo estragou-se, quando não se devia ter estragado. E que- sabedes agora - há alguém a produzir fogões Lumex, com o único mister de queimar aquilo que certos cidadãos não querem que aproveite a quem tem fominha. E, verificada tal informação, mandar tudo ao cuidado da secção, subdivisão, qualquercoisasão de alimentos cozinhados, para que vão asinha àquela cozinha destapar umas panelinhas, salvando, quiçá, umas boas carninhas ou, ao menos, indagar o que se passa.

Mas depois, ah, chega o camião do fornecedor, e despeja mais um montão de batata. E depois, ah, já temos gente na sala aos gritos pela saladinha. Então depois, ah, ah, ah.
Que fazer. Que fazer. A minha vida é isto.

10 comentários:

  1. Medo. É nestas alturas em que dou graças a deus não estar na área das saladas nem das batatas.
    Boa sorte
    (És um génio com estes textos. Já eu questiono a minha sanidade mental quando chego ao fim de um deles e fez sentido)

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    1. Mas olha que até na área de mercearias um gajo pode topar com esturros. O assunto em causa parecia uma salada do mais limpinho e corriqueiro que há, mas aquele cheirete, pá. E os cozinheiros que via ao fundo, hum.

      Anyhoo, logo me havia de calhar esta semana. Mas vaizaver se não vou andar ali a levantar umas tampas, já me aconselhei aqui com uma pessoa que me disse que podia haver esturro do bom, e pronto, depois é mandar para quem de direito e logo apuram bem o cozinhado. Afinal pode meter mão na despensa colectiva, e eu nem dormia bem se deixasse passar.

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    2. (e só eu, que até perco o meu próprio carro, para guardar na memória uma marca de fogão que até não tinha a ver com as minhas saladas)

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    3. A memória é lixada. Às vezes gostava de me esquecer de determinadas coisas. Por este lado gostava de não ter talento para tropeçar nos erros dos outros. A minha vida era tãooo mais fácil.

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    4. Retenção de informação selectiva. E esquece, não tens qq real controlo do método de triagem... ;)

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    5. Ah, Patrícia, eu gostava de não estar sempre a tropeçar em aldrabices, mas... Ainda ontem tive aqui uns trapaceirecos, mas eram daqueles muito amadores, nem sabiam trapacear em condições. Agora esta situação, hum, pode ser uma das boas e sumarentas.

      Me, a minha memória é lixada. Fixo coisas do arco da velha, e normalmente relacionadas com trabalho. E depois nunca me lembro de coisas bem mais úteis da minha vida livre.

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  2. Como disse Saviano, reputado chef napolitano: averigua o que há a cheirar a esturro, mas não deixes de usar luvas.

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    1. Luvinhas, claro, e às vezes tem de ser daquelas até ao cotovelo ;)

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  3. É fácil falar quando se está de fora, mas eu não sei se me aguentava sem ir levantar tampas...

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    1. Anna, eu fui dando umas miradelas, porque sou uma curiosa do caneco. Mas havia ali um obstáculo que me parecia intransponível, e "deslarguei", que afinal até nem era importante para a salada. entretanto a tal notícia deu-me um desbloqueador. Dei um high five a mim mesma por a minha intuição ter funcionado, mas agora preciso de ir pesquisar e lamber uns docs para ter a certeza que é algo substancial. E ainda há quem diga mal da comunicação social.

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