sábado, 27 de junho de 2015

O direito do mais forte à liberdade

Quando era pequinititxa, mesmo ali na pré e primeiros anos da primária, tinha uma amiguinha, aquilo a que se chamaria a melhor amiga, que era uma pessoa, como direi, não é bem de personalidade forte, era entre isto e o atirar para o impositivo, alpha bitch, totalmente. Sempre que havia uma discordância, uma diferença de opiniões - e, naquelas idades, para surgir uma discussão que caiba neste espectro basta lançar um tema como "a que é que vamos brincar agora" -, e calhava eu não ceder, era um sarilho do caneco.
Note-se, apesar de eu ser bastamente conhecida pelo mau feitio e teimosia, a verdade é que, perante situações de impasse por coisas que não sejam de fundo ou implicassem um enxovalho superior ao que seria capaz de tolerar, eu cedia. Tudo a bem da paz (podre, verdade), e porque, enfim, há batalhas que não vale a pena travar.
Mas, de quando em vez, ela fornicava-me o juízo mais do que achava que devia contemporizar, e impunha-me. E ela, bom, reagia como reage uma criança habituada a levar a sua avante, pouco habituada a colocar-se no lugar do outro, ou a tentar perceber outras perspectivas. Zangava-se. Deixava de me falar, "já não sou tua amiga!", um drama do caralho. Mas não se ficava por aí. Acto contínuo, lançava-se na campanha de se eleger a vítima da malvada da Izzie, buhuuu, que a contrariou, e houve ainda aquela vez que. Isso mesmo: ia de coleguinha em coleguinha, fazendo o número de coitadinha, contando agravos presentes e passados, como eu era má, feia, e que não se dessem comigo, porque "tu és minha amiga, não és?".
E eu? Bom, eu ficava triste, claro que ficava. E não fazia mais nada. Para além de não nunca ter sido uma criança propriamente expansiva, que tivesse lata de andar, depois de uma zanga com a bff, a angariar um piquete de piedade e amizade com a minha pessoa, achava aquilo tudo muito palerma e desnecessário. E ficava no meu canto. Triste. Mas sem o deixar transparecer, às tantas - sim, estas cenas repetiam-se, assim como se repetiam a reconciliações e posteriores recidivas. E, se ficava triste com a atitude dela, mais triste ficava com a atitude das demais que, sem se cansarem a impor-se, ou averiguar seja o que for, se colocavam do seu lado. Achava uma injustiça. Aos poucos, e à custa de repetições, percebi que não o fazia por maldade ou pura parcialidade; era apenas um descaso, um desinteresse, um não se querer chatear com uma briga que não era delas. Entender isto capacitou-me para lhes perdoar um bocadinho. Afinal, não era mesmo com elas, pois não? Mas, ainda assim, magoava-me que fossem assim deixa-andar. Que fossem permeáveis à primeira - e única - abordagem, e tão facilmente deixassem de fazer caso de quem não tem estrutura para andar a cativar simpatias,a exigir solidariedade absoluta, a açambarcar a companhia com o propósito de também me privar dela.
Lembro-me de muitas vezes pensar que era tudo tão estúpido, tão poucochinho. De me animar pensando que um dia as coisas deixariam de ser assim, a vida já não seria um recreio de escola, as pessoas seriam crescidas e capazes de dizer a alguém, com estas atitudes, "hei, calma aí, resolve os teus assuntos com quem tens de resolver, mas não venhas tentar antagonizar, eu gosto da X e vou continuar a dar-me com ela." Mas não, parece que ninguém faz isto. É engraçado, porque eu faço. Se calhar (?) sou muito, muito estúpida, mas se alguém me tenta encurralar, isolar de outra pessoa só por causa de um diferendo lá entre elas, reajo mal, muito mal. Nunca me peçam para escolher entre a espada e a parede. Nunca me tentem afastar de alguém só porque passou a ser pessoa non grata a alguém do grupo. Nunca.
Ainda assim, percebo quem não reaja da mesma forma. É a tal coisa da paz social. As pessoas já têm muito que as rale, vão agora tomar posição numa situação destas. Deixam andar. A sério, percebo. Desprezo um bocadinho a falta de espinha, mas percebo. Afinal haverá muito quem pense que, se calhar, e porque eu não o mostro, se calhar também não me importo. E como não faço campanhas, se calhar também pensam que mais vale ficarem com quem se aproximou, e não com quem ficou ali, na boa, a ver o que acontecia, a confiar que, nã, vai lá ser tudo igual outra vez. Mas é. É uma constante. O elo mais fraco é descartado - não, esquecido. Como não se faz notado, é natural, ou habitual que assim seja.
E pronto, as coisas seguem. São como são. Tudo na mesma, como a lesma. E eu vejo-os a ir. E razão tinham os romanos, uma paliçada dá uma trabalheira a levantar, mas a probabilidade de se apanhar pancada lá dentro é muito menor.

19 comentários:

  1. É deixar ir, que pessoas melhores virão :).

    O importante é não usar calças de ganga comercializadas em Portugal nem tecidos tipo-Missoni.

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    1. Lamento imenso informar que não possuo qualquer peça tipo ou mesmo-mesmo missoni. Sinto-me muito mal. Acho que vou revirar ou roupeiro, ups, closet, sacar uma cena assim para o chique-caro e fotografar, para provar que sou mais c'as outras, vale?

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    2. Eu também gosto, mas a missoni não gosta (€) de mim ;)

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  2. Vale! Todos sabem que Armani - não havia lá um modelo menos anos 90 - é que define a qualidade da pessoa.

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    1. Mau, nem armani nem missoni, 'tou tão out...

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    2. Eu não li assim o post. Mas se é para meter ferro nem deve interessar o que lá foi escrito.

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    3. É só para dizer que tenho um vestido Armani (exchange). Trau, é só para que saibam, pirosonas!

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    4. Anônima, isso de ferros percebo pouco, não os espeto e não gosto que mos espetem.

      Luna, eu tenho cenas de marca, mas foram todas compradas em saldo ou outlet, a preços de classe média. Acho que assim não vale?

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    5. Sabes que a Armani Exchange é a marca pret-a-porter da Armani e em saldos e com câmbio do dollar na altura, ficou-me pouco mais que comprar na zara.

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    6. E eu fiz o mesmo com uns sapatinhos michael kors e um vestido e casaco lauren. A Lauren é a linha mais acessível da ralph Lauren, mas cá só se tiver um descontão, em dólares faz-se. Se bem que aqui há anos desencantei um vestido de trespasse Lauren no eci que com 70% ficou a um preço janota. E também já tive umas sortes no freeport com descontos de 80 e 90%. Mas não comprei por ser de marca, foi mesmo a sorte de serem peças que me davam jeito com descontão, e boas e tal.

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  3. Tive uma amiga exatamente igual quando era mais pequenina. A minha mãe não gostava nada dela. Acho que as pessoas hoje em dia preocupam-se muito em que os seus filhos não sejam bullied na escola, e bem claro, mas pior do que isso - e talvez mais difícil de detetar, talvez - é ter um filho bully. A chico-esperteza e a pespinetice são qualidades muito apreciadas na criançada mas eu estou cada vez mais convencida que a qualidade mais importante que se pode passar a uma criança é a bondade. É a base de tudo o que é mais importante. Tudo. Já dizia o outro, kindness is magic, e tinha toda a razão.

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  4. Se um dia souber que a minha filha entra nesses esquemas de manipulação típicas do sexo feminino, não largo o osso enquanto ela não aprender a colocar-se no lugar da outra pessoa. Atendi miúdas (as vítimas) em que esse registo é o pão nosso de cada dia. E custa-me vê-las a mendigar aquelas "amizades". É deixá-las ir, sim.

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  5. Engraçado, quando escrevi o post pensava na minha experiência não como de vítima de bullying, mas na perspectiva do relacionamento entre raparigas e depois mulheres. Fala-se muito do fenômeno alpha em relação a homens, mas também existe com mulheres, só que as manifestações são diferentes. Por norma há este tipo de pessoa impositiva, que gosta de fazer ver a sua opinião vingar, gosta de fazer a sua vontade rainha, e reage muito se a contradizem ou contrariam. E a minha pena, que sou em nada alpha, é que estes fenômenos persistam na idade adulta. Não entendo quem não respeite o espaço e liberdade alheia, e que guarde rancores e arme lutas de isolamento do outro enquanto angariam seguidores para si. Mas pronto, sou como sou, e tenho de aguentar as consequências que me traz esta forma de estar. As paliçadas, lá está.

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  6. eu sempre fui a que cedia em todas as brincadeiras. se alguém vinha a minha casa, eu queria que a convidada se sentisse bem por isso aceitava o que ela quisesse fazer. se ia a casa da amiga, como estava em casa dela, aceitava o que ela quisesse fazer. é claro que a dada altura me apercebi de como me punha sempre a perder. infelizmente acho que não mudei assim tanto, sobretudo quanto mais gosto da pessoa. consciente da minha dificuldade em impôr-me quando quero que o outro esteja bem, acho que no entanto defendo mais o meu me time, o que inclui não fazer fretes, não sair quando não me apetece e não atender o telefone quando não me apetece (na verdade cada vez mais detesto falar ao telefone e acho que ele se devia desligar ao fim de 3 min que é o que dura a minha paciência). eu preciso realmente de tempo sozinha para descansar e para me reequilibrar e sempre lamentei por todas as pessoas que fui conhecendo que por qualquer motivo não se sentem confortáveis em estarem sozinhas. porque então, que lhes resta para se protegerem do outro? (lembrou-me a parábola dos porcos espinhos do schopenhauer, conheces?)

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    1. Fuschia, ena, podia ter sido eu a escrever este comentário. Tirando a parte da parábola dos porcos espinhos, que não conheço (sou uma inguinorante - nunca estudei ou li Schopenhauer, mas tenho umas luzes que me diria muito. até tenho medo: ele não foi o precursor dos existencialistas? ler existencialistas dá-me muita angústia :P)

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    2. deixa, também não sou grande especialista em filosofia apesar de gostar muito, mas cheguei lá porque alguém me falou na dita parábola numa aula sobre terapia em grupo, mas está explicada simples aqui: https://www.youtube.com/watch?v=f_qhdPflUb8

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    3. Ei, tão bom. Desconhecia, mas é terrivelmente verdadeiro, na sua simplicidade.

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  7. Izzie estou tão contente por estares de volta :) senti mesmo saudades de ler os teus post. Beijinhos
    Mariah

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