quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Numa terra estranha

 Turistificaram o Pinóquio e o Café Gelo, que agora servem refeições debaixo de toldos azuis e em mesas com toalhinha de pano, têm montra de peixes, garçons de farda preta e branca (com avental!) de corte moderno, nada da calça de térilene, camisa branca e laço de elástico que nunca estava direito. Juro que já vi aquilo em todo o lado da Baixa onde abre um restaurante novo: a ilusão do chique, do bem, do moderno, atendido por migrantes e gerido sabe-se lá por quem. 

Quero os tascos de parede de azulejo foleiro, mesa de fórmica, cadeiras que arrastam com estrondo, o almoço feito em panela de alumínio ou tacho de barro, o carapau grelhado com molho à espanhola ou só azeite, a batata frita descascada e palitada à mão, a mousse com cheirinho. Ainda há alguns, verdade, mas no centro-centro dir-se-ia que foram proibidos. A Rua das Portas de Santo Antão está um corredor de tourist traps, o destroço do sinal outrora luminoso da Solmar  ainda pendurado, a anunciar ruína. Não há nada verdadeiro, genuíno. 
Uma pessoa sai confiante que as coisas ainda são o que são, e de repente está num país onde já não é bem vinda.

Também tenho saudades de (poder) ir ao Chiado de elétrico, só porque sim. Já perdi a conta aos anos.

(yep, há muito, muito tempo que não ia para ali. aliás, de abril a outubro evito a Baixa, para não dizer que não ponho lá os pés. quanto aos tascos que ainda há, é fazer figas para que não me desapareçam, valha-me a Nossa Senhora da Maçã Verde e o Santo Protetor da Casa do Miguel, e vejam lá agora não m'inundem aquilo de turistas)

2 comentários:

  1. E à juventude destravou-se-lhe a língua, ou a vergonha - "Oh cotas desamparem a loja que queremos ir nós para a esplanada". Mas a simpatia no serviço continua como sempre, e milhas a luz mais aconchegante que qq outro país nórdico.

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