Não estão tempos para balanços e retrospectivas, que não estão: ainda ontem pensava eu, rejubilante, que esta coisa das máscaras era um fantástico silver lining, e a manter para sempre, que consegui chegar ao fim de Dezembro sem as duas constipações / dores de garganta / tosses / ranhosices da média e tau, hoje tenho aqui um piquinho na amígdala.
Sim, sim, twenny-twenny foi aquele ano que, como comunidade, já se sabe. Mas foi também o ano, não há como não frisar, o mesmo ano em que foi declarada uma pandemia e descoberta / desenvolvida / distribuída uma vacina. Isto é um bocado uau, para não dizer estupidamente yay.
Donde, e a um nível a modos que global, 'tá-se. Mais um bocadinho de paciência e em Abril, Maio mamãe já está vacinada (um peso enorme que me tiram); lá para Junho, Julho calha a moi e aos que me rodeiam (e já posso ir de manga curta, não obrigando ninguém a ter de encarar meu torso desnudo - estou a brincar, senhores, levai mangas curtas, ninguém precisa de ver mais man-boobs).
O resto logo se vê, sorry (not sorry) pelo egocentrismo, mas tenho mais com que me ralar num futuro próximo. É que twenny-twenny não levou só o meu pai e o casamento do meu irmão: a partir de amanhã a outra metade deste casal vai estar desempregada. Quer dizer, em situação de não empregada. Sem trabalho? Isso. Não se trata de uma consequência directa da covid, pois estava já a entrar no simpático e aconchegante forno do capitalismo há precisamente um ano; mas a pandemia veio reforçar e acelerar uma decisão executiva, tomada por doutores engenheiros daqueles que ganham chorudamente para pensar nestas coisas, e ainda vão levar de presente um bambúrrio em prémios por as concretizar. Parece que as empresas, mesmo as que deram lucro (e do bom) antes e durante a pandemia, não precisam de trabalhadores. Quer dizer, já não precisavam antes, que trabalhador é bicho em vias de extinção e extinto será depois de caçado até ao último exemplar; agora o que se precisa é de colaboradores (qualquer pessoa que tenha umas luzes mínimas sobre os tempos da Segunda Guerra sente arrepios ao ouvir e ler esta palavra), que são umas pessoas muito colaborantes, isto é, não chateiam com coisas de somenos importância como vínculos, estabilidade, horários, salário digno e adequado, pagamentos à Segurança Social a cargo do benfazejo empregador, helás, são pessoas muito modernas e eficientes, que fazem o que lhes pedem para fazer e não maçam quem manda fazer - que seria! - nem são entrave à mais valia para quem, nesta relação, tem de ser preservado, apaparicado, premiado - estou a falar do accionista, claro, que o aparicamento e prémio do shôr director estratega engenheiro ninguém esquece. Donde, pErtanteS, mais uma empresa que qualquer dia tem mais dirigentes que empregados colaboradores, e mesmo estes não têm qualquer parentesco com a dita empresa, mais faltava tais intimidades, são apanhados no largo da aldeia pela carrinha, manhã bem cedinho, escolhidos conforme a batata que há para cavar, pagos ao dia de jorna e cheios de sorte. É isto, é. E se, para arranjar lugar para este novel (lol) modelo de gestão de pessoal (lol) é preciso vagar os lugares ainda detidos pelos tais bichos raros dos trabalhadores, emprega-se os meios que forem adequados, ora essa. Chumbo grosso, armadilhas de urso, fossos com estacas. Ou ameaça de e de. Até a pessoa achar melhor solução a saída pela porta desengonçada que lhe abriram, mandar um sonoro fodam-se vocês, que a mim já ninguém fode** e ir.
Anyhoo, como diria um motivador / influencer de algibeira / antigo primeiro ministro com um apelido de bichinho fofinho, é uma oportunidade. De quê, ainda não sabemos. Mas vai ser, porque sim. Sou uma pessoa um bocado teimosa, e quando embico pelo optimismo, ui. Até porque não pode ser tudo mau, na puta desta vida.
Calhou também que, neste ano da desgraça, tenha tido a melhor notícia de sempre - até agora - que foi a sobrinha bomboca-linda ter ido estudar o que sempre quis para uma universidade lá fora onde nunca pensou que conseguisse entrar, que a concorrência é muita. Concluindo, preciso muito da vacina, pode ser bácina, também. Porque nos próximos quatro anos (tudo correndo bem), vamos inaugurar um corredor aéreo Lisboa - Berlim sem precedentes. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, tornar-me-ei transportadora de bacalhau seco, lata de atum e sardinha, azeitona, azeite, superbock, em mala de porão. Nos próximos quatro anos, tudo correndo bem, serei capaz de perceber a menina da caixa quando me disser quanto tenho de pagar pelos 271 ritter sport (chocolate com iva a 6%!!) que estou a aviar. Nos próximos quatro anos, muito provavelmente, não conseguirei converter-me ao currywurst (aarrrrggghhhh) ou qualquer tipo de salsicha (what gives? a sério.) mas me mate ficará saciadinho e feliz. E a culpa não é só do babanço que temos pela sobrinha. A culpa, maioritariamente, é do Brexit e pó que actualmente tenho aos ingleses. E de termos ido a Berlim há quase dois anos, e nos termos apaixonado. A certo ponto olhámos um para o outro e disse eu, "é para aqui, agora?", e ele fez que sim. É para ali, agora. E onde calhar.
A ver se temos sabedoria e sorte na leitura de mapas. Não temos, eu sei; mas ao menos fazemos figura de idiota juntos. Isso é certo. Confortável, aconchegantemente certo.
*há sempre uma música dos Beatles adequada a qualquer, repito, qualquer situação. o mesmo sucede com as tirinhas da Mafalda.
**citando João César Monteiro, ídolo de me mate (eye roll), numa das poucas ocasiões em que lhe achei graça.