Nas suas lições de bricolage, de que eu era diligente aprendiz, o meu pai sublinhava sempre as três principais regras: 1) Ler as instruções / fazer um plano; 2) Segurança, sempre cuidado com a segurança; 3) O material tem sempre razão. Ou seja, 1) não começar nada sem saber muito bem como funcionam ferramentas e materiais, e sem ter delineado os passos necessários para alcançar o resultado pretendido; 2) deriva da primeira, porque quem sabe como fincionam materiais e ferramentas já tem meia segurança assegurada, mas de qualquer maneira é fixe uns cuidaditos extra como desligar o berbequim da corrente quando se muda a broca, já nem falando de desliguar disjuntor ou quadro quando se mexe em cenas eléctricas, enfim, é planear; 3) se tudo correr mal, a culpa é nossa, e falhou alguma coisa no primeiro passo. Perante um cenário destes impõe-se um valente palavrão, e depois, como dizem os militares, reagrupar. Olhar para o bonito serviço que fizémos, voltar ao passo um, pensar, adaptar ou fazer um novo plano, minimizar o estrago.
Nunca falha. Eu sei, e posso afirmá-lo convictamente, porque já falhei imensas vezes. Pode parecer contraditório, mas é mesmo assim: quando tudo falha, se desmorona, ou nos rebenta na cara, é quando percebemos que aquelas regras são essenciais, que descuramos alguma delas em algum ponto, e que não voltaremos a fazer esse erro. Desde que, claro, se tenha assumido o passo da resolução que já adiantei: dado que o material tem sempre razão (dogma, não discutam), fomos nós que fizémos asneira, portanto, ou se tem uma reacção infantil de partir tudo à biqueirada, ou se é uma pessoa crescidinha e se analisa todo o processo para ver o que (nos) falhou e como podemos resolver a cagada sem grande prejuízo.
Isto tudo para dizer que, depois de uma semana muito difícil em que cu alapado no sofá e um pucatchinho de trabalho foi a definição do meu diário de isolamento, comecei a reagir, fui-me ao berbequim, caixa de parafusos e buchas, martelos, alicates, fita métrica e régua de nível (o meu nível laser não tem pilha, e não posso sair de casa à procura de uma. mas já me faltou mais, que o nível é também detector de canos e fios eléctricos, e preciso dele para fazer ali uns furos que me faltam numa parede onde não tenho a certeza a que altura passam os fios, tenho uma ideia, mas regra nº1 e nº2).
Já fiz cenas que tinha na to do list desde circa 2012. Umas correram muito bem, dei-me muitas palmadinhas nas costas. Outra correu bem mas deu luta, mais palmadinhas nas costas. Uma correu mal e, depois de mais que um palavrão, não demorei a perceber onde é que tinha feito asneira, já tenho novo plano que vou testar antes (foi o meu erro, devia ter testado), e já tenho remédio para os dois furos inúteis que vão deixar de o ser.
E melhor de tudo, senti-me bem. Muito bem. Bricolar é uma das minhas tarefas preferidas, ali quase a par e passo do lego de adultos que é montar móveis. É giro também constatar que tenho alguns dos tiques do meu pai: o de falar sozinha para um buraco acabado de fazer gabando-lhe a perfeição e redondez; virar-me para o Max, que me observa, e explicar-lhe o totoloto que é furar paredes numa casa com quase 90 anos, aqui calhou areia, com uma broca de quatro fez-se um furo de cinco (o pretendido, ver regra 1 e 3) e ainda sobrou (dica: palitos); quando alguma coisa corre extremamente bem ou extremamente mal, dizer um palavrão baixinho e, acto contínuo, virar-me para o assistentes (que antes era eu, agora, pelos vistos, é o Max) e dizer "tu não ouviste nada, hã".
Isto vai passar.
Isto vai correr bem.
[o seu corpo desistiu no dia 13 deste mês, e o meu pai é agora memória. e ela está em todo o lado, em inúmeros objetos mas também paredes que ainda pintou, quadros, suportes de cortinados, e candeeiros que pendurou. são muitas e boas memórias, e as melhores são as não corporizadas. estão sempre comigo e alegram-me, embora às vezes com lágrimas.]
oh, Izzie... nem sei o que dizer. Um abraço.
ResponderEliminarNem eu, Wallis, foi um ano e meio muito duro, o desfecho seria previsível mas ninguém está verdadeiramente preparado. Obrigada!
EliminarTambém foi assim que aprendi que as memórias são um enorme conforto. Temos a sorte, tu com o teu pai, eu com o meu, de ser filhas de homens que só nos deixaram boas memórias. Farão sempre muita falta. Um enorme beijinho para ti :)
ResponderEliminarMac, são o único conforto, e sim, temos essa sorte. Obrigada e um grande beijinho
EliminarOh, um abraço apertado.
ResponderEliminarObrigada, Sãozinha
EliminarAbracinho apertado de uma leitora já muito antiga. Madalena
ResponderEliminarObrigada, Madalena
EliminarOh, Izzie... Sem palavras mas aqui humildemente te deixo um grande, grande, grande e apertado abraço. Lamento sinceramente a tua perda. Um grande beijinho.
ResponderEliminarObrigada, Anna, beijinho
Eliminarorgulho de bricoleira
ResponderEliminarespero que seja
EliminarUm brinde às boas memórias dos bons pais.
ResponderEliminarGoldfish, brindemos, sim!
EliminarOs meus sentimentos, Izzie. Que bonito é ver as memórias que guardas.
ResponderEliminarObrigada, Filipa
EliminarVenho só deixar um grande beijinho <3
ResponderEliminarObrigada, Red
EliminarEsta custa a comentar. Volto quando tiver mais cabeça para escrever
ResponderEliminarXxx
Eu sei que tu sabes. Um beijo enorme
EliminarUm beijo e abraço apertado virtuais :(
ResponderEliminarObrigada, Fuschia
EliminarAndei arredada destas lides, mas não queria deixar de te dar um beijinho. Custa e vai custar ainda mto tempo (a minha mãe já vai fazer 3 anos daqui a uns meses, e ainda esta quarentena me vieram lágrimas aos olhos por isso) mas faz tudo parte e, à sua maneira, é saudável q ainda seja.
ResponderEliminarAbraço
Obrigada, Me. Vai atenuando, mas custa e custará durante muito tempo. Um beijinho também para ti
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