quinta-feira, 2 de abril de 2020

Everyday is like sunday

E agora vinha aqui fazer beicinho e birrinha de ai que chatice estar em casa, mas não, lamento, checked my privilege e tenho tudo o que preciso (menos chocolate, está a acabar.  vinho também. a tragédia, o horror, vou tentar manter a serenidade). Não caem bombas lá fora, o ordenado cai por inteiro, eu gosto mesmo de mi casita, e dispenso a (maior parte da) interacção social. Descobri entretanto que sou como os cãezinhos e me faz muita falta ir dar uma volta à rua, mas varanda. Agora não, que está frio, mas varanda. Donde, 'tá-se, pelo menos por aqui.

O que não implica que admita algumas dificuldades. A ansiedade está controlada, mas houve dois dias que exigiram um esforço extra. A deprê é o pior (passei três dias seguidos em que fiz nada, nenhum, nestum, para além de ter o rabo colado ao sofá e a tv ligada), mas eu já cheguei a um nível avançado, sei a) reconhecer; b) perceber que em grande parte é reactiva, derivado de situações; c) dar-me tempo; d) ser generosa e paciente comigo; e) estratégias para reagir, sempre considerando as alineas c) e d).

Tirando a parte psicopatológica da coisa (it is what it is), a coisa faz-se. Não obstante e apesar de
- custar-me imenso não ver a minha mãe (o meu irmão, os meus sobrinhos) desde o funeral, mas we'll always have tufone;
- me mate continua a trabalhar presencialmente lá no bordel onde ganha o tostão; como não conduz eu saio duas vezes por dia (ooohhhhhhhhhh) para o levar e trazer, o que também me obriga a manter uma rotina (que a minha velha amiga neurose se empenha em destabilizar);
- só de pensar nas filas (aawwwwww) cada vez tenho menos vontade de ir às compras, mas também é menos que se gasta em porcarias;
[falando em compras, a situação mêmo, mêmo crítica não se prende com chocolate e vinho, mas com os biscoitos dos gatos. estão a acabar, e temo uma sublevação que faça da revolução francesa uma brincadeira de carnaval. e aqui a estúpida esqueceu-se deste pormenor quando mandou vir cerca de meia tonelada de areia da zooplus.]
- o home vai ter de cortar o cabelo e aparar a barba em casa, e isto roça a tragédia porque está em causa um exemplar que tem por hábito ir ao barbeiro de três em três semanas e eu já não o posso ouvir [a menina cheia de raízes e a menina, estóica, não bule, não bulha, não bufa], mas chegou hoje a encomenda de máquina de corte, haja piedade;
- esta casa precisa mesmo, mesmo, mesmo de ser aspirada com frequência, isto de quatro gatos é muito giro mas apre;
- continuo a ter imensa dificuldade em me concentrar e trabalhar em casa mas, felizmente, também não tenho muito para fazer, graças à falta de entradas e solicitações derivado da (quase) ausência de fregueses; assim se mantenha, mas o depois é que vai ser, credos, penso nisso depois;
- agora que era uma óptima oportunidade para fazer umas senhoras arrumações e me livrar de monos é que a Câmara limita a recolha de lixo; eu percebo, sou empática, o pessoal da higiene urbana está muitíssimo exposto, ganha mal que se farta e ninguém lhes dá valor (pelo menos fora destas épocas de excepção), mas eu sou uma fã de longa data e, se mandasse, não levavam menos de mil líquidos para casa, mais subsídos;
- os cafés estão todos fechados, pelo que não há aquele magnum cor de rosa para ninguém, e isso aflige-me muito, do que me fui lembrar, já não consigo dormir hoje;
- eu cá não sou de intrigas nem de andar a fomentar feique nius, mas tenho p'ra mim que esta casa tem um poltergeist que se entretem a sujá-la, só isso explica que o casal residente faça a lida de ponta a ponta, com todo o brio, e no dia seguinte já esteja tudo com um ar apocilgado.
 

E depois há as partes muito, muito boas, tais como
- Parasitas é mesmo um grande filme, e ainda não percebo como levou o oscar, desconfio que muita gente lá nos states não tenha percebido bem, porque, pá, sejamos francos, um povo que premeia esta pérola mas ao mesmo tempo mantém intenções de eleger o Cheeto in Chief de novo, pá, não computa;
- ontem vimos uma chanfradice com o Vincent Price e a Diana Rigg que aconselho muitíssimo porque a) é uma chanfradice; b) Vincent Price; c) Diana Rigg; d) é uma farsa que ó, com uma estética brilhante, um tom e um over acting comoventes, Theatre of Blood, superb;
- praticamente não leio, mas não é de agora (tenho a meio um livro, aliás belíssimo e que estou a adorar, desde as últimas férias de verão), nem se explica depressa, mas como acho este estado de coisas uma tristeza, virei-me para a graphic novel e, chegando agora ao ponto, Blankets is a thing of beauty, e me aguardjem que tenho ainda o Habibi por encetar [não recomendo Sabrina, apesar de ser mesmo muito bom, porque para ter vontade de cortar os pulsos já basta o que basta];
- o quarto extra começa a ganhar forma e até já parece uma divisão normal, em vez da caverna tenebrosa que servia de depósito de livros, action figures, lego, ferramentas, DVD (sim a gente ainda usa disso, experimentem encontrar aí nos vossos streamings coisas omo aquela que citei ali acima, ou o Phantom of the Paradise, uma senhora maradice em formato musical que é um diamantezinho que ó) e outras cangalhadas de bricolage e DIY;
- não tenho metade do apetite que tinha antes disto começar, as calças ainda me servem, e até estou a comer melhorzinho. ahahahahah, comer melhorzinho. pois, ignorar esta parte, mas o resto é verdade. a sério, como é que se tem fome se um gajo não faz nadinha, para além da caminhada sala - cozinha -quarto- casa de banho? nem fome nem gula. [não conheço esta pessoa. não sei se a quero no meu inner circle].


22 comentários:

  1. Estou sozinha com três crianças. Estou a dar aulas. O meu marido vai estar pelo menos um mês fora. Os meus pais não vêm cá porque acham que vão morrer (a minha mãe trabalha fora de casa, não dispensaram a empregada, vão ao supermercado dia sim dia não mas os netos é que são o problema). Tenho de me fechar à noite, depois de 13 horas a aturar gritos, para gravar as aulas. Lavo, cozinho, sou professora primária dos mais velhos, que ainda por cima não são lá muito autónomos/espertos. Estou exausta, estou farta desta merda. Estou farta que me digam que tenho de aguentar. Ca-ra-•°¥$%°%%¢%° - nho. A minha relação com os meus filhos está a deteriorar-se e não sei se recupera disto. Só me apetece ir fumar.

    Ps: Blankets é do caraças, li o mês passado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Epá, mas isso é demais. Uma pessoa não pode ser mãe / professora / profissional, tudo ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Quem tem filhos menores de 12 anos ou toma conta deles ou trabalha, as duas ao mesmo tempo é desumano! E esta história da "tele-escola" é completamente irrealista, além de classista. A quantidade de miúdos que nem meios técnicos, nem pais para os acompanhar.
      No teu caso, e de quem tem filhos em casa, não só tiro o meu chapéu, como acho que podem estar pelos cabelos à vontadinha, berrar o que lhes apetecer, e podes desabafar aqui sempre, o que quiseres - mas não fumes!
      E não, não tens de aguentar tudo ao mesmo tempo, é desumano e ninguém é super, nem tem obrigação de ser. :*

      Eliminar
    2. Tele-escola é do caralhinho, mesmo. A Suécia não o fez, a Coreia do Sul não o fez. A sério, por vezes penso q a verdadeira doença é a histeria. Como dizes, há as diferencas de classe, mas, cm a Sãozinha tb descreve, f&%$ o resto todo. Os jovens ficam sem o seu espaço longe dos pais, os pais ficam sobrecarregados a todos os níveis. Agora, imagina isto em famílias cujas interacções já não eram saudáveis.

      Eliminar
    3. Filipa, acho que mais valia as pessoas encararem a situação de frente e dar este ano escolar como perdido. Isto não vai acabar tão cedo, nem sei se não afectará as escolas até depois do verão, mais valia admitir que não vale a pena fngir que vai ser um ano normal.
      Que se mantenha os putos ocupados e, já agora, a aprender qualquer coisa, tudo bem. Mas pôr às costas dos pais a obrigação de o supervisionar e ensinar é uma violência, além de que muito duvido que tenha resultados práticos. Também não lhes faz mal ficarem sem o que fazer, ou que, por exemplo, seja prioritário em relação ao ensino o ajudarem a comunidade familiar em tarefas domésticas, que também é educação...

      Eliminar
    4. É o mais sensato. Não podem fazer exames alunos q ñ tiveram condições p aprender ao longo do ano. Aproveitar este tempo p ensinar hábitos de leitura seria outra ideia, por ex.

      Eliminar
    5. Saozinha, como te compreendo. Eu tenho a sorte de estar em licença de maternidade, mas também estou a dar em louca com o puto mais velho, cheio de energia e com uma crise de ciúmes monumental e infantário fechado. O home fechado do escritório a trabalhar todo o dia e a mandar vir que o puto o interrompe, e eu a amamentar de duas em duas horas e tão deprivada de sono com os turnos da noite. A casa é grande e não tenho empregada. Estou exausta. Há dias que depois das birras do maia velho, só choro. Tenho uns sogros relativamente novos que vivem numa quinta cheia de animais, numa aldeia com 30 pessoas em que o musgo cresce no meio da rua... mas tem medo de noa ver e não nos querem por perto. Eu já estou em clausura desde o Natal, a trabalhar de casa pq já estava muito grande para deslocações, depois as 6 semanas sem conduzir por causa da ceaariana e mal tive carta verde para.espairecer... lockdown... Lindo.

      Eliminar
    6. AEnima, eu não sei como vocês conseguem, juro, e faço uma vénia

      Eliminar
    7. Deveria haver prémios p quem está em casa com putos.

      Eliminar
  2. Acho que o mais triste disto tudo é perceber que me sinto muito menos sozinha nestes tempos de isolamento social que nos últimos anos. Falo com muito mais gente, cheguei ao ponto de desligar o telemóvel às 21h. Agora toda a gente telefona, pergunta, quer saber coomo estão os outros. Normalmente isso não acontece. Este isolamento social só me tem trazido paz e tempo. Trabalhar de casa, estar sempre aqui tem-me permitido estar presente. Começo a preocupar-me porque não sei como vou regressar à rotina.
    claro que sinto saudades de "apanhar sol na tromba" mas não tanto assim.
    E durmo como não dormia há anos. Esta semana que estou a começar a trabalhar às 10h tem sido um custo levantar-me, nem quero imaginar para a semana em que começo às 08h!
    Não fosse isto ser a desgraça que é, a tristeza que é ver as imagens e os números e saber que, mais tarde ou mais cedo, isto vai atingir todos e os que amo não vão ser expecção, isto não era assim tão mau.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom, em termos de solidão sinto-me praticamente na mesma, mas um bocadinho mais. É verdade que não sou muito "conviventa", até costumo dizer, um bocadinho na brincadeira, que sou uma autista social, e se calhar ou problema até é meu, mas também é mais feitio que defeito, principalmente na parte da timidez, e não consigo mudar (sempre que tento ser uma pessoa social a coisa corre mal, por norma, parece que eu emito uma vibe de "convencida", e de "tem a mania". se falo muito estou a armar, se fico calada estou de nariz empinado a julgar as pessoas e a ser desagradável, a achar-me melhor que elas. é uma dinâmica you can't win Charlie Brown, implica imensa ansiedade e toma de ansiolíticos antes e depois, para além de pelo menos uma semana a pensar que estive a fazer figura de idiota).
      Por isso estou praticamente na mesma, como a lesma, e qualquer dia até tenho saudades das colegas de trabalho (estou a ser má, porque até tenho tido sorte neste departamento).
      Já o dormir não anda grande coisa, porque começamos o dia muito cedo.
      Tudo pesado e sopesado, há grandes vantagens nisto, principalmente quando o trabalho não é muito, mas no meu "normal" não vou sentir falta de ficar em casa: preciso de me arranjar, chegar e tirar um café, chillar, e só depois trabalhar. Em casa custa horrores, e há sempre uma bola de cotão algures

      Eliminar
  3. O grande mistério, para mim, é cafés q ainda estão abertos e q vendiam gelados deixarem de ter. A Olá cortou o fornecimento?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Filipa, não sei, só vou ao café comprar pão, e para a semana. Tenho saudades dos gelados :'(

      Eliminar
    2. Ando a equacionar encomendar uma caixa do Santini, mas quero um Magnum!

      Eliminar
    3. O café da minha zona reabriu depois de 15 dias fechado, fizémos uma festa (já temos pão perto de casa e, em calhando, refeições em take away). Ainda tinham um resto de gelados, do último fornecimento, e levámos 4 magnuns rosa. Perguntei à dona S. se a Olá estava a distribuir e ela não me soube responder...

      Eliminar
    4. Encontrei isto, pode ser q te seja útil:).

      https://nit.pt/buzzfood/cafes-e-bares/cornettos-e-pernas-de-pau-ao-ar-ola-faz-entregas-em-varias-cidade-do-pais

      Eliminar
    5. Aimedês, que vou já procurar na ubereats se me entregam aqui! Obrigadíssima!
      (já acabámos com o stock de magnum rosa do nosso café :D)

      Eliminar
  4. Não gostei do Blankets, já o li há uns bons anos e achei muito aborrecido na altura. Nessa onda amei o Maus do spiegelman, o Persepolis da marjane satrapi e os 2 Buddy (seatle e jersey) do Peter Bagge.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Oh, eu gostei tanto, é tão melancólico e bonito...

      Eliminar
  5. já pensaram em comprar uma roomba? eu já acho que compensa com um gato, então com quatro .. pões aquilo numa divisão, tiras os tapetes finos e objectos pequenos e voilà.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Fuschia, temos 3 gatos com medo, e um que não tem medo de nada (exceção ao secador de cabelo) e era menino para achar que a roomba era um brinquedo. O Max é a razão pela qual não podemos ter coisas boas / bonitas.
      Temos um aspirador vertical que comprei antes desta loucura e está a ser a nossa salvação

      Eliminar
    2. a roomba sobrevive aos gatos. a minha também tinha medo, olhava para aquilo como se fosse um demónio, agora fica tão a borrifar que ás vezes até leva com a roomba :P mas não chega ao ponto dqueles videos de youtube de a usar como transporte :)

      Eliminar
    3. Fuschia, não menosprezes o poder destrutivo de Mad Max! Nós, que vivemos sob uma ditadura maxista já há uns anos, já deixámos de anotar o que ele destrói :D A sério, o bicho tem o demo no corpo.
      (mas agora fiquei com o bichinho da roomba, mas não arriscaria nunca deixá-la a funcionar sem um de nós em casa)

      Eliminar