sexta-feira, 22 de abril de 2022

Bless her little heart

 Aqui há atrasado, derivado de uma situação que sucedeu, veio-me subitamente à memória um episódio passado há um horror de anos, e que vou partilhar para aborrecimento de quem tiver a má sorte de aqui passar (e também para memória futura, não me apeteça um dia coligir todas as insignificâncias da minha vida numa nada excitante autobiografia. minha, por mim mesma. já disse que adoro redundâncias? ah, nota-se, não é?).

Aqui a titi Izzie sempre foi um bocado repentista, o que, juntando à vaidade, gosto por coisas giro-fofinhas, e tendência consumista, levava a que, muitas vezes, em calhando ver um acessório ou peça de roupa gira, tau, adquiria para sua sobrinha. Ora isto passou-se a sobrinha não teria mais de cinco anos. Calhou que dei com umas meias de menina mêmo-mêmo-mêmo cridas, com margaridas brancas, e comprei. Numa ida a casa de mano-cunhada, anuncio a sobrinha que tenho um miminho para lhe dar, e estendo-lhe as ditas meias. Acontece que mal lhe passo as meias para a mão a pequena muda, em milissegundos, o semblante de normal a birra iminente, faz beicinho, grunhe, e as atira para o chão. E eu?, nada. Apanho-as, e digo qualquer coisa como "olha que pena, não gostas; não faz mal, dou a outra pessoa, ou troco por qualquer coisa para mim." Rebenta de imediato num berreiro. Nem tive tempo de reagir, aparece de imediato sua mãe, a quem explico o que se passou sem qualquer julgamento e com toda a simplicidade: "trouxe-lhe isto, jogou para o chão, parece que não gostou pelo que levo de volta". Ui. Berreiro aumenta de intensidade, está prostrada na caminha, cara escondida na almofada. Dra-ma. Não aprecio especialmente, mas não me compete lidar; nada mais digo ou faço, para além de me afastar para ir guardar o presente rejeitado. A mãe, bom, faz uma cara de pânico, e enquanto acalma a menina, segura-me, tira as meias da minha mão, e justifica que não, ela gostou, ela fica com elas, está só num daqueles dias mais sensíveis ou lá o que era. Insisto que não há problema nenhum, se não gosta não gosta, ora essa, que seria; mas mãe já as tem na mão, e continua a consolar pobre criança. Ok. Ficamos assim. Não me compete. Mas, interiormente, abro muito os olhos e penso que chiça (pode não ter sido só "chiça", sou muito asneirenta, principalmente em pensamento), isto tem tudo para correr tããããão mal. 

E correu? Mal? Bom, digamos que não foi a primeira vez que pensei nessa possibilidade, nem foi - infelizmente - a última. Correu bem em muitas, imensas coisas, (felizmente, porque neste tipo de prognósticos prefiro sempre errar). Noutras, nem por isso. A frase-chave, que nos últimos dias me tem passado, non-stop, pela ideia é "it's not your fault you weren't raised right", (com sotaque sulista e tudo).

Não, não me competia, nem me compete. Mas atinge. E se vindo de uma criança (até) se releva e se consegue não levar a mal, duma pessoa já adulta, enfim. 

Como nas fábulas de antigamente, e à confiança aqui da vossa carroceira titi Izzie, vai este ensinamento: eduquem (bem) os vossos rebentos, c@r@lho.

6 comentários:

  1. Tentamos! Mas não é fácil, porque somos humanos e erramos sempre, e porque também temos os nossos próprios traumas de criança que tentamos compensar, e invariavelmente, corrigimos no exagero.

    É tão difícil. Por um lado temos que lhes dar espaço para mostrar as suas emoções, para não guardarem os sentimentos que explodem depois anos mais tarde noutra coisa qualquer. Por outro não os podemos deixar andar à solta sem regras.

    Encontrar o equilíbrio é muito lixado. É mais fácil veres tu onde ele está como tia do que como mãe. A minha irmã é psicóloga e está sempre a dizer-me que não devia fazer isto e devia fazer aquilo. E dá exemplos daquilo que ela como mãe fazia. E no entanto a miúda dela é agora pré-teen e impossível de arrogante e prepotência. A minha irmã vê os meus defeitos, mas não vê os dela. Mesmo profissional no tema.

    A tua cunhada é boa pessoa? Tem boa indole? Dá-lhe um desconto. Se calhar fez o que pode, o melhor que soube. As crianças já nascem com o seu feitiozinho. Tu consegues condicionar só uma parte. Vejo pelos meus, 2 e 4 anos, e já se notam personalidades completamente diferentes.

    A tua sobrinha aprende. Se os pais têm bom caracter, é o fio condutor. O resto ela aprende com as lambadas da vida e endireita (ou não, mas aí é problema dela). A nossa personalidade requinta-se até morrer. Eu daria a mim mesma aos 20 anos umas quantas chapadas valentes. Faz parte. Aprendemos.

    Beijinhos e abracinhos.

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    1. Aenima, acredita que eu sei que tentam sempre o vosso melhor, e com os conhecimentos que têm. Mas há coisas que não entendo, nem percebo como alguém possa achar que é o seu melhor. Na educação dos meus sobrinhos foi muito prevalente a ideia de parentalidade positiva - nada contra, mas o reforço positivo é um grande nada se não for "temperado" com autoridade, direção, e correção. Também foi muito aplicada a ideia de validação dos sentimentos da criança e, mais uma vez, nada contra. As crianças precisam de ser ouvidas, ter liberdade de exprimir os seus sentimentos, e confiar que as pessoas mais importantes da sua vida dão valor ao que elas pensam e sentem. O problema é quando apenas há validação, do tipo, "eu ouço-te e compreendo, os teus sentimentos são válidos". Porque muitas vezes os sentimentos são genuínos, mas não são válidos, ou seja, partem de uma má construção da realidade e de si mesmo. Donde, sem que a conversa evolua, se analise a raiz de certos sentimentos, e validade de comportamentos que aqueles geram, puf, grande nada.
      Neste caso, e do que percebi, a garota sentiu-se frustrada. Se calhar esperava um presente melhor ou mais substancial - mas caraças, uma pessoa não pode estar sempre a oferecer vestidos e sapatos! Tem todo o direito a sentir-se frustrada? Claro. Com 50 sinto-me assim amiúde. Mas é admissível fazer uma conversa do tipo (atenção, a propósito de outras situações ouvi n vezes isto) "eu sei que te sentes frustrada, pronto, pronto" e ficar por aí, sem se tentar perceber, com a criança, a razão da frustração, e se esta é legítima? E sem falar sobre o comportamento, e sobre se este é adequado? Pois. É que esta parte falhou, vezes três. Muita desculpabilização, pouca orientação, quase nenhuma autoridade. A criança não quer comer o jantar? Não come. Daí a uma hora pede leite e bolachinhas, e dá-se, porque tem fominha. Zero consequências, zero responsabilização, muita noção de si próprio, pouquíssima noção do outro.
      É claro que a vida os vai ensinar, como ainda me ensina ainda, e às vezes com cada tareia. Tenho pena é que não estejam melhor preparados para esses embates.
      (já agora, a minha cunhada também é psicóloga. funny. e se tem boa índole? no fundo, bem no fundo, sim. não tenho qualquer dúvida de que ama muito os filhos e faz o que entende ser melhor por eles. mas tem umas falhas básicas ao nível de sentido ético - é um bocado espertalhuça de mais para o meu gosto, do tipo zero problemas em furar filas ou arranjar uns esquemas que lhe facilitem a vida se considerar que o seu fim é meritório, vá, tuguismo no seu melhor - e cada vez mais isto se reflete nos filhos. sou um bocadinho intolerante com certo tipo de comportamentos, e ainda menos com quem os justifica, quando tinha a obrigação de saber que são errados - ao menos admitam!, "fiz porque me deu jeito, mas não agi bem", quem nunca. e, ultimamente, tem-se revelado uma pessoa muito ressentida, mal agradecida, e arrogante. exatamente o que mais me magoou num recente comportamento da minha sobrinha.)

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    2. O meu filhote, quase 15 anos, para terceiros sempre foi agradecido, nao importa se gostou ou nao do presente, foi-lhe bem explicado que cada qual dava-lhe o que podia ou queria.
      Ja connosco, ha 2 anos começou a armar-se em parvo. Explicamos exactamente o mesmo, que so dava-mos o que podiamos ou queriamos, e se ele continuasse com aquele comportamento nos nao iriamos querer dar-lhe presentes. Aprendeu rapidamente.

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    3. Um "não" dito na hora certa é essencial. Muitas vezes os miúdos não medem bem o valor das coisas, ou acham que por os outros terem também têm direito, mas a vida é o que é.

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    4. Acho que tens muita razão Izzie. Acho os miúdos de hoje com uma arrogância e sentido de "entitlement" (que não lembro a tradução, desculpa) incrível. Os pais têm, dão, eles nascem com o direito de ter. De tratar mal a empregada, que furar a fila, etc. Tenho horror a arrogância e tento incutir a igualdade em tudo. O pai deles é melhor que eu noutras coisas. A impor regras - não tens barriga para brócolos, tb não tens para a sobremesa. Eu admito que sou mais mole, até sentir que me estão a calcar os limites - aí viro fera e tb não é bonito. Sei lá. Tenho muitos defeitos também, devo dar-lhes muito que falar no psiquiatra mais tarde. Faço o que posso.

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    5. AEnima, é muito complicado criar e educar um ser humano, não sei por experiência mas reconheço. Tem graça que "entitlement" foi a palavra chave usada numa (desagradável) troca de palavras que tive com ela. Não consigo traduzir, também. Mas define muito bem um certo sentido de que se sentem credores da vida, dos outros, enfim, que lhes basta aparecer e esforçar-se para terem a justa recompensa. Tough luck, era bom que fosse assim. Conheço tanta gente merecedora e esforçada que só dá com a cara na parede, caneco. Quem dera a tanta gente ter o apoio moral e financeiro que os meus sobrinhos têm, e sempre tiveram.

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