Há dias em que recordo, sem qualquer saudade, aqueles bem intencionados e, sobretudo, simpáticos avisos de quem tanto se preocupava com a minha capacidade reprodutiva em declínio ano após ano, e me impetrava a dar atenção à questão "filhos", sob pena de um dia não poder e me arrepender.
[aos 47 - juro, quarenta e sete - ouvi de uma alminha que ainda estava a tempo. sem comentários.]
Onde é que andam essas pessoas, e porque não me perguntam, agora, se de facto de me arrependo?
Ou já sabem a resposta e não a querem ouvir?
Pode parecer surpreendente a muita gente, mas navegando em sítios onde se juntam este tipo de fêmeas relapsas que renunciaram ao milagre da maternidade, só uma ínfima minoria se arrepende de não ter tido filhos. E destas, a maioria nem pode falar, propriamente, de arrependimento, visto que a situação não adveio de uma decisão sua, mas de circunstâncias que não dominavam: ou não podiam, ou não tinham com quem.
Já agora, lamento sinceramente que uma mulher que deseje ser mãe não o consiga, mas ao longo de décadas o que lamentei foi que certas pessoas não tivessem um mínimo de noção que as detivesse de me manifestar como lamentavam eu nunca ir conhecer - e por opção! - esse estado de amor, entrega, vocação superior. Com essa manifestação, somando à prole conseguida, conseguiam imediatamente colocar-se num patamar superior, e que bem que lá se sentiam, entre o ar rarefeito. Se tivessem a capacidade de observação de um piolho amblíope e a sorte de possuírem dois neurónios ligados e funcionais, perceberiam que não, não me conseguiam fazer sentir menor, e sim, o meu olhar e trejeito não era de "poijé, poijé", mas sim de "a achar-se nossa senhora e nem passava a audição para vaquinha de presépio".
Atenção, nada contra. Felizmente conheço muitas mães (e pais) por vocação e vontade, que não passaram pelo processo de bovinização. Mas quem passou, credo, que cruz aturar. E isto juro, que eu farto-me de jurar, juro que não percebo a necessidade de apoucar quem não procria, de nos empurrar para o lado e, com o tempo, até prescindir da nossa companhia, principalmente se as "suas" crianças estão presentes; volto a jurar, havia quem tivesse um olhar de medo irracional quando sugeria "vai lá que eu fico-te aqui com o/a pequeno/a", como se mal virasse a esquina fosse entregar o infante a uma seita maléfica para sacrifício de sangue. O olhar da convicção "não as tem, logo, não gosta de crianças". (disclaimer: de muitas, não gosto mesmo, mas a verdade é que a culpa é dos pais).
Em suma, e não era preciso tanta conversa: não, não me arrependo.
Pior: há alturas em que é um alívio.
Porque não fui eu que dei sangue, suor e lágrimas e agora sou tratada como lixo ou pior, porque o lixo existe, ainda se dá nota, varre-se para um canto,(caso muito próximo, e está a fazer-me um bocadito de aflição).
E porque não gerei um bicho capaz de me (ou te, seja a quem for) virar uma arma e disparar ou golpear até ao último sopro. Sim, eu sei, doença mental/adição, mas não. Não. Chega a um ponto em que já tens corpinho para ir à tua vida e ser miserável à vontade, sem dar cabo da existência de toda a gente, sem culpar todos por tudo. E sem deixar saudades. (agora é a altura que alguém me diz que "mãe é mãe, tu não entendes. e é verdade, não entendo.)
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