Ontem fez duas semanas que voltei ao trabalho, depois de uma baixa de 77 dias. Não foi um feliz acaso: na consulta em que (supostamente) renovaria a baixa por mais trinta dias, disse: quero voltar ao trabalho no dia tantos do tal. A médica fez um ar façanhudo, e percebi que não achava bem. O meu psi de muitos anos, que já me conhece de gingeira e já tinha sido avisado do plano na semana anterior, fez só um ar de suspiro. Provavelmente repetiu, desta vez apenas mentalmente, o que já me tinha dito em fins de novembro, princípios de dezembro: pois, a Izzie é assim, muito voluntariosa, mas se precisar, venha cá.
E precisava, mas não queria. E confirma-se, sou muito voluntariosa, esse simpático eufemismo para teimosa como uma mula.
Às tantas, deveria ter percebido que precisava logo ali em agosto quando, pela primeira vez na vida, não consegui ler um livro do princípio ao fim, quer dizer, consegui, mas ler um policial num mês de férias é um nadinha anómalo, ainda mais quando tantas vezes não conseguia terminar o capítulo e quando lhe voltava a pegar não me lembrava do que ficara para trás. E era um livro de que estava a gostar imenso. Mas não conseguia ler. Nem esse, nem nenhum. Tentei outros, mas nem contei os que deixei a meio. É aborrecido, não estou na melhor fase para ler este, a letra é muito pequenina. E parei de tentar.
Ou se calhar podia ter dado conta quando em setembro, outubro, por ali, levava horas para fazer coisas de trinta minutos, arfava, sentia uma mão invisível a estrangular-me, acordava às quinhentas e não voltava a dormir, bloqueava em frente ao ecrã, na terça não me lembrava do que tinha feito na segunda e precisava de ir rever tudo, deixava frases a meio, irritava-me com os fregueses (mereciam, vá), não me continha (ainda mereciam pior, mas pronto, não se pode). E a pressão. Porque levar três vezes mais tempo a fazer qualquer coisa acumula muita papelada. E o stress. Comprar pasta e elixir paradontax porque acordo com a boca a saber a sangue, tenho de marcar dentista, como se não soubesse que passava a noite - e o dia - a cerrar e ranger dentes. E chorar. De raiva, de cansaço, de frustração. Chorar por causa do trabalho, porque me sinto velha, porque já não sei pensar, porque estou a ficar burra, porque odeio isto tudo.
Foi nesta altura que calhou uma consulta de revisão, e o comentário da voluntariosa. Mas nem assim. Garanti que estava a dar a volta, foi o fideputa do metabolismo que, na verdade, andou mauzito ali entre maio e novembro; que tinha arranjado umas vitaminas que me estavam a (re)animar; que o ginásio me estava a fazer bem.
E deu-se que dias depois fui a uma consulta de medicina do trabalho, obrigada, claro, preciso lá eu dessas merdas, aptíssima, e a meio do meu mega rápido resumo de estado de saúde a médica pergunta, assim à bruta, e há quanto tempo está deprimida? Calou-me. Não soube responder. Quer dizer, eu sempre fui deprimida, doutora, há fases piores, mas passam. A cara de não me enganes, não me faças perder tempo, sabemos as duas, e desabei, abriram as comportas. Fez-me prometer que ia a uma consulta, e escreveu uma nota para a minha médica de família (o psi é particular, consegue passar-me uma baixa mas é preciso um trabalhão). E pronto. Fui ao centro de saúde, marcaram-me uma consulta para essa semana, e lá estive, envergonhadamente, a expôr à minha médica de família a minha fraqueza humana. Baixa, claro, mas atenção (saca da agenda de trabalho) dava-me mais jeito que começasse no dia tal porque antes tenho de deixar aqui umas coisas em ordem. Revirar de olhos mental da médica (também pratico, sei reconhecer), e pronto. Deixei tudo em ordem, avisei quem tinha de avisar, ei, trinta dias, mas daqui a quinze estou fina, não estava, e se me perguntarem o que fiz mês e meio, não sei, porque estava um nevoeiro cerradíssimo.
Depois, numa aberta, decidi que tinha de voltar, ei, e voltei.
Senti-me tão, tão bem por estar a trabalhar; depois senti-me ultra miserável porque quem é que quero enganar; mas estou a conseguir fazer coisas, ei, ainda percebo disto; e olha preciso de uma choradela na casa de banho. E isto só no primeiro dia. Entretanto houve merdas bur(r)ocráticas que me fizeram chorar outra vez, e uma solidariedade de colegas que me comoveu, e voltei a chorar.
Vai correr bem. Porque sim, porque eu digo que sim, já passei por isto antes, ei, eu sei.
Vai correr bem. Voltei a ler. Comecei com BD, já me atrevo a coisas mais encorpadas e só com letras!, sem bonecos!, e se não ler todos os dias não faz mal, lá chegaremos. Beijinho a mim.
Vai correr bem. Há uma semana que não choro. Ontem foi por um triz, por causa de trabalho (que não estava a conseguir fazer), mas depois fui ao treino, e a seguir terapia, passou. Hoje também esteve quase, que as minhas endorfinas são muita pucaninas, não duram nada, mas não sucedeu.
Vai correr bem.
[e voltei aqui, também. nhã-nhã-nhã, que agora o que se usa é o subetáque, mas tenho lá idade, paciência, e tempo para aprender uma rede xoxial nova.
um dia de cada vez. amanhã é dia de postar uma cena boa. um dia uma nhéc, um dia uma boa, além de xoné agora também alterno. vidas.]