quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Não percebo porque não me pagam só para isto

 E o "isto" é ter ideias, porque tenho muitas e atrevo-me a arriscar que 90% são muito boas, vá, boas, vá, aproveitáveis, vá, possíveis numa realidade paralela onde eu vivo, vá, 10% são mesmo boas para o comum dos mortais.

Uma dessas é, tchanananammmmm... divórcio na hora! Sim, na senda da descomplicação da vida moderna, da desburocratização do aparelho administrativo, da simplificação de procedimentos, o divórcio na hora. 

Ó pah, fulana, hoje em dia já nem é preciso ir a tribunal, um gajo divorcia-se num ápice numa conservatória, para quê descomplicar mais?

Porque há coisas que não podem esperar. Perante certos desaforos conjugais, só há uma solução: ter um mecanismo que nos permita pressionar o cônjuge relapso de modo a que este, ponderando o erro de seus actos, ou de imediato se redima, ou, caso nada faça (!!!), o cônjuge cumpridor possa sair dessa situação (conjugal) de forma célere, limpa, honrada! 

Vejamos um exemplo, que penso será cabalmente esclarecedor. Cônjuge A dá conta que em cima da mesa onde cônjuge B monta lego, se encontra uma faca boa, praticamente nova, e parte de um conjunto - aliás bem giro - que adquiriu não há muito tempo. Cônjuge A indaga o porquê de a faca boa ali estar, visto que o seu habitat natural é o suporte de facas, na cozinha, (que também faz parte do conjunto - muito giro). Cônjuge B responde, cândida e afoitamente, que é para soltar peças, porque o zingarelho que a lego fornece nem sempre é eficaz. Sabendo o estimado leitor que, a par do conjunto de facas boas - e muito giras, realço - existem pelo menos duas facas razoavelmente boas mas já velhotas e meio rombas, quid iuris?

Aaaaahhhh, sinto que me entenderam. O exemplo é muito bom, verdade.

Donde, é imperioso criar um link lá nos registos, "divórcio na hora", onde uma pessoa preenche um formulário, e tau. Até admito, para efeitos de graduação da urgência ou dispensa de contraditório prévio do outro cônjuge, a possibilidade de se perguntar o porquê de se desejar o divórcio mas, seguindo o exemplo dado, justificar com "o bandido usou uma faca boa para fim a que não se destinava, e nem perguntou nada, o patife" seria caso para homologação imediata. Penso eu. E se ainda se completasse com "a faca já não é uma faca boa, derivado de nessa utilização ter ganhado um rombo", com o certificado de divórcio imediato até saía uma autorização para expulsão da casa morada de família, e arremesso de bens pessoais (o lego não, caramba, há limites) pela janela.

Fica a ideia. Pensar nisso, hein.



sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Foi mal gasto

Se fosse a lembrar todo e qualquer coiso em que já desperdicei dinheiro, não saía daqui. Atenção, até me considero uma pessoa um bocado fona, em princípio acho tudo caríssimo, o caraças é que dou isso por aquilo, donde, aos 54 já cheguei àquele ponto na vida em que recordo, a quem queira ou não queira ouvir, que ainda me lembro de uma bica custar vinte e cinco escudos, ou que um quilo de fruta raramente ultrapassava os cem paus. Isto é tipo alien, sem dar por isso engoli ar expirado por uma idosa e agora tenho uma bélha dentro de mim.

Por outro lado, sou como as gralhas: não posso ver uma cena brilhar, prometendo-me qualquer vantagem, upgrade na minha chatíssima vida, que tenho de a possuir. E, confesso, há casos em que, como o Gollum, é tão intensa a vontade de ter o anelinho mágico que desligo o lado racional do cérebro, abro a carteira, e nem oito dias depois estou a chafurdar em remorso.

Comecemos, então.

O primeiro produto que me salta à mente (não vou mencionar marcas, que não almejo ser desinfluenciadora) é aquele suplemento de proteína em pó que nos promete mais saciedade!, contribuir para o aumento da massa muscular!, que não se consuma tanto hidrato e açúcar!. 

[sim, as senhoras de uma certa idade e afligidas por certos sintomas femininos relacionados com essa tal idade - aproveito para recordar que a perimenopausa já me tentou matar, e ainda não cheguei lá mas suponho que a menopausa tente o mesmo -  beneficiam em aumentar a ingestão de proteína, principalmente se fizerem exercício regularmente]  

POUPEM-SE. Ao gasto, e à agonia. Não comprem. Ou comprem, eu não mando em vocês, mas não digam que não foram avisadas. A avaliar pela quantidade de conteúdos nas redes a gabar aquele pó, devo ser a única nesta corrente, mas atentem: ninguém me paga para dizer bem de nada. Fica a pista.

Ah, se calhar não escolheste o sabor certo. Pessoas. Para mim só há um sabor que é sempre certo: chocolate. Foi esse que comprei. Fica a dica: o cacau pode não ter proteína, mas é the real thing. E faz bem a imensas coisas, principalmente às que me convêm. O outro, bom, lembram-se de nos anos 80 e 90 haver senhoras a vender tabletes de sucedâneo de chocolate?  Acho que trituraram e comercializaram as toneladas que ficaram em stock, só assim se explica.

Ah, mas se és esquisita com sabores, há neutros, e até vegan! Migas, por mim até poderia ser corno de vaca em pó, quero lá saber, se é prota e realmente não sabe a nada, marcharia. Deixei-me influenciar (fisdeputa das saudáveis do insta), e comprei; afinal até é nacional. 

Vai daí, um gajo faz um trituranço com iogurte (sem lactose), uma mão cheia de mirtilos e uma colher de sopa de tremoço em pó; coloca numa tacinha e enfeita com uns flocos que são quase 20% fibra e yay, começa a jornada saudável! Começou e acabou à segunda colher. Céus, que enjoo. Que nojo, que vómito. O aspecto enganava, mas a consistência de massa de gesso, e o gosto estragado de um iogurte que até aprecio e consumo bastante, nem falando nos mirtilinhos sacrificados, que estejam a gozar a vida eterna num campo verdejante sem predadores naturais, chuif. 

Sabor neutro é a meretriz da tua mãe. E eu, fã de tremoços desde que tenho dentes, agora nem os consigo ver.

[disclaimer: derivado de problemas digestivos não consigo consumir muita proteína animal, porque estou cinco horas a fazer a digestão de uma salada de peito de frango, por exemplo; graças a esta preguiça estomacal estou, actualmente, enjoada de atum e ovo. o meu estômago também não tolera banana - nada de papinhas a "fazer de conta" ou a "dar consistência" -, odeio abacate, sou intolerante à lactose e graças a médicos que me diziam que era "impressão" ou "mania" e que devia continuar a consumir leite mas magro, ganhei uma aversão tal que nem leite faz de conta consigo beber.  a minha prota natural vem de iogurtes sem lactose ou de soja - a primeira pessoa a mencionar skyr ou quark ganha um banano -, peixe branco, pouco frango, e grão. também me encho de fruta e vegetais, mas continuo com fome. e, portanto, muito vulnerável à tentação de um - bom! - pão com queijo. ou manteiga. é o que é. nasci para sofrer, mas já sabia.]


  



terça-feira, 2 de setembro de 2025

Volver

 É o nome de um filme do Almodôvar do qual não recordo sequer um segundo do enredo pelo que não, não estou a armar, mas também significa voltar, em castelhano; além de que é uma ordem militar, sendo que esse é o sentido que aqui fica melhor. Porque ainda está ali, o sargentão façanhudo com um bigode medonho e a precisar de uma valente aparadela, com uma cútis tão curtida que apostava e ganhava que não faz ideia do que é SPF, um cremezinho, vá. Está ali aos berros desde ontem, como se merecesse esta sorte, pô, voltei, hein, boa, já vale!, se ainda não consegui acertar o passo é porque é muita coisa ao mesmo tempo e não lido bem com a pressão.

Esquecendo o palhacito fardado aos berros (aposto que também não apara os pelos do nariz), há que dizer que gozei três semanas seguidas de férias, e gozei-as bem. Zero trabalho, ainda levei o computador porque poderia ser preciso (não, senhor doutor, não abri. não, senhor doutor, não fiz nada relacionado com trabalho. preocupei-me um bocadinho. um bocado, vá. mas a ordem era não trabalhar, e isso cumpri. quer dizer, pensei no e em trabalho, mas concordamos que isso não é trabalhar-trabalhar, boa? boa.). Em jeito de esclarecimento: não fosse a troika e neste momento teria direito a 29 dias úteis de férias (25 + 2 antiguidade + 2 idade), e actualmente tenho 24 (quando comecei a trabalhar no público o mínimo eram 25, bons tempos, pequenitos); não me lembro do último ano em que gozei mais que três semanas de férias, a saber, uma na Páscoa e duas no verão, o resto era passado a trabalhar, ok, poderia tirar o ocasional dia para tratar de cenas, mas mais que quatro semanas / 20 dias úteis de férias, não me lembro, e é assim pequenitos, que uma pessoa fica mamada, chalupa, em estado catatónico, em burn out, tirem notas e não me tomem como exemplo, siga.  

Acabei um livro (The Long Walk, aconselho vivamente), comecei e acabei outro (The Cuckoo's Calling, go JK, me mate já vai no quinto da série, eu vou continuar, há muito tempo que um policial não me enchia as medidas), e estou quase a acabar Knife, de Salman Rushdie, o primeiro que leio dele e há que dizer, com toda a frontalidade, que é uma pessoa encantadora, com uma alma movida a amor, e com um sentido de humor que me agrada muito, e tudo isto depois de ter levado uma facada no olho, caraças, me mate diz que os Versículos são uma obra prima, aliás, não o via a chorar a acabar um livro há muito tempo, mas a ver se evito lê-lo na esplanada sem uma capinha ou também arrisco uma facada na vista, piada relativa à demografia aqui da minha zona, e sim, continuo a ser uma pessoa de esquerda, mas faz-me espécie mulheres embrulhadas em trapo só com os olhos de fora, é uma coisa que me chateia, também - e se calhar principalmente - como pessoa de esquerda e feminista, mas parece que as outras pessoas de esquerda e feministas acham muito feio embirrar-se com o niquab porque estamos a micro, se calhar macroagredir - não tarda a querer genocidiar! - uma população muito, muito fragilizada, vítima de constante ódio xenófobo (incluindo o meu, já me chamaram a atenção, juro, da próxima levam com a xenofobia lá onde o sol não brilha), donde, temos de nos abster, pelo bem comum (não queremos ser confundidos com os verdadeiros xenófobos, aqueles - embora as diferenças sejam evidentes, digo eu) e a favor da imaculada virtude individual, de fazer perguntas aborrecidas como que idade terá aquela moça só com os olhitos à vista, quem a trouxe, onde e sob que autoridade vive; porque há tantos refugiados homens, onde ficaram as mães, mulheres, irmãs, filhas destes que fogem pela vida e que vida é a delas; porque é que em concelhos limítrofes, onde os imigrantes - homens e mulheres - trabalham e não é pouco (um gajo vê-os nos campos e pomares), se sente uma maior integração, exemplo, ao fim de semana andam a fazer uma vida normal como toda a gente, vão ao mercado, ao shopping, ver o mar, e aqui em Lisboa são aos cinco e seis a atender numa lojita onde não entra ninguém (fachadas para celebrar contratos de trabalho?), quando não andam a deambular pelas ruas, desocupados, à espera não sei de quê, e a tirar medidas às moças que passam. Mas não, não há problema nenhum, nem foi o PS que o criou, e está tudo bem, e se disser o contrário sou _______  (preencher à vontadinha, já me chamaram tudo, nesta meretriz desta vida).   

Montei um lego grandote (e assessorei me mate na montagem de três médios e um grandote, sou a fiscal de obras lá de casa), esplanadei que me fartei, fiz muitas sestas. 

E meti-me nos puzzles, a coca, a meth da pessoa que não sabe relaxar, não sabe estar sem nada que fazer, não sabe apreciar um passatempo pelo puro prazer do mesmo, e acaba a sonhar com peças e como as organizar de forma mais eficiente, a congeminar a ordem de montagem, a ansiar porque raios, é um de 500 peças, estou nisto há dois dias e diabos me carreguem se não acabo hoje. Fiz três. Dois de 500, um de mil, o de mil durou três dias, acabei já passava da meia noite, com olhos raiados, dor de cabeça e uma birra de todo o tamanho, pelo que tomei a sensata decisão de fazer uma pausa no hobby, e retomar a obsessão anterior, o jogo de colorir do telemóvel, a ver se atingia os objectivos todos antes de acabar as férias (claro que não atingi e sim, sou um caso perdido. mas ao menos estou medicada e acompanhada, imaginem isto sem bengalas, hein. já tinha aparecido no Jornal da Noite, ou no Casos de Polícia. isso é que era, o Hêrnani a mandar bitaites sobre mim. o sonho.).


quarta-feira, 30 de julho de 2025

Tempo

 Odeio aquela expressão "o dia tem as mesmas 24 horas para toda a gente" e pior, julgo que posso ser acusada e condenada por já a ter usado. Não posso dar a certeza, mas é bastante possível. Não deixa de ser verdade, sim, qualquer medida de tempo convencionada é igual para todos, mas tenho tantas provas de que não rende o mesmo para todos. E aqui afirmo, com toda a certeza, que me podem acusar condenar, com pena agravada, de não saber usar, medir, aproveitar, usufruir do tempo na mesma medida dos demais.

Facto: depois do último post, tive alguns assuntos que me apeteceu gravar aqui na rocha, mas pensei "ah, amanhã", e entretanto passou um mês. No entanto, se me perguntassem há quanto tempo não postava, era capaz de apostar que uns dois meses e meio. Total falta de noção, e em vários planos da minha vida. Mas chego sempre a horas a todo o lado - atenção, ser pontual é chegar pelo menos quinze minutos antes; para mim, menos de vinte já causa ataque de ansiedade. Por outro lado, acho que é a minha faceta depressiva que me dificulta esta capacidade de medir tempo, ou antes, ter a noção da marcha do tempo em períodos longos.

Exemplifico: estive 77 dias de baixa, praticamente não me lembro do que fiz no primeiro mês. Não consigo destacar um único evento, um acontecimento, algo de importância que tenha feito. O tempo parecia um nevoeiro húmido e pegajoso, e eu uma indivídua sentada num banquinho a apanhar frio mas sem capacidade de me levantar e ir para dentro. Arrastava-se, parecia não ter fim; passado este período, capaz de jurar que esse mês tinham sido quinze dias. No segundo mês já consegui "mexer-me" mais, mas continuava com a sensação de eternidade que não passava e, afinal, já é abril e comecei a baixa a semana passada. Regressei ao trabalho, pensando que ajudaria estar ocupada, e enquadrada numa disciplina externamente imposta, nah. De repente já era fim da tarde e não tinha feito nada de jeito. Ou estava cansadíssima porque me tinha fartado de trabalhar mas ainda faltava tanto para acabar a tarefa. Um mês parecia quinze dias, mas o trabalho de quinze dias ainda estava por terminar ao fim de um mês. 

Sempre fui a pessoa que leva o dobro do tempo a fazer certos trabalhos ou certas tarefas. Achava que devido a uma natureza procrastinadora, uma inata picuinhice que me fazia rever e repensar tudo vezes sem conta, um constante síndrome de impostor a sussurrar que ainda não está bem assim, na verdade está uma bosta, uma vergonha. Mas é também a depressão, esse banco de nevoeiro que, percebo agora, há uns anos se foi adensando e parece tardar em levantar.

[e tenho estratégias! práticas ancoradas em saber adquirido empírica e teoricamente ao longo de anos! que faria se não as tivesse. sobre isso talvez fale noutro dia, com um título pomposo tipo "gestão da depressão para iniciantes". amanhã, ou daqui a um mês, quem sabe.)      

sexta-feira, 27 de junho de 2025

Uma coisa boa por semana (IV)

 



Já vou a meio de um livro que sim senhora, é um livro-livro, coisa de umas duzentas páginas - não que os livros se meçam à página, mas pronto, depois da parte do meu cérebro alocada à leitura ter estado em coma quase dez meses, é bom ter pegado num livro mais compridote, com vontade de o ler, estar efetivamente a ler, e a gostar do que leio. O facto de o ter iniciado há quase um mês e haver dias em que não leio uma página seuer não interessa; compenso largamente no trabalho onde, sem gostar nem me apetecer, sou obrigada a ler centenas de páginas de inanidades muito aborrecidas.

O que é engraçado é que - e ainda bem que um  livro não se mede à página- este é da autoria de um escritor particularmente verborreico, lança-se a escrever e zás, de repente pariu novecentas páginas, e deve ter uma ligação emocional muito grande com toda a letrinha impressa, que muito podia cortar mas editar está quieto. Iup, voltei a Stephen King, desta feita a um livricho de 1979, escrito sob pseudónimo, e começado quando ainda estava na faculdade (diz a wiki). Sim senhora. Podia ter cultivado o mesmo poder de síntese, mas não. Escolhas.

A história é fantástica, muito bem contada, e dá cá um incómodo, uma revolta, uma vontade de cortar os pulsinhos que nem se conta. Uma distopia das boas, e que nos faz perceber que cenas como The Hunger Games não surgiram de geração espontânea.

Porquê este livro? Porque vimos a traila do filme (em que o Luke Skywalker vai fazer de mau!, afinal quem sai aos seus e tal), fiquei augada, me mate disse que o livro é muita bom, queres, tenho ali, vou buscar (tem todos do King, olha a novidade), e pronto.

Entretanto ocorreu a Feira do Livro, onde me desloquei para adquirir presente de aniversário de cônjuge, e calhou atrever-me a comprar mais umas coisichas. BD, na maioria - a BD salvou-me a vida, no pior período, e fez-me acreditar que não tinha perdido, definitivamente, os gosto pela leitura - e dois Houellebecq, vejam só a presunção da menina, mas estou com curiosidade (o home, que consome livros como uma lareira, já leu Submissão e diz que acha que não gostou, ou isso ou não percebeu nada, e quer que eu leia para discutir a coisa).

A melhor, a mais fantástica, a coisa boa digna de um Nobel, porém, é ter convencido marido cabeçudo a ler policiais cá dos meus. Sorveu e adorou os dois primeiros The Thursday Murder Club, e agora avançou, todo valentão, pelo primeiro Robert Galbraith, que por acaso me ofereceu aqui há atrasado, a ver se me motivava a pegar num livro. 

(isto não é uma corrida, isto não é uma competição, isto é uma recuperação; uma página, um parágrafo, uma frase de cada vez)

(fui reler e percebi que não disse o nome do livro, e agora não me apetece editar, chama-se The Long Walk)

terça-feira, 17 de junho de 2025

Esta semana está a ser de estalo, o mau humor está a bater recordes olímpicos, e além disso está demasiado calor

 



Não sei se é um filtro que se instala automaticamente com a idade, apatia, ou declínio cognitivo, mas ando a desperdiçar imensas ocasiões de, justificadamente, responder torto com um nível de sarcasmo oscilando entre o moderadamente malcriado e o estratosfericamente ofensivo.
Se puder pedir alguma coisa desta vida, pu favô, gostava muito de voltar a conseguir responder de faca à goela e brilhinho nos olhos, essas *qualidades* que tantas vezes me foram repreendidas, derivado que o número de idiotas a abusar dos limites e a testar a minha paciência aumentou substancialmente, no último ano. Na ultima quinzena até parece que quadruplicou. 
(é por aqui que começa a saudade dos tempos da pandemia)

 

terça-feira, 3 de junho de 2025

Uma coisa boa por semana (iii)

 Como já revelei aqui há atrasado, desde Agosto do ano passado (mais coisa, menos coisa) que não conseguia ler, o que causava não só enorme frustração como um desgosto difícil de gerir. De repente, não havia leitura que me prendesse, ou livro que me deixasse acordada e em pulgas para o acabar. 

Ao contrário do que me sempre foi habitual, a altura das férias não serviu para pôr em dia (tentar, ao menos) as leituras mais exigentes; desculpando-me com cansaço, numa tentativa de normalizar o que de todo não era normal, fui optando por livros mais leves, e ainda assim não resultou. Desperdicei totalmente o segundo volume do Thursday Murder Club,  quando já me havia tornado fã entusiasmada com o primeiro (em ânsias pela série, e com muito medinho da prestação do Pierce Brosnan, como é que vai conseguir ser um "Red" Ron credível, pah, angústia). Já jurei solenemente que vou reler - foi o último que consegui acabar, e não me lembro absolutamente de nada.

Donde, uma coisa boa, esta semana, é a recomendação desta série policial, ideal para quem tenha muita saudadinha de um ambiente Agatha-Christiano (eu), mas em tempos modernos (interessante), com um grupo de bélhos reformados como protagonistas (resulta, vão por mim), personagens que deram trabalho a construir, têm vida dentro, e só por isso nos cativam (pah, se não gostarem de nem um, são más pessoas, só pode), e tramas bem construídas, por quem sabe o que está a fazer. Recomendo a versão inglesa, para quem possa / consiga, porque o humor, oh, o humor britânico, a subtileza, a fineza. 

Vou juntar mais uma coisa boa: não é o primeiro livro que consegui acabar desde o segundo volume do Thursday Murder Club, mas foi o primeiro que consegui não só acabar como ler com gosto, retendo e vivendo a história. Sucedeu isto ali para finais de Março último. E, ainda que nas actuais circunstâncias tenha representado uma enorme vitória, faço já o disclaimer que é uma novela curta (umas 80 páginas, ou perto) e levei uma semana inteira a conseguir ler. Noutros tempos seria uma tarde, mas é o que temos, é o que podemos, é o que festejamos.

A obra é esta, e recomendo sem reservas:

   


  Chorei no fim. E por causa do livro, não por andar choninhas há meses. Uma maravilha. Têm ali a editora, a feira do livro abre amanhã, ide, ide, asinha!

quinta-feira, 29 de maio de 2025

Little Miss Sunshine






A um não iniciado, é complicado explicar a depressão, e dificílimo fazê-lo entender. Naturalmente, qualquer pessoa dotada de inteligência média é capaz de apreender o conceito, outra coisa é entender o que se passa, de facto, na cabeça de um deprimido. Não levo a mal; como se diz, ele há coisas que só passando por elas - e há pessoas que não padecem deste defeito de fabrico que é carregar uma nuvem negra na cabeça. 

E outra coisa completamente diversa é aceitar que o deprimido sente verdadeiramente, o que conta. São os negacionistas da depressão e de qualquer perturbação ou doença mental: não há uma prova física, não existe. Fun fact, já estive a tentar convencer um amigo, debalde, que a perturbação de personalidade que diagnosticaram à filha a) é real, existe; b) causa um sofrimento atroz; c) pode e deve ser tratada, e os pais compreenderem e estarem informados, melhor ainda, guiados por um profissional (diferente do da filha) podia contribuir para a melhoria da pessoa em causa. 

Não ficou convencido. Nem quando o encaminhei para pessoa capaz de melhor o esclarecer que, por coincidência extrema,  a) padece da mesma perturbação de personalidade, b) pode confirmar a parte do sofrimento e ainda acrescentar todo um leque de outros sintomas fa-bu-lo-sos que contribuem muito para dar cabo da vida de uma pessoa; c) está a ser tratado, mostrando melhoras muito positivas, ainda que lentas, e caneco como é difícil encontrar alguém que queira e saiba abordar esta cena;  d) se encontrava no local, porque, aqui a suprema coincidência, mesmo do caracinhas, é me mate (só se estraga uma casa).

Continuou céptico. Porque aqueles comportamentos e sintomas se deviam, era o mais certo, a uma má formação de carácter, e não a uma doença ou lá o que é. O diagnóstico, esse sim, é que legitimava e contribuía para perpetuar os comportamentos censuráveis. Voltámos tristes, porque não havia necessidade. Tanta vida estragada. Uma miúda que vimos a andar de baloiço e de chucha, que não tem qualquer relação com o pai, e cuja mãe também não está apta a lidar (sem o saber factualmente, sou capaz de apostar que balança entre a gritaria, acusações, recriminações, e o apaziguamento fazendo toda e qualquer vontade o que, no caso, e aliado ao abandono do pai, é receita para a desgraça).

Chegando aqui para dizer que até entendo, com alguma má vontade mas entendo, o cepticismo daqueles que nasceram com um sorriso pré instalado no coração. São assim, também já passaram por dias mais nublados, mas não entendem que há quem viva permanentemente na bruma. Se se limitam a não entender, não há problema: ignorância não é crime, e cura-se facilmente. Informação não falta, falta às vezes é vontade para a procurar.

Não perdoo é àqueles que, além de não entenderem, lhes é mais fácil acreditar que é uma escolha, a pessoa não faz um esforcinho para sair da fossa, enfim, é feitio (do mau, claro, a pessoa quer é chamar à atenção, é birrenta, egoísta, manipulativa). Aqui já é um caso de burrice, estupidez crónica. São ignorantes mas não sabem que o são; pior, se alguém tenta sequer passar alguma informação, sugerir meios, ui, fincam os calcanhares, insistem na sua convicção.

Houve um tempo em que, rodeada de pessoas assim, e pessoas que, por acaso, tinham um peso, presença, e influência considerável na minha vida, acreditei que elas é que tinham razão. Se tanta gente me garantia que o meu mal estar se devia a uma falha de carácter, a ser demasiado auto-centrada, mimada, malcriada, egoísta, ser do signo caranguejo (juro!), não querer ser melhor, como não acreditar? Se elas, as pessoas, eram tão boas que não só aturavam as minhas faltas (aiaiai!, lá está ela!), até continuavam - embora, para meu bem, para me fazer "ganhar consciência", me darem um abanão, a ver se eu saía "daquilo", muitas vezes se vissem forçadas a avisar que assim não, desisto, um dia já não aguento - a ser minhas amigas, meu marido, minha mãe. Pah, e eu a dar cabo da vida delas. A maçar. A perturbar. Devo ser horrível. Nah. Sou horrível.

Já não acredito nisto. Pelo menos permanentemente. Foi preciso passar por um inferno - que, sem querer, desencadeei -, e ter encontrado um pior que eu. Já não acredito que sou uma pessoa horrível (hoje não, vá), que só sirvo para incomodar, dar trabalho. Pelo menos para uma pessoa e quatro gatinhos não sou essa pessoa horrível. Ou então somos todos horríveis. O que, parecendo que não, sempre conforta um cadinho. 

domingo, 25 de maio de 2025

Uma coisa boa por semana (ii)

 Ainda não fez uma semana, e não é só uma coisa, mas adiante.

O meu Justwatch diz que já estão disponíveis na netflix The Witch e The Northeman, aconselho (muito, muito, muito).

O IMDB já dá um resumo suficiente, e não vou spoilar. Só dizer que se, um dia, tivermos um gatinho (menino, portanto) preto se vai chamar Black Phillip, e se alguém copiar é copião mauzão feião. 

No primeiro, a Anya Taylor-Joy está tão bem, aqueles olhões fazem metade do filme. Sim, vou rever, deixem-me ter uma tardezinha livre. Quanto a The Northman, podem regalar as vistinhas no Skarsgard giro, pena é estar quase constantemente coberto de sangue (isto é um aviso: o filme é violento pa caraças), mas, como o primeiro, está magistralmente filmado e interpretado. 

[E é o Amleth. Atualmente mais conhecido como Hamlet, não sei se isto vale como apropriação cultural, vamos cancelar Shakespeare, atirar sopa de lata ao Globe? Phonix, é tão complicado, o wokismo; podes comer sushi mas ai de ti se és caucasiano e abres um restaurante de sushi, caraças, alguém faça um rough guide do wokismo, já não tenho capacidade, e eu quero tanto, mas tanto, ser uma pessoa melhor :') .]

quinta-feira, 22 de maio de 2025

A pior pessoa do mundo

 Vínhamos a pé da escola onde votamos, e senti um cansaço tão entranhado, tão  pesado, que sugeri sentar ali no banco. Ele explicava-me o sentido do seu voto e revoltava-se por o por em causa, o que não fiz. Compreendo, mas não concordo; tal como ele compreende e não concorda com o meu. O normal seria irritar-me com a acusação de que o estava a acusar ou repreender, o que não fiz, porra, mas ele insistia que sim; mas a verdade é que já não aguentava mais, já não aguento mais, tanta conversa, tanta teoria (incluindo minhas, sinto-me insuportável), e caiu-me o peso do mundo, falhou-me a respiração e a força muscular, quero só ficar aqui sentada um bocadinho, e não estou a censurar nada, simplesmente não concordo, ainda tenho direito a opinião. Ele percebeu. Ou encaixou. Calou-se. 

Ficámos ali em silêncio, eu a ouvir a minha respiração e a suster as lágrimas. Repito-me, mas há momentos assim, em que simplesmente já não aguento mais. Queria desaparecer, deixar de existir, não desexistir. Não é o mesmo que morrer, é apenas não ser. Abrir-se um buraco negro que engula toda a nossa existência e a prova dela. Desexistir físicamente e em memória. Ser engolida por um buraco negro que não me levasse a lado nenhum senão ao esquecimento. Juro: era um descanso, uma bênção simplesmente desexistir. Expurgar a memória: a minha e a de mim, da dor, da desesperança, do que foi e do que ainda está para vir. Melhor ainda: nunca ter sequer existido, poupava-se esta consciência do vazio.

Ele interrompe o silêncio e comenta uma banalidade, e eu conheço-o, quer-me trazer à realidade. Que são diferentes, curiosas, as varandas daquele prédio. Também ele esteve a olhar para o vazio, mas recuou à materialidade; quer-me com ele. Olho para onde aponta e explico que, quando saí da faculdade e fiz o estágio, vinha muitas vezes ali às Finanças, tratar de cenas dos clientes do meu patrono; aquele prédio estava em construção. Muitas vezes magiquei como seria morar ali, sabendo que nunca teria dinheiro para comprar uma daquelas casas. Teria vista para o rio, uma avenida com plátanos, autocarros, padaria, café, tudo ao pé da porta.  Era um sonho parvo, naquele tempo absolutamente irrealizável. Da forma como estava a minha vida, nem perspetivas de ganhar para pagar um empréstimo para um T2 em Loures, quanto mais. Quase trinta anos depois, voto na escola ali a vinte metros, moro na casa dos meus sonhos ali a cinquenta metros, e estou sentada num banco de madeira, aliás todo tortinho e desconfortável, a chorar desesperadamente porque nada disto significa nada, nada na minha vida tem significado, substância, imanência; tentei e falhei, não faço falta, não crio uma réstia de carinho, mínima alegria por ter acontecido nesta poeira cósmica no meio do caos; não há nada que me faça sentir realizada, completa; e, a terminar assim, para que serviu todo o esforço, todo o sacrifício, todo o empenho, tanto forçar-me a acreditar que valia a pena e continuar, nunca desistir. Para quê. Sou só eu e ele, as nossas solidões, os nossos sofrimentos, os nossos desamores, a olhar para o vazio, e pelo meio, umas varandas engraçadas.

 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

We don't talk about Bruno


Aqui há quase um ano, ano e picos, deu-me uma comichão do caraças não entender como é que tanta gente que compunha a base de apoio do Trumpas pertencia, precisamente, a uma classe ou grupo social que muito provavelmente seria prejudicado com a sua reeleição - e, na melhor das hipóteses, não tinha ganhado nada com a sua presidência.

Vai daí, decidi lançar-me num deep dive em busca do que pensam essas pessoas, afinal quem melhor para nos explicar os seus quês e porquês. Iniciada a demanda, pus de parte preconceitos do tipo "deploráveis", "red necks", "burros em geral". Queria entender, não confirmar um pretenso julgamento.

E tcharam. Resumidamente, dei cabo do meu algoritmo, ainda hoje o iutubas me recomenda coisas que tenho vergonha de admitir, pronto, vá, vi muita coisa do Da*ly W*re, e foi uma descoberta. Dali saltei para alguns influenciadores com canais próprios, e, entrementes, a título de limpa palato, lá ia vendo uns vídeos de plnatinfluenciadores ou artistinfluenciadores, que é do conteúdo  mais wholesome as fuck que há.

Dizer que aprendi imenso talvez seja exagerado. Principalmente: recolhi muita informação. E percebi as pessoas do outro lado. Para uma esquerdalha moderada cinquentona como eu não é fácil admitir, mas cá vai: não concordo com as soluções propostas (uma ateia pode benzer-se?, é que me benzi muitas vezes); não acompanho a maioria dos diagnósticos feitos, mas tenho de reconhecer, cabeça baixa, braços ao longo das pernas, palmas para dentro: têm razão em muita coisa. Nas queixas, principalmente. A esquerda (e a direita, já agora) moderada abandonou quem dela mais precisa. Tornou-se um bastião de virtude, de bandeiras cada vez maiores, e deixou aqueles conceitos antigos como "classe", "justiça", "mobilidade social", "redistribuição de riqueza", "segurança no emprego", "apoio no infortúnio", "igualdade de oportunidades" (podia estar aqui o dia todo) a ganhar mofo num armário da cave. E depois ainda escarnecem dos que precisam dessa esquerda/centro/direita democrática, tratando-os como burrinhos sem discernimento. Admiram-se? Eu já não.

Em agosto não tinha dúvidas de que o Trumpas ia ganhar, e achei muita graça à kamaleuforia. Graça no sentido fado tuga, ai, que agora estás tan féliiiz, mas logo te desgraças.

Em setembro disse a uma eminência parda do partido que arranjassem maneira de se livrar do PNS*, e depressinha, ou acabavam irrelevantes, como aliás (eu achava que) já eram. Ninguém liga à Izzie, ninguém tufona à Izzie a pruguntar como deve fazer, e depois ó.

Donde, se os 50 na assembleia me chocaram, porque ainda não sou uma velha cínica, infelizmente não me surpreenderam. É hora de se fazer uma grande reflexão, e não só internamente. Avançamos por tempos perigosamente interessantes, daqueles que acontecem quando os centrões democráticos esquecem as suas bases (o povo, 'tá a ver?).

Não vou dizer mais nada, que odeio ter razão nas piores atoardas que venho mandando. Quero enganar-me desta vez, se faz favor. 

E não chamem burros aos eleitores. Façam esse favor. Tentem sim perceber de onde vêm e para onde querem ir. E depois conversem.


*não disse PNS, disse taberneiro, mas de uma taberna boho-chique cheia de conceito, com pratos, copos e talheres  desirmanados, e onde a comida é uma merda.


sexta-feira, 16 de maio de 2025

Fool on the hill

 Visita de rotina à ginéc, o costume, como tenho estado desde a última vez, queixas, não queixas e, para além do que ali me leva, relato que estive de baixa dois meses e picos, nada físico, enfim, foi, pois, assim como que queimei... e do outro lado para surpresa de ninguém, hum?

Uau, U-au. Vou lá duas vezes por ano, a última em outubro, setembro. De duas uma, ou a çenhoura doutora tem uma memória e perspicácia que sim senhora, ou eu já causava uma profunda impressão em profissionais de saúde, mas não do tipo que gostaria.

Ok. 

[a sério que a) não percebi que se notasse tanto; b) porque até eu estava convencidíssima que me tinha ido um niquito abaixo mas nada que não fosse ao sítio; c) por pura justiça narrativa, sublinhar que me mate também notou, e fez uma festa quando me deram baixa, isto se levantar os braços e berrar atéquimfimufabolasfinalmente se pode considerar uma festa, adiante]  

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Uma coisa boa por semana (i)

i. Lojas a que dou preferência por culpa de quem lá trabalha

 A vida é demasiado curta para aturar gente aborrecida, quanto mais mal educada. Ganha-se irritação para o dia todo, ou seja, perde-se um dia inteiro a remoer a desfeita. Há gente, situações, cenários que temos mesmo de aturar, que remédio, chama-se ganhar a vida. Mas se preciso de um bem ou serviço, não contem comigo para voltar onde fui mal atendida ou mal recebida. Pelo contrário, se há sítios onde o tratamento é consistentemente bom, mesmo acima da média, ganham uma fã para o resto da vida. Porque as coisas boas são para elogiar (e partilhar, já agora, se alguém sentir essa necessidade, faça o favor ali na caixinha de comentários) cá vai uma listinha, área comércio em geral:

- Nunca fui mal atendida na Papelaria Fernandes, em concreto, nas lojas da Miguel Bombarda e da Rua do Ouro. O atendimento flutua entre o bom+ e excelente; é simpático, cordial, bem disposto; conhecem o stock e sabem aconselhar; e se a dúvida que acabámos de colocar é mesmo muito parva, burra, tola, não dão a mínima nota disso, pelo contrário, explicam ou aconselham como se tratasse duma questão mui pertinente. Gosto muito, sou freguesa fiel. 

- Na Bertrand do CC Amoreiras há um livreiro que é o meu preferido de sempre. Acho que conhece o stock da loja - e do catálogo! - de cor, se lhe pergunto por um livro rara é a vez que recorre ao computador, normalmente a resposta fica entre ah, acho que o vi ali, vou buscar ou sei perfeitamente, está aqui. Falhou uma vez (nem é bem uma falha, o exemplar tinha sido vendido há pouco tempo) mas não faz mal, encomendou-se. Oferece ajuda, estabelece diálogo com os clientes sobre os livros que procuram, faz sugestões (boas, já agora, e não limitadas a livros, filmes também acontece, se vier a propósito); extremamente educado e simpático, nota-se à légua que adora livros. Aposto que não ganha o que merece, facto extensível a todas as pessoas que menciono aqui.

- Na Caroll, também no Amoreiras, há uma empregada que é simplesmente amorosa; acerta no nosso tamanho (amo muito esta qualidade), educada, informa e mostra-se disponível sem ser intrusiva. A Guerra Junqueiro fica-me mais em caminho mas, temos pena, prefiro ir ao Amoreiras.

-  Deixei-me convencer há coisa de um ano que, de facto, vale a pena gastar o que custa um par de Levi's. Depois de comprar um à experiência, já tenho três pares e são os jeans que visto, não tarda os outros têm guia de marcha. Ora na loja do CC Ubbo há um empregado (que acho que é gerente da loja) que também acerta no nosso número, largura e altura, e espanto, no modelo que nos fica melhor. Estava lá com me mate, que só veste Levi's porque padece de um tiquinho de mania, e o tal empregado ouviu-me dizer-lhe, revirando olhos, tá bem, que um dia experimentava, até precisava de umas pretas, mas para quê as mango que tinha vestidas me custaram trinta paus, precisavam era de tingir outra vez. Perguntou-me que tipo de corte gosto, deu-me um par para as mãos, experimentei, e paguei. As da mango pretas (que, de facto, me custaram trinta paus mas tive de tingir umas quatro vezes, com pouco sucesso), já foram. Só para finalizar, quando lá fui dois meses depois comprar o segundo par, não só se lembrava de mim como do modelo e número das calças. A estas pessoas não dão eles o nobel, e está mal.   

- Para terminar um serviço tenebroso, temível, tremendo, que passei a precisar com assustadora frequência: tirar sangue. Há duas coisinhas aqui perto de casa, dois, cinco minutos a pé. Uma série no caminho. Mas nem que chovam pedras, faço os oito quilómetros para cada lado (e pago o parque) para tirar sangue no Hospital da Luz. Ali não preciso de fazer o meu habitual relambório de veias fundas, pouca pressão, perco os sentidos se demorar derivado de tensão baixa e fobia. Népia. Quer dizer, hoje em dia já sei que não preciso. Perguntam só de que braço costumo tirar, põem torniquete e não questionam se o esquerdo seria melhor - canudo, basta ver o meu histórico, a esta altura eu já sei, de certezinha, de que braço conseguem tirar - , vão buscar a borboleta sem necessidade de sugestão nesse sentido, acertam na veia à primeira, e conseguem sacar dois tubos antes de começar a ver tudo a andar à roda. Espero que saibam o que valem, aqueles anjos do vampirismo médico, e lhes paguem em conformidade. Se eu mandasse, coise, mas não mando, e se calhar é por isso que isto tudo está a merda que está.

 

terça-feira, 13 de maio de 2025

Tomorrow never knows

 Ontem fez duas semanas que voltei ao trabalho, depois de uma baixa de 77 dias. Não foi um feliz acaso: na consulta em que (supostamente) renovaria a baixa por mais trinta dias, disse: quero voltar ao trabalho no dia tantos do tal. A médica fez um ar façanhudo, e percebi que não achava bem. O meu psi de muitos anos, que já me conhece de gingeira e já tinha sido avisado do plano na semana anterior, fez só um ar de suspiro. Provavelmente repetiu, desta vez apenas mentalmente, o que já me tinha dito em fins de novembro, princípios de dezembro: pois, a Izzie é assim, muito voluntariosa, mas se precisar, venha cá.

E precisava, mas não queria. E confirma-se, sou muito voluntariosa, esse simpático eufemismo para teimosa como uma mula. 

Às tantas, deveria ter percebido que precisava logo ali em agosto quando, pela primeira vez na vida, não consegui ler um livro do princípio ao fim, quer dizer, consegui, mas ler um policial num mês de férias é um nadinha anómalo, ainda mais quando tantas vezes não conseguia terminar o capítulo e quando lhe voltava a pegar não me lembrava do que ficara para trás. E era um livro de que estava a gostar imenso. Mas não conseguia ler. Nem esse, nem nenhum. Tentei outros, mas nem contei os que deixei a meio. É aborrecido, não estou na melhor fase para ler este, a letra é muito pequenina. E parei de tentar.

Ou se calhar podia ter dado conta quando em setembro, outubro, por ali, levava horas para fazer coisas de trinta minutos, arfava, sentia uma mão invisível a estrangular-me, acordava às quinhentas e não voltava a dormir, bloqueava em frente ao ecrã, na terça não me lembrava do que tinha feito na segunda e precisava de ir rever tudo, deixava frases a meio, irritava-me com os fregueses (mereciam, vá), não me continha (ainda mereciam pior, mas pronto, não se pode). E a pressão. Porque levar três vezes mais tempo a fazer qualquer coisa acumula muita papelada. E o stress. Comprar pasta e elixir paradontax porque acordo com a boca a saber a sangue, tenho de marcar dentista, como se não soubesse que passava a noite - e o dia - a cerrar e ranger dentes. E chorar. De raiva, de cansaço, de frustração. Chorar por causa do trabalho, porque me sinto velha, porque já não sei pensar, porque estou a ficar burra, porque odeio isto tudo.

Foi nesta altura que calhou uma consulta de revisão, e o comentário da voluntariosa. Mas nem assim. Garanti que estava a dar a volta, foi o fideputa do metabolismo que, na verdade, andou mauzito ali entre maio e novembro; que tinha arranjado umas vitaminas que me estavam a (re)animar; que o ginásio me estava a fazer bem.

E deu-se que dias depois fui a uma consulta de medicina do trabalho, obrigada, claro, preciso lá eu dessas merdas, aptíssima, e a meio do meu mega rápido resumo de estado de saúde a médica pergunta, assim à bruta, e há quanto tempo está deprimida? Calou-me. Não soube responder. Quer dizer, eu sempre fui deprimida, doutora, há fases piores, mas passam. A cara de não me enganes, não me faças perder tempo, sabemos as duas, e desabei, abriram as comportas. Fez-me prometer que ia a uma consulta, e escreveu uma nota para a minha médica de família (o psi é particular, consegue passar-me uma baixa mas é preciso um trabalhão). E pronto. Fui ao centro de saúde, marcaram-me uma consulta para essa semana, e lá estive, envergonhadamente, a expôr à minha médica de família a minha fraqueza humana. Baixa, claro, mas atenção (saca da agenda de trabalho) dava-me mais jeito que começasse no dia tal porque antes tenho de deixar aqui umas coisas em ordem. Revirar de olhos mental da médica (também pratico, sei reconhecer), e pronto. Deixei tudo em ordem, avisei quem tinha de avisar, ei, trinta dias, mas daqui a quinze estou fina, não estava, e se me perguntarem o que fiz mês e meio, não sei, porque estava um nevoeiro cerradíssimo.

Depois, numa aberta, decidi que tinha de voltar, ei, e voltei. 

Senti-me tão, tão bem por estar a trabalhar; depois senti-me ultra miserável porque quem é que quero enganar; mas estou a conseguir fazer coisas, ei, ainda percebo disto; e olha preciso de uma choradela na casa de banho. E isto só no primeiro dia. Entretanto houve merdas bur(r)ocráticas que me fizeram chorar outra vez, e uma solidariedade de colegas que me comoveu, e voltei a chorar.

Vai correr bem. Porque sim, porque eu digo que sim, já passei por isto antes, ei, eu sei.

Vai correr bem. Voltei a ler. Comecei com BD, já me atrevo a coisas mais encorpadas e só com letras!, sem bonecos!, e se não ler todos os dias não faz mal, lá chegaremos. Beijinho a mim.

Vai correr bem. Há uma semana que não choro. Ontem foi por um triz, por causa de trabalho (que não estava a conseguir fazer), mas depois fui ao treino, e a seguir terapia, passou. Hoje também esteve quase, que as minhas endorfinas são muita pucaninas, não duram nada, mas não sucedeu.

Vai correr bem. 

[e voltei aqui, também.  nhã-nhã-nhã, que agora o que se usa é o subetáque, mas tenho lá idade, paciência, e tempo para aprender uma rede xoxial nova.

um dia de cada vez. amanhã é dia de postar uma cena boa. um dia uma nhéc, um dia uma boa, além de xoné agora também alterno. vidas.]