terça-feira, 27 de junho de 2023

Dá-se, a quem estimar, ou mesmo a quem não estimar

Durante muito tempo não sabia que havia um nome para este sentimento; aliás, nem fazia ideia que era tão comum que merecia um nome, uma caracterização. Achava que era uma coisa minha, que lá haveria outras (poucas) pessoas também assim, coitadas, todas nós muito defeituosas, que não conseguíamos ter foco, ter confiança, acreditar!, essas qualidades tão batidas nos discursos motivacionais, donde se retira que, se não consegues, é porque não quiseste, não te esforçaste o suficiente (tretas, já agora, isto é tudo treta, adiante).

E um dia, ali estava, no título de um artigo: síndrome do impostor. Aaaahhhh. O alívio, por a coisa ter nome. E perceber que afinal não era defeito meu, uma falha de carácter que não tinha a competência - ou pior, empenho, vontade - para ultrapassar.  

Quando o bicho que nos atormenta passa a ter nome, descrição, conseguimos encará-lo melhor. É um bocadinho mais fácil lidar com a criatura do mal. Não resolve, mas ajuda. Determinada situação, e lá reconhecemos o monstrinho, ó síndrome do impostor (vou chamar-lhe Crispim), outra vez a fazer das tuas, pára de me comer as roseiras, xô. Nunca se vai embora, o bandido, fica sempre ali, à espreita, a mandar bocas, mas uma pessoa consegue mantê-lo debaixo de olho, e lá de longe até o ouvimos mal. 

Finalmente, podemos ter coragem para dar um passo. Ainda que continuemos a ouvir o eheheheheh, isso vai dar asneira, vais acabar a fazer cá uma figurinha, tens lá arcaboiço para te meteres nisso. É esta a vidinha de uma pessoa assombrada por síndrome de impostor. Mais de vinte anos a trabalhar, e vinte especificamente numa área, e ainda duvidar que se deva arriscar algo diferente, hesitar em dar um passinho em frente, por medo de falhar.

[traduzido em filme, que passa em loop na cabeça de quem sofre deste mal, o "falhar" é sempre uma coisa épica, um desastre natural mas em grande, tipo um tsunami com erupção de diversos vulcões à roda, tremores de terra e ainda explosões nucleares, com uma praga de gafanhotos para acamar, tudo por culpa nossa, que dissemos um disparate, cometemos um erro, e toda a gente vai saber que a culpa é nossa, e vamos a passar na rua e toda a gente vai apontar com nojo, ou a rir.]

Bom, esta conversa toda para dizer que tenho o coisinho do Crispim aqui a fazer previsões desastrosas, mas consegui reunir a coragem para me oferecer para uma coisa. Não sei se vou ser seleccionada mas, se for, vai implicar sair da minha zona de conforto e fazer uma cena diferente que envolve contacto e interacção com 'ssoas. Mais de dez, chiça. E passar-lhes informação, credo. De maneira a que as 'ssoas aprendam alguma coisa comigo, a responsabilidade, o pavor, o aijasuz. 

Vai correr bem. Já estou muito contente por ter decidido arriscar. E tu, Crispim, chiuzinho, ok? Ok.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

A minha vida é feita de não percebendos

Juro que não entendo a fobia tuga ao livro de bolso, e ainda menos em certos géneros literários. A saber, o policial. Queres chafurdar umas alegres horas em homicídio, investigação, e suspense?, só em formato tijolo. E com peso a condizer. Dá cabo das costas, pessoas, palavra de pessoa que deu cabo das costas com (entre outras coisas) o alancar de calhamaços na malinha. 

Já sei que há, porque já vi e já espiolhei, uma editora portuguesa que deita cá para fora diversa produção, em português, e em formato de bolso. Mas não chega. Quero tudo, tudo, em formato de bolso. É maneirinho, em calhando até cabe - a sério! - num bolso. A portabilidade! A conveniência! 

O papel é de pior qualidade, pronto, mas acham mesmo que as gerações futuras vão querer os nossos livros? Nem as bibliotecas querem as minhas generosas (três sacos, vai aumentar estas férias) doações, olhaí. Se a traça comer, bom proveito. Pusessem pastilhas repelentes nas estantes (dica da semana: para um resultado óptimo, duas por prateleira, zero traças, e se mi casa é um habitat perfeito). E o papel branquinho é bem mais pesadinho, aquilo é gramagem de luxo, não se justifica.

A menos que. É uma suspeita que me assalta. Será? Não pode. Queres ver que há quem compre livros para compor estantes, assim em bom? Tipo, eu quero livros de lombada à prova de quebra (fi'os, não há garantias, tenho paperbacks que nem se nota que os li, e outros de formato grande que balhamedeuz), com a altura X, que me faz ali uma estante tooodá linda, toda de pessoa muito devota às letras. Sois novos, não pensais. Em chegados à minha idade querem é poder fazer duas filas sem o stress que a da frente caia ao mínimo toque. O espaço é finito, e nas casas portuguesas nem se fala.

Voltando aos policiais. Pá, aprecio muito, pelo que isto não é desfazer, mas não são beeem uma Anna Karenina, né. É leitura de puro lazer, para trazer connosco, transportar daqui p'ráli, aproveitar cinco minutos para saber se foi a dama de companhia que aviou a bélha (influências de Agatha Christie, perdoai). Trinta centímetros de altura, nã, não se justifica. Vinte, máximo, e já chega. 

O único argumento que me poderá, vá, fazer vacilar é o do tamanho da letra. Já sou uma vítima da presbiopia, mas para isso é que há doutores oftalmologistas e ópticas. Ou, numa versão mais em conta, óculos de ler pré-graduados - usei uns dois anos, quando isto não era ainda um caso sério. Tudo se resolve. Uns óculos de ler são mais baratos que uma operação às costas (atesto). E que uma boa estante, ou acham que as billy aguentam tanto papel de alta gramagem, ah, 'tá bem, abelha. 

Donde, policiais e tudo em livro de bolso. Lá a ver disso. Os ingleses, graçádeuz, já o fazem há tanto tempo: a novidade vem em capa dura ou mole com formato grande, uns mesitos depois, tcharam, o babybook. Eles lá sabem, eu cá não digo (mais) nada.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Don't complain, don't explain

A cirurgia à hérnia discal correu bem, e até tive um período de recuperação muito razoável. 

[O trabalho lixou um bocadito a parte da recuperação, derivado de se fazer na posição de sentada.]

Depois de dois anos e três meses desempregado me mate voltou a trabalhar. 

[E está a gostar. Muito. E está a fazer cenas de jeito, de acordo com as habilitações que tem. Com pessoas (incluindo chefias) normais, educadas, que não berram, ameaçam ou insultam. Ou seja, um ambiente normal. Já lhe tinha garantido que existia. Existe.]

A perimenopausa chegou a uma fase absolutamente impossível.

[Quero crer que isto significa que já não falta muito para chegar à parte boa, i.e., a própria da meno, em que a %&#$ da menstruação, cruz da minha existência, desaparece para sempre. É que ter o resto e ainda continuar com o período, pior que sempre, pá, não. É o que me dá esperança.]

Parece que já estou em condições* para, este verão, começar o desmame do antidepressivo e voltar à dose - metade da actual - que tinha há dois anos. 

[*não que note muito mas ei, o s'outor é que é o s'outor, ele é que tirou o curso e já me conhece há mais de vint'anos, vamos a isso]

Ou seja, só boas notícias.

[A ver se arrimo e também desmamo da apatia e preguiça de escrever, nem que seja só para me entreter, desenfadar, desafafar, enfim; que, parecendo que não, ter aqui um buraquinho (como o barbeiro do príncipe das orelhas de burro) já deu / pode dar / quero que dê um jeitaço.]