Durante muito tempo não sabia que havia um nome para este sentimento; aliás, nem fazia ideia que era tão comum que merecia um nome, uma caracterização. Achava que era uma coisa minha, que lá haveria outras (poucas) pessoas também assim, coitadas, todas nós muito defeituosas, que não conseguíamos ter foco, ter confiança, acreditar!, essas qualidades tão batidas nos discursos motivacionais, donde se retira que, se não consegues, é porque não quiseste, não te esforçaste o suficiente (tretas, já agora, isto é tudo treta, adiante).
E um dia, ali estava, no título de um artigo: síndrome do impostor. Aaaahhhh. O alívio, por a coisa ter nome. E perceber que afinal não era defeito meu, uma falha de carácter que não tinha a competência - ou pior, empenho, vontade - para ultrapassar.
Quando o bicho que nos atormenta passa a ter nome, descrição, conseguimos encará-lo melhor. É um bocadinho mais fácil lidar com a criatura do mal. Não resolve, mas ajuda. Determinada situação, e lá reconhecemos o monstrinho, ó síndrome do impostor (vou chamar-lhe Crispim), outra vez a fazer das tuas, pára de me comer as roseiras, xô. Nunca se vai embora, o bandido, fica sempre ali, à espreita, a mandar bocas, mas uma pessoa consegue mantê-lo debaixo de olho, e lá de longe até o ouvimos mal.
Finalmente, podemos ter coragem para dar um passo. Ainda que continuemos a ouvir o eheheheheh, isso vai dar asneira, vais acabar a fazer cá uma figurinha, tens lá arcaboiço para te meteres nisso. É esta a vidinha de uma pessoa assombrada por síndrome de impostor. Mais de vinte anos a trabalhar, e vinte especificamente numa área, e ainda duvidar que se deva arriscar algo diferente, hesitar em dar um passinho em frente, por medo de falhar.
[traduzido em filme, que passa em loop na cabeça de quem sofre deste mal, o "falhar" é sempre uma coisa épica, um desastre natural mas em grande, tipo um tsunami com erupção de diversos vulcões à roda, tremores de terra e ainda explosões nucleares, com uma praga de gafanhotos para acamar, tudo por culpa nossa, que dissemos um disparate, cometemos um erro, e toda a gente vai saber que a culpa é nossa, e vamos a passar na rua e toda a gente vai apontar com nojo, ou a rir.]
Bom, esta conversa toda para dizer que tenho o coisinho do Crispim aqui a fazer previsões desastrosas, mas consegui reunir a coragem para me oferecer para uma coisa. Não sei se vou ser seleccionada mas, se for, vai implicar sair da minha zona de conforto e fazer uma cena diferente que envolve contacto e interacção com 'ssoas. Mais de dez, chiça. E passar-lhes informação, credo. De maneira a que as 'ssoas aprendam alguma coisa comigo, a responsabilidade, o pavor, o aijasuz.
Vai correr bem. Já estou muito contente por ter decidido arriscar. E tu, Crispim, chiuzinho, ok? Ok.