quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

*suspiros*

No 12º ano tive um colega uber-mega-hiper palerma que passava a vida a contar, entre outras sem graça nenhuma, piadas racistas. Tal como as outras, não tinham graça nenhuma porque a) racistas; b) eram más, mesmo - se isso fosse possível - tirando o factor racismo.
Quando estes surtos piadistas me tinham como público involuntário, para além de não me rir e eventualmente revirar os olhos, fazia-lhe notar que já deixava de ser um traste racista e de estar sempre a debitar graçolas sobre o tema. A resposta era sempre a mesma: "é só uma piada!", seguindo-se o rame-rame do "não tens sentido de humor". Ter, tinha; e tenho, mas era e é um bocadinho, só um bocadinho mais sofisticado e exigente. Adiante.
Na altura ainda não estava em voga o argumento do "politicamente correcto que vai acabar por matar o humor" (chuif, que tragédia), vá lá. Mas já existia o argumento do "até tenho amigos que são", e se o gajo o estafava. É que na turma havia um, apenas um, colega negro, a quem o gajo vivia colado. Dizia que eram amigos (debatível: esse colega era um tipo extremamente sossegado, introvertido, até; suspeito que aturava o outro por educação, um maior sentido de sacrifício do que eu alguma vez tive, ou simples pressão, incapacidade de, minoria muito minorotária que era, se rebelar), e o amigo não levava a mal, sabia que ele estava só a brincar. Donde, não era racista, lá agora.
Era. Era sim senhora. Além de outras características muito pouco abonatórias, era um poltrão de um racista.

Passou-se isto ali em 1988, 1989 (sou um bocadicho antiga, pois é). Se nessa altura me dissessem que no ano da graça de 2020 este tipo de pessoas andaria por aí de cabeça erguida, a vomitar o mesmo tipo de dichotes com um ar de "quero, posso, e devo", como se não tivesse mal ou importância, como se fosse aceitável, próprio de uma pessoa decente, e que os demais deveriam tolerar sem ruído porque liberdade de expressão, porque é uma piada, porque sim, tinha cortado logo os pulsos e escusava-me à vergonha profunda que este estado de coisas me faz sentir.

5 comentários:

  1. Infelizmente o racismo e a xenofobia nunca vão acabar. Já nem alimento essa ilusão. Em tempos idos, alimentava, achava q sim, que n era uma utopia, q era mm possível acreditar num mundo melhor. Hoje em dia já não. Hoje já só rogo a todos os santos que não voltemos atrás, pelo menos não mto atrás.
    E atenção, que até concedo que sim, q tb temos de ter algum sentido de humor. Que se faço piadas em q basicamente generalizo o comportamento de mto homens e o projecto p toda essa espécie tb é legítimo fazer o mm com as mulheres, as loiras, pessoas de etnia cigana ou de outra nacionalidade. Se fazemos piadas com o snobismo dos ingleses e o excesso de by the book da malta mais a norte tb podem ser feitas com malta mais a sul. Naturalmente que a linha q separa umas piadas bem conseguidas do mau tom e do "a brincar a brincar" é ténue...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Acho que é possível fazer humor com tudo, mas é preciso sensibilidade e bom senso. O humor sobre situações sensíveis não deverá contribuir para a perpetuação do preconceito, ou seja, não deve ser feito à custa de.

      Eliminar
    2. Lá está, a linha é mto ténue e são poucos aqueles q conseguem fazer esse humor bem sucedido.
      Os outros, são como esse teu ex colega, uns labregos que se escudam nas graçolas p irem dizendo as merdas q, na realidade, acreditam e defendem...

      Eliminar
  2. O Daniel Oliveira aqui há dias (ou semanas) na revista do expresso escreveu um artigo muito bom a explicar o porquê de em Portugal haver este racismo subliminar na consciência social dos portugueses. Explicou que a diferença, em relação a outros países que foram colonialistas, como França, Inglaterra ou Alemanha, é que o colonialismo nesses países subsistir enquanto esses paises já eram (ou sempre foram) sistemas democráticos. Donde, havia crítica, debate, liberdade de informação e de expressão. Por cá, ao contrário, o colonialismo existia enquanto éramos ditadura (para não falar que fomos os últimos a dar independência). Portanto, não havia debate, crítica contraditória ao discurso paternalista racista de chamar 'pretinhos', etc.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. a.i., não sei se é só por aí. Acho que não é só em Portugal que há este negacionismo em relação ao racismo, noutros países também há. E lá fora o debate também era, enfim, o que era.
      Mas o paternalismozinho bacoco, esse acho que é nosso. O de que os pretinhos estavam melhor quando lá estávamos, e coisas assim, bom, já ouvi também a outros povos. Nos EUA há quem se atreva a dizer que a escravatura não era assim tão má, havia "bons donos" e eles sempre comiam e tal (vómito). Muitos ingleses estão sinceramente convencidos que "civilizaram" meio mundo. E por aí fora.
      Eu cá não tenho problemas nenhuns em assumir que cá há racismo estrutural sim senhora, e que é preciso olhar a coisa de frente, reconhecer, para a combater.
      Sempre que há uma situação noticiada, como a da senhora na vimeca, ou a do jogador agora há pouco, morro um bocadinho de vergonha.

      Eliminar