quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

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Lá na escola do subúrbio onde cresci havia um indivíduo completamente passado da mona. Já não era bem do meu tempo, quem o acompanhou foi o meu irmão - teriam mais ou menos a mesma idade - mas eu conhecia o irmão mais velho do criaturo, que era meu contemporâneo. Não acredito nestas cenas e muito menos em determinismos, mas estes dois irmãos eram a prova a que muitos se agarrariam para argumentar que o mal existe, e a sua semente se propaga em certas linhagens. O mais velho era um bandido da pior espécie, violento, mas de uma forma insidiosa e matreira. Consumia drogas, que suspeito seriam de calibre superior à mera ganza, mas de uma forma controlada, ou seja, não sucumbiu ao vício de modo a acabar um farrapo acampado no Casal, agulha espetada no braço. Possuidor de um espírito empreendedor e oportunista, passou do consumo ao tráfico e, das últimas vezes que lhe pus a vista em cima, andava muito bem vestido e conduzido. Passou de adolescente semi-carocho e homem de mão para quem precisava de costas quentes para um kingpin semi-carocho com uma entourage de músculo subcontratada. O mais novo não tinha a mesma cabeça fria, e consumia mais ávida e descontroladamente. Não que precisasse de drogas para passar do zero aos cem em segundos, bastava um olhar de que não gostasse, um gesto que interpretasse como um desafio. Na escola não havia quem não morresse de medo dele. As tareias que aplicou a um e outro, sem razão ou por motivos absolutamente fúteis, não eram uma lenda, eram um facto verificável. Conhecia um moço que ficou com a cara num bolo porque "se estava a rir para ele", outro que se refugiou aterrorizado em casa umas duas semanas depois de um "estavas a olhar para mim porquê, a gente depois fala". Ainda não tinha os 16 feitos e já tinha ficha na polícia, e a cara gravada na memória de todos os agentes da localidade. Quando fez os 16, recebeu uma prenda da esquadra em peso, e dada em mão. Nessa altura já tinha sido expulso da escola, depois de o Conselho Directivo não ter podido contemporizar ou fechar olhos a uma facada dada a um colega. Apesar disso, continuava a entrar na escola, ou pulando muros, ou coagindo o funcionário do portão, que não tinha nem corpo nem coragem (nem ganhava para isso) para ele. Um dia o meu irmão chegou a casa com uma história, parece que às oito e meia o fulano, já completamente embriagado/drogado, armou uma valente escaramuça no portão da escola, a dizer que ia matar o conselho directivo em peso. Totalmente descontrolado, foi detido pelos agentes chamados ao local; e digo detido no sentido não jurídico, porque era menor de 16, não podia ser "preso". Várias vezes me perguntei, e aos amigos e colegas do meu irmão, como não se juntava um grupo para lhe dar uma lição; era assim que se resolviam os "problemas", ali. Mas a resposta era óbvia: o "e depois", somado ao irmão, na altura já uma figura de peso. Morreu nem tinha ainda os 18 feitos, overdose. Ninguém teve pena. Aliás, a notícia era propalada com um misto de alegria e alívio. Não tenho vergonha de o dizer, foi com esse sentimento que a recebi.

E hoje lembrei-me disto porque imaginei que, se calhava ser possível àquele animal entrar numa superfície comercial e adquirir mais que um canivete, sei lá, uma pistola, respectiva munição, ou mesmo uma arma automática, que faria. Que faria, caneco. O meu irmão e muitos amigos, uns quantos irmãos de amigas, andavam naquela escola. Eu, e muitas amigas, andávamos por ali, era a nossa rua, o nosso bairro, a nossa comunidade. Que faria, pá, um doido sem escrúpulos destes ter acesso a uma máquina de matar muito e depressa. Gente desta, sempre os haverá; o que me faz confusão é em alguns países evoluídos ainda haver quem não conclua que a diferença entre uma tragédia ou uma situação mais ou menos descontrolada é o acesso. E permitirem-no, todavia.

24 comentários:

  1. Sempre que ouço nas notícias um caso desses, digo exactamente o mesmo, o acesso fácil dá nisto.

    E agora já só chegam cá estas notícias quando há algum impacto, ou seja um número de mortos e feridos considerável, ao que parece há muitos mais casos que nem chegam a ser notícia. Aquele povo é muito estranho, para não dizer outra coisa.

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    1. Mac, até fiquei besta ao ouvir nas notícias que só este ano já houve quase duas dezenas de tiroteios. Sim, já não se noticia quando não morre gente, ou então fazemos pouco caso. Mas continua a fazer-me tanta impressão, são miúdos, caramba :(

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  2. "Países evoluídos".

    Como disse aquela luminária, estas mortes são o preço a pagar pela liberdade (de comprar metralhadoras).

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    1. Filipa, quer queiramos, quer não, os EUA são um país de primeiro mundo, é evoluído. Não podemos confundir todo um povo (que tem uma liberdade e activismo na imprensa, ui!) com o Dorito in Chief.

      Se já com pistolas acho uma bizarria, com armas automáticas e metralhadoras acho uma coisa de loucos. Caraças, ninguém precisa daquilo, um civil não precisa, e um militar apenas tem acesso em situações de cenário de guerra - após treino!

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  3. E depois há 865288 conferências de impressa e sempre o mesmo espanto, como é possível ter acontecido tal coisa no país deles?

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    1. Rafinha, e a conversa que o problema são as pessoas e não as armas. Ou os doentes mentais. Pessoas tresloucadas e sem escrúpulos há em todo o lado, eles não têm exclusivo. E um doente mental não é um potencial assassino - além de que é graças ao Trump que agora podem comprar armas.

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    2. O problema até pode ser saúde mental, ou falta dela, mas é dentro da habitação albina.

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    3. Se não é doente mental, é pelo menos uma pessoa sem o mínimo de empatia. Enquanto decorrem os funerais das vítimas, ele faz o quê? Golf.

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    1. Carlota, infelizmente, infelizmente :( Se vivesse lá morria de medo.

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    2. Quando houve um tiroteio num concerto, aqui não há muito tempo, fiquei siderada com o facto de os primeiros a reagir contra o atacante terem sido os civis. Os apoiantes das armas para todos usavam o facto como uma prova de que o acesso às armas era necessário, para as pessoas "boas" se defenderem. O que me deixou pior foi aperceber-me de que aquela gente toda estava num concerto, a curtir a sua música ao vivo, chega um tresloucado que desata a disparar e, imediatamente, várias (quantas, meus deus?) das pessoas na assistência sacam do seu próprio arsenal e desatam a disparar de volta! Eu só pensei num Meo Arena, num coliseu, num estádio cheio de gente de antigamente, comigo lá no meio, sabendo que muitos dos que estavam à minha volta tinham uma arma enfiada no casaco. Num Colombo a achar que talvez 30% dos restantes consumistas estavam armados. Não, não consigo digerir, não consigo.

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    3. Goldfish, essa situação do concerto, pensei eu na minha ingenuidade, devia ter sido um turning point nesta mentalidade pro-armas, precisamente porque não havia qualquer hipótese de defesa, zero, nenhuma! As pessoas foram alvos, simples alvos de um tipo qualquer armado com um arsenal de guerra. E ripostar, como, porquê, nem sabiam de onde vinham os tiros, e se soubessem as armas não tinham alcance!
      Eu morria de medo se soubesse que ao meu lado na rua, metro supermercado, estava alguém armado, que podia reagir a tiro a uma situação que entendesse ser de perigo. Tenho uma amiga que vive lá, num Estado com open carry, e que já verbalizou esse medo. Que horror, viver assim.

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  5. Minha cara... é como o acesso universal à saúde e à educação. Enquanto os interesses económicos da maior potência do mundo, bandeirante do capitalismo livre desenfreado sem interferencia do Estado reinar, nunca que o povinho americano poderá dormir descansado sem preocupações se o puto será morto na escola ou se poderá pagar a conta do hospital se sobreviver.

    Isto não tem nada a ver com constituição, políticas, valores, nada... são pura e simplesmente os trilhões de dólares que elas indústrias movem.

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  6. Ainda não tinha acabado o rant, desculpa.

    As desculpas dos políticos para não agir fazem-me lembrar as da minha irmã para fumar enquanto grávida. Dizia ela que so fumava 5 cigarros por dia, que a placenta filtrava-os, e que para o bebé era melhor uma mãe relaxada que uma stressada. E claro que fumava 5 cigarros sim... ate ao almoço. Dizia-o com tanta convicção que se auto-mentalizava da mentira e se fizesse teste do polígrafo passava.

    Há sempre argumentação para se actuar como se quer, mesmo sabendo-a falsa.

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    1. AEnima, caraças, eu percebo que meia dúzia de sociopatas não se ralem, que para eles o dinheiro fale mais alto. Mas passarem a ser uma maioria, na medida em que condicionam a tomada de decisão de representantes eleitos, credo! Não há dinheiro que pague uma, uminha das vidas das crianças que já perderam a vida. Como é que há tanta gente a conseguir dormir bem à noite? Pô, já perdi o sono por muito, muito menos...

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  7. E uma parte desse povo acredita que a Terra é plana, tem 6000 anos e que a mulher é inferior ao homem. Os cristãos evangélicos são dos maiores apoiantes da NRA e do Trump. O Trump não veio do nada, cresceu devido a esse primitivismo. Não tem outro nome. A relação dos EUA com armas é doentia.

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    1. Ai, Filipa, caneco, não podemos tomar todo um país e um povo por umas anormalidades que, felizmente, ainda não são maioria. É verdade que para lá se caminha, verdade, mas tenho de acreditar que os demais prevalecerão.
      e olha que por cá também já há os totós da terra plana, os imbecis do criacionismo, os fala-barato do coaching sobre comida do bem, felicidade eterna, pensamento positivo, os palermas que têm medo da igualdade porque assim as mulheres vão escravizar e sabe-se lá que mais os homens :P A estupidez, infelizmente, é mal universal

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    2. Não são a maioria, mas estão no poder. Pelo menos, os adolescentes estão a mostrar que não vão em lérias.

      Ugh, essas merdas. E os imbecis do paleo. Pensando bem, é muito bom não poder comprar uma arma :D.

      Os retardados do PNR também já falam na Suécia Islâmica!

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    3. Pois estão :/ esperemos que não por muito tempo

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  8. o Dorito in chief (como adorei esta expressão) agora diz que a solução passa por armar os professores. Imaginas lá o que é um puto estar numa aula, moer a cabeça do prof (quem nunca, né?) e ter uma arma espetada na testa?
    Não consigo perceber esta cultura das armas, não consigo, faz-me confusão.

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    1. Já li, Patrícia. E ele ter ido conversar com jovens estudantes da escola com uma cábula onde, fazendo zoom, se lia instruções do que dizer e como estar, tipo "I hear you"? Sim, é presidente de uma das maiores potências do mundo um tipo que precisa de uma cábula para mostrar empatia e, ainda assim, falha.

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    2. Aquilo é um calhau ambulante. Quanto mais o conheço mais fico incrédula como foi possível ele ganhar uma eleição.
      Ele até podia não sentir empatia mas podia conseguir fingi-la (tantos há por aí assim) mas nem isso. Burro que nem um calhau. E acredito sinceramente que se considere um génio.
      Ainda não decidi se considero as pessoas que o rodeiam como uns mártires que estão a tentar minimizar estragos e devem ser louvados ou se são umas bestas interessadas apenas no poder por osmose.
      Caramba, este gajo faz os nosso políticos parecerem tão melhores do que realmente são.

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    3. Lá está, um bom sociopata, um sociopata funcional, sabe fingir quando lhe dá jeito, mas este nem isso. É de uma bruteza total, mais que um calhau, um penedo.

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    4. (ando a acompanhar no face e no twitter o que os miúdos andam a fazer, e oh pá, desta tragédia ter saído um movimento impulsionado por jovens que transformam a dor e luto em força para agir, que orgulho, que calorzinho. no meio deste deserto de ganância e impassividade, que pessoas extraordinárias se estão a revelar. lagriminha)

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