quarta-feira, 23 de outubro de 2024

O fim da espécie

Depois de mês e meio a frequentar, pelo menos uma vez por semana, a mesma grande superfície prestadora de serviços na área de saúde, estou em condições de afirmar que não pagam o suficiente às pessoas empregues na nobre tarefa de fazer atendimento ao público. Ah, Izzie, mas sabes quais as ordens de valores em causa? Não, mas não são suficientes. Eu não fazia aquilo por três mil limpos, vá, vamos assumir, até cinco mil limpos me parece não compensar oito horas diárias daquilo, a menos que me dessem a possibilidade de eleger um utente por mês para assassinar sem consequências. Ou quatro para espancar valentemente. Assim já falávamos.

Muito a sério, as peçoas (está bem escrito, está: deriva de peçonha) são, genericamente, uma merda. E a minha amostra é curtíssima, visto que entre tirar senhas, esperar a minha vez para a admissão, e esperar a minha vez para entrar lá para onde ia, devo ter gasto, no total, menos que o equivalente a uma jornada de trabalho. Ainda assim, não houve dia em que não assistisse a uma cena triste encenada por peçoa de merda que se porta merdosamente, ou pior, fez merda mas insiste em transferir para outrem a) a responsabilidade pela merda de situação criada pela merda de opções da peçoa de merda; b) resolver ou lidar com as consequências de merda que se seguem a decisões ou situações de merda criadas por peçoas de merda. 

Ah, mas ele/a/s estão lá é para fazer o seu trabalho e lidar com os fregueses, Izzie. Pois estarão, mas os fregueses podiam ter mínimos de boa educação, começando, na loucura, por cumprimentar, seguindo pelo tom de voz empregue ao dizer ao que vêm, e passando por ouvir as instruções com atenção. E, havendo algum problema para resolver, expor a situação com educação e solicitar, insisto, educadamente e com tom de voz amistoso, a ajuda do atendente. Costuma resultar. Não tenho razões de queixa. Até acrescento mais: se a situação a resolver derivar de asneira nossa, assumir logo à partida a responsabilidade ("acho que fiz asneira e esqueci-me / enganei-me / cheguei muito em cima da hora") abre, muitas vezes escancara, as portas da boa vontade de quem nos ouve. Tenho tido excelentes resultados, e penso que não é por ser muito sortuda: já vi a acontecer com outras pessoas. E noutras situações! O espanto! Não custa nada, sermos um bocadinho melhores uns com os outros. E não sermos a causa da azia, tremelique, consumo de xanax, avc, burnout alheio. 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Alerta, acudam, aqui d'el rei

Acho que não estão a fazer reposição dos gelados no Lidl.

Quer dizer. Quer-se dizer. Com coisas destas a passar-se e não há uma equipa de reportagem à porta de cada estabelecimento, a entrevistar utentes desmoralizados, abatidos, desfeitos? Hein? Não há um um fórum TSF dedicado ao tema? Não há um levantamento, uma sublevação, uma revolta popular? 

Isto aqui, hã, isto aqui é um povo manso, é o que é. Já não bastou o silêncio total sobre o escândalo de termos passado um verão inteiro, sublinho INTEIRO sem reporem o sabor morango das caixas gelateli (já nem falo da nata e stracciatella, desaparecidas circa 2023, para nunca mais serem vistas), e agora os gelados de cone e/ou pauzinho são tão poucos que se vislumbra o fundo da arca. 

Qué lá isto? Ainda agarrados a conceitos longevos e caducos como a sazonalidade do produto? Aqui não neva, senhor Lídele. Aqui não é como nas Alemanhas, senhor Líder. A gente aqui é latinos, pah, a gente come gelados todo o ano, pah.

Lá a ver isso. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Not understanding the assignment

Enquanto estou aqui a lidar com a velha conhecida ansiedade paralisante, que volta e meia faz o favor de bater à porta, entrar sem cerimónia e instalar-se de perna traçada, impondo a sua presença, desconcentrando, impossibilitando um mínimo de produtividade que, sendo conseguido, desencorajaria outra velha visita, a prostituta da culpa, dou comigo a pensar que bom que é hoje em dia uma pessoa já poder falar nestas coisas da saúde mental sem problemas, porque há uma consciencialização transversal para a questão, e tal, uma maior aceitação, a 'ssoa já não é vista como disfuncional, a maluca, o problema, não, a pessoa tem um problema, ajudemos a 'ssoa a lidar e ultrapassar, a ter o espaço pessoal e o tempo que necessita, e coiso, todos muito uahhhh, só que não. Nope, não, népia, não é nada assim. Ou antes, é assim para umas coisas, para outras não. Case in point, como diria o Rodenberry, há aceitação e muito boa vontade para com alguns problemas, mas não com outros, depende se está na moda, se é fixe. Melhor dizendo: se padeces de distúrbio / problema / glitch que se enquadre no conceito (atualmente aceitável) de neurodivergência, tudo ok, o resto, iuc. E o que é isso da "neurodivergência", não sei bem. A sério, não sei. Acho que tem que ver com o funcionamento do cérebro, isto é, se é defeito de fabrico, ai, isto não soa nada woke, melhor dizendo, se vens assim de origem, se é um problema de hardware, tudo ok. Se o problema é do software, que passa a funcionar mal, ninguém quer saber. Ora, sendo encaradas como integrando este conceito, e portanto neurodivergentes, sem polémica: espectro do autismo, supé in, ADHD idem, disforias também (porque se convencionou que se trata de algo que nasce contigo, não vou discutir). Este catálogo é tão apetecível como explicação de uma depressão, ansiedade, ou simples quirkiness, que há quem se autodiagnostique. O "eu acho que estou no espectro" é algo que se banalizou. É normal ler / ouvir apreciações como "a ansiedade é da minha TOC / ADHD". Pelo contrário, não se ouve ninguém a desabafar que está a chocar uma psicose, desconfia que a sua depressão está ali a raiar a bipolaridade, ou sente-se um niquinho esquizofrénico. Embora se trate de diagnósticos que podem ser enquadrados na definição de neurodivergência. Mas não são cool. Fixe é ser neurodivergente as in diferentão, muito fora. Agora diferente do tipo ouvir vozes, achar que se aproxima o fim dos tempos, ver auras... neurotípico não é, de certeza, mas é o tipo de excentricidade "errada". "Ah, e como é que sabes que é assim?" Eu cá num xei nada. É o que anda na net. É o que se diz na net. É o que é acreditado na net. Não vamos estragar a vibe dos diferentões modernões. Mas eu, que sou antiga, garanto: esta ansiedade não interessa se é de origem. A depressão (que se vai seguir, pela culpa de não ter estado capaz de trabalhar em condições) também não sei se é defeito de fabrico. Não é relevante, socialmente, se é hardware ou software. Esta estranha maneira de viver não é uma excentricidade que use como uma medalha, de que me gabe, ou que careça de validação. Incomoda muito. Dá uma trabalheira a desmontar e a lidar. Não faz de mim melhor ou pior pessoa. Mas não justifica nem desculpa quando, por causa dela, ajo pior. E, muito menos, faz de mim uma coitada muito desgraçada, marcada por uma inevitabilidade comportamental indelevelmente gravada nos meus genes (?), tecidos (?), células (?), que os outros têm a obrigação de acomodar. Own it, deal with it. Sem desculpas. E, se preciso, tomem qualquer coisinha (prescrita por um profissional competente, claro). Ajuda e, às vezes, até resolve.  

terça-feira, 8 de outubro de 2024

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Pagando por todos os pecados, a pronto

Não posso deixar de achar graça, assim num tom ahahahahah-chuif, de humor quasi fatalista e até, vá, convenhamos, acusatório como em estavas a pedi-las, tu é que te ofereceste, ao facto de estar a trabalhar com millenials na nobre tarefa de passar conhecimento a garotada da geração z. Ouviram aqui, da boca de uma gen-X: poderá ser a definição mais aproximada de purgatório que já se me apresentou. Inferno não digo porque não sou uma me-me-me como os millenials ou uma mi-mi-mi como os gen-Z, e sei que há coisas bem piores a acontecer a muitos outros. 

Resumindo, e numa afirmação muito gen-X, está a ser interessante mas já me vai faltando a paciência - principalmente para os millenials, pasme-se.

(pondero, cada vez mais fortemente, uma reforma dedicada ao eremitismo)