Finalmente a OMS veio dizer publicamente aquilo que o meu pessimismo (esperançoso sempre que se engane) já me sussurrava ao ouvido: a situação passou de "o novo normal" para "o normal". A doença existe e vai ficar, é lidar e aprender a viver nesta realidade. Ainda me lembro muito bem do pânico da SIDA (era adolescente), de não se saber bem o que era, como se transmitia, como se tratava, e tantos anos depois não temos vacinas mas temos tratamentos muitíssimo eficazes, e temos práticas incutidas para evitar contágio e disseminação. Sim, esta transmite-se pelo ar, o que nos limita muito mais; não se conhece tratamentos eficazes nem se sabe bem os efeitos a médio e longo prazo da doença, mesmo nos recuperados. Mas ainda agora isto começou. E é preciso viver, se não da forma como antes o fazíamos, pelo menos é preciso continuar. De boquinha e nariz tapado, mãozinhas constantemente lavadas e higienizadas, mas continuar.
Donde, adiante. Curiosamente, ter a confirmação oficial deste estado de coisas acalmou-me. Não sou exemplo para ninguém, nunca seria, mas estar a viver esta situação a par e passo com um processo de luto pesado tem sido bastante complicado. Mas há mais de uma semana que não tenho crises súbitas de ansiedade, voltei a trabalhar com intensidade (acaba o confinamento e os fregueses não nos largam), e insisti por retomar rotinas. Ir ao supermercado é a pior de todas, já não tenho o luxo de poder dar um pulinho ao Lidl / Continente / Pingo Doce só por meia dúzia de coisas, e confesso que tenho quase de fazer um retiro meditacional antes de me meter ao caminho. Ter de planear com muito rigor tudo o que se come e consome é uma chatice das boas para qualquer desorganizadona adepta do improviso alimentar e domestico como eu, mas cá estamos. Já tenho a empregada a funcionar (minharicasantinha), e o que isso me alivia, caneco, mesmo ateia até ia a Fátima a pé só para comemorar. O cenário é, portanto, pastoso, nubloso, mas possível, exequível. Haja paciência e determinação.
Cumprindo então o nobre desiderato da normalização da vidinha, prometi-me retomar a emissão normal aqui da chafarica. Haverá ocasionais desabafos e mimimis, que somos todos humanos e toda a gente tem direito a ir-se abaixo, nem que seja pela casca de um alho, mas 'bora lá.
Dou o mote:
Qual foi a cena mais querida, fofinha, ternurenta, alegre, boa onda, comovente, enfim, mêmo, mêmo fixe que vos aconteceu na última semana (ou duas)?
Eu começo:
Ontem, parada num semáforo das Avenidas Novas, vi um casal de patos real à porta de uma pastelaria. Tal e qual como se estivessem à espera de ser atendidos, a um metro e pouco das pessoas, muito sossegados e pacientes. Da pastelaria sai uma senhora de màscara e tigela na mão; acocora-se junto aos patos e começa a dar-lhes pão húmido, que eles comem com evidente satisfação.
Aqueceu-me o coração por uns três quinze dias.